Dezenas de candidatos a prefeito em todo o país, de todo o espectro político, prometem implementar algum tipo de auxílio emergencial para ajudar a população durante a pandemia do novo coronavírus. Outros sugerem medidas mais duradouras, nos moldes do Bolsa Família, que, dependendo do município, são chamadas de renda básica, mínima ou de cidadania. A principal diferença entre as duas propostas é o limite temporal – o auxílio tem prazo de validade; a renda básica, não.
Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam a alta na popularidade do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), registrada após a concessão do auxílio emergencial federal, como principal razão para a multiplicação de propostas similares entre os candidatos às eleições municipais.
Segundo levantamento feito pela reportagem, em seis capitais do país – São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Porto Alegre e Curitiba – 21 candidatos a prefeito, de todo o espectro ideológico, propõem algum tipo de auxílio emergencial ou renda básica.
“Essas propostas têm um caráter realmente assistencial ou um objetivo eleitoreiro?”, questiona o economista e coordenador do centro de gestão pública do Insper, André Luiz Marques. Ele atribui a popularização dessas propostas à tentativa dos políticos de surfar na onda do auxílio emergencial federal.
Segundo ele, num cenário de perda de arrecadação pelas prefeituras e de deterioração fiscal geral, a concessão de benefícios deve ser avaliada de acordo com a capacidade fiscal de cada cidade. “Os candidatos têm que fazer um diagnóstico do problema e definir para quem [vão conceder o benefício], qual será o valor e por quanto tempo [o dinheiro será repassado]”, diz Marques. O economista aponta para o risco de que esses programas gerem custos insustentáveis para os cofres municipais.
O espaço fiscal para a concessão desse tipo de benefício varia de cidade para cidade. Um dos termômetros para avaliar essa capacidade é a classificação do Tesouro Nacional, que utiliza quesitos como endividamento, poupança corrente e liquidez para atribuir uma nota à capacidade de pagamento de cada município: A e B são os ratings mais elevados, que atestam uma boa qualidade fiscal; já C e D indicam o contrário.
As seis capitais consideradas na reportagem têm as seguintes notas: São Paulo (B), Rio de Janeiro (C), Belo Horizonte (B), Salvador (B), Curitiba (A) e Porto Alegre (C).
Em São Paulo, Covas prometeu implementar auxílio em outubro
O auxílio emergencial municipal de São Paulo, aprovado pela Câmara dos Vereadores, tem origem em uma proposta do vereador petista Eduardo Suplicy, que há décadas luta pela implementação de uma renda básica universal. Durante a campanha eleitoral, o prefeito Bruno Covas (PSDB) endossou a proposta e anunciou um programa emergencial com parcelas de R$ 100 ao mês, a ser pago por três meses.
O benefício ainda não começou a ser distribuído, apesar da promessa de Covas de que os repasses começariam em outubro. A expectativa é de que o valor beneficie 480 mil famílias, isto é, cerca de 1,3 milhão de paulistanos. Os gastos são estimados entre R$ 400 milhões e R$ 500 milhões. Para famílias monoparentais, formadas por um dos pais e os filhos, R$ 200 serão pagos para a mãe ou para o pai responsável. O mesmo valor também será concedido para cada pessoa com deficiência integrante de um grupo familiar contemplada na proposta, exceto para o paulistano que recebe o BPC (Benefício de Prestação Continuada).
O candidato do Psol, Guilherme Boulos, também aposta na criação do programa Renda Solidária para garantir uma renda mínima às famílias vulneráveis – embora não detalhe o alcance, o valor do benefício nem o custo para o orçamento municipal.
Jilmar Tatto, candidato do PT, promete redistribuir a riqueza aumentando a taxação de bancos, bilionários e dos mais ricos. Esse dinheiro cobriria a perda de arrecadação da prefeitura causada pela pandemia, e serviria para instituir a Renda Básica de Cidadania, além de um auxílio emergencial de R$ 100 por pessoa das famílias beneficiárias do Bolsa Família.
A Renda Básica de Cidadania seria paga em moeda própria do município para todos com renda per capita de até meio salário mínimo, incluindo crianças e idosos. Tatto não detalha os custos nem os valores que seriam desembolsados, mas sugere tributar os 1% mais ricos da cidade de São Paulo para bancar o programa.
No Rio, propostas de auxílio vêm de candidatas de esquerda
A candidata do PT à prefeitura do Rio, Benedita da Silva, propõe o programa Renda Carioca para garantir uma renda complementar às famílias beneficiárias do Bolsa Família e a ser estendida a outras parcelas da população socialmente vulnerável. Benedita estima beneficiar 250 mil famílias em situação de extrema pobreza, podendo estender o programa para até outras 250 mil famílias. Ela não diz de onde viria o dinheiro nem quanto custaria aos cofres públicos.
Renata Souza, do Psol, promete um programa parecido. “O cidadão carioca está passando fome, basicamente. Então a gente vai pagar a renda básica carioca, de meio salário mínimo, para 200 mil famílias. Isso vai garantir que a população, com a renda básica, coma arroz e feijão na sua mesa”, disse a candidata em evento de campanha, em outubro, segundo o G1.
Em BH, candidatos do Psol, PT e PCdoB falam em renda extra aos mais vulneráveis
A candidata do Psol ao Executivo em Belo Horizonte, Áurea Carolina, propõe em seu plano de governo criar o programa Renda Solidária, que complemente outros programas de transferência de renda e que garanta um nível mínimo de renda de R$ 600 às famílias. Ela não detalha quantas famílias seriam alcanças pelo programa, nem quanto custaria aos cofres públicos.
Um programa emergencial para as pessoas mais vulneráveis está também entre as propostas do candidato do PT, Nilmário Miranda. Ele não detalha quantas famílias seriam beneficiadas, mas dá uma pista sobre de onde viriam os recursos: uma das fontes seria parte da renúncia de receitas da prefeitura, que soma cerca de R$ 60 milhões ao ano.
Wadson Ribeiro, candidato do PcdoB, afirma que Belo Horizonte tem mais de 42 famílias de baixa renda não beneficiárias pelo Bolsa Família, e promete, para elas, um programa de renda mínima no valor de R$ 250 ao mês. Segundo os cálculos do candidato, que não diz a fonte dos recursos, o programa custaria R$ 120 milhões por ano.
Em Salvador, candidato de ACM Neto diz que pode prorrogar benefício
Em Salvador, o prefeito ACM Neto (DEM), que não é candidato à reeleição, lançou em abril o benefício Salvador Por Todos, no valor de R$ 270, para trabalhadores informais, individuais e pessoas em situação de rua cadastradas junto ao município. O programa já pagou oito parcelas.
O candidato do DEM, Bruno Reis, do mesmo partido do prefeito ACM (e apoiado pelo prefeito), diz que, se for eleito, pode prorrogar o auxílio de R$ 270 ao mês que a prefeitura já está pagando, dependendo do comportamento da pandemia do coronavírus na cidade. Ele não detalhou como vai bancar o programa.
Hilton Coelho, candidato do Psol, também sugere uma renda mínima permanente a ser custeada pelos mais ricos. “Vamos precisar fazer uma análise orçamentária. O nosso desejo é que seja próximo ao salário mínimo, mas é uma vontade, vamos precisar de fato fazer análise do orçamento”, afirmou o candidato.
A candidata do PT, Major Denice, propõe em seu plano de governo implementar um programa de transferência direta de renda, embora ela não detalhe a origem do dinheiro para bancar a proposta, nem a abrangência do benefício. Uma proposta análoga consta também no plano da candidata do PcdoB, Olívia Santana.
O candidato do Avante, Pastor Sargento Isidório, afirmou à rede de TV CNN, que, caso seja eleito, vai pagar um auxílio para os soteropolitanos em 2021. “Vamos continuar pagando de R$ 150 a R$ 200 para as pessoas. Já tenho uma equipe técnica dirigida por tributaristas analisando a viabilidade financeira para a gente continuar socorrendo essas famílias”, disse o candidato.
Para reduzir as desigualdades, o candidato de Podemos, Bacelar, promete um auxílio de R$ 300 ao mês para 50 mil mães chefes de família durante seis meses. O programa teria um custo de R$ 90 milhões para os cofres municipais, mas o candidato não informa como arcaria o benefício.
Em Porto Alegre, um dos candidatos diz que a prefeitura não pode bancar benefício
Em junho, a Câmara dos Vereadores de Porto Alegre aprovou o Fundo Municipal de Combate ao Coronavírus (Funcovid-19) e o Programa Municipal Temporário de Transferência de Renda aos cidadãos atingidos social e economicamente pela pandemia.
O auxílio é concedido a famílias registradas no Cadastro Único (CadÚnico), que não recebem outro tipo de benefício e que tenham renda mensal de R$ 89 a R$ 522,50. Os valores repassados oscilam de R$ 50 a R$ 150 por mês, além de R$ 50 adicionais para cada um dos demais integrantes da família: cônjuge, criança de zero a 12 anos, adolescente de 13 a 17 anos, pessoas com deficiência e idosos. Não há limite de número de integrantes da família.
De acordo com a prefeitura de Porto Alegre, 3.767 famílias já receberam o auxílio, que é disponibilizado por meio de um Cartão Social. O benefício foi criado inicialmente para três meses – agosto, setembro e outubro –, mas foi prorrogado até janeiro de 2021. O programa custa R$ 28 milhões aos cofres municipais.
O prefeito Nelson Marchezan (PSDB), candidato à reeleição, promete ampliar o número de famílias em vulnerabilidade social e extrema pobreza, inclusas no Cadastro Único e aptas a participar de programas de transferência de renda federais, estaduais e municipais.
Já Fernanda Melchionna (Psol) propõe em seu plano de governo a criação de um benefício a ser bancado por um pacote de aumento da carga tributária que arrecadaria R$ 295 milhões. Melchionna calcula o auxílio em R$ 600 a ser pago a famílias afetadas pelo desemprego, com prioridade às mulheres chefes de família, mães solo e residentes de áreas com maior vulnerabilidade. A candidata não detalhou a duração do programa.
João Derly (Republicanos) também sugere a ideia de um auxílio emergencial municipal em seu plano de gestão, sem dar mais detalhes. Já Julio Flores (PSTU) garante a manutenção de um benefício de R$ 600 para desempregados e informais, enquanto durar a pandemia, mas também não especifica de onde viria o dinheiro.
A candidata do PCdoB, Manuela D’Ávila, prevê uma renda básica para todas as crianças de zero a seis anos de famílias em risco e vulnerabilidade social, beneficiárias do Bolsa Família. Elas terão complementação de renda para chegar ao valor de R$ 100 por pessoa na família da criança, observando os benefícios já existentes.
Na contramão, Sebastião Melo, candidato do MDB, jogou um balde de água fria nas promessas dos demais postulantes. “Entre o desejo e a realidade, tenho que ficar com a realidade. A Prefeitura [de Porto Alegre] não tem orçamento para isso. Espero que o governo federal adote a Renda Cidadã”, afirmou, em sabatina da Carta Capital. “Eu não tenho como assumir esse compromisso e penso com todo o respeito que quem assumiu esse compromisso não tem como cumprir. A Prefeitura não tem recurso para isso”, acrescentou.
Em Curitiba, Goura e Francischini propõem auxílio
Em lados opostos do espectro político, os candidatos Fernando Francischini (PSL) e Goura (PDT) têm propostas parecidas para os curitibanos. “Eu sou um liberal na economia, mas não em tempo de pandemia, fome, miséria, desemprego. Por isso vou lançar um auxílio emergencial que vai dar continuidade ao bom trabalho que o presidente Bolsonaro fez atendendo 300 mil famílias, aqui em Curitiba”, afirma Francischini.
Ele promete estudar o orçamento e usar R$ 500 milhões do fundo de reserva da prefeitura para bancar o auxílio para os desempregados e para os microempresários que perderam a renda. Para evitar que os recursos saiam da cidade, o benefício poderá ser gasto apenas dentro do bairro em que a pessoa mora, gerando, segundo ele, um “círculo virtuoso para movimentar a economia” local.
Já o deputado estadual e candidato a prefeito Goura é coautor de um projeto de lei na Assembleia Legislativa do Paraná que institui a renda básica. “Temos mais de 400 ocupações irregulares e mais de 350 favelas, estamos falando em mais de 150 mil pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade”, afirmou o parlamentar, em outubro. Contudo, ele não detalhou se, como prefeito, vai implementar a medida.
O impacto do auxílio emergencial
Estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), realizado em julho, mostra que o auxílio emergencial federal de R$ 600, aprovado pelo Congresso e desembolsado pelo governo federal, além de turbinar a popularidade de Bolsonaro, teve um impacto muito maior que o do Bolsa Família por atingir 64 milhões de pessoas.
O benefício aumentou a renda das famílias em 24%, em média – percentual acima da perda causada pela pandemia, que, em média, ficou em 18%. “Isso não significa que o auxílio emergencial seja excessivo, mas sim que o nível de pobreza e desigualdade do Brasil é muito alto”, avaliam os pesquisadores Lauro Gonzalez e Bruno Barreira, no estudo.
Segundo o professor e pesquisador do Centro de Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV, Eduardo Diniz, a pandemia deixou evidente que programas de transferência de renda têm relevância e não têm coloração partidária. “Se você tem pessoas morando na rua, isso tem custo com limpeza, saúde e criminalidade. Ajudar na extrema miséria vai ter um retorno para a cidade, não é um custo, mas um investimento de médio a longo prazo”, afirma o especialista.
De acordo com Diniz, é preciso encontrar novas formas para redistribuir a riqueza no país. Uma das soluções, em nível local, seria a criação de moedas comunitárias digitais, cuja validade é restrita a bairros ou cidades. Elas permitem que os benefícios desembolsados pela prefeitura ou as doações de privados permaneçam no local, gerando riqueza para a comunidade.
Especialistas apontam que existem exemplos bem sucedidos no Brasil, como as experiências de moedas locais nos municípios de Maricá, no Rio, e Limoeiro de Anadia, em Alagoas. Ao todo, existem 115 bancos comunitários em 47 municípios de 20 estados, de acordo com Joaquim Melo, coordenador da Rede Brasileira de Bancos Comunitários.
“A sociedade acordou por uma série de fatores. A pandemia foi um deles. Eu acompanho por dever de ofício muitos programas de governo – alguns deles a gente ajudou a construir – que estão dizendo claramente isso. Não é o renda básica que a gente gostaria que fosse, universal e incondicional, mas vamos fazer rendas municipais, rendas mínimas, Bolsa Família, ou como queira”, afirmou Melo durante um evento virtual promovido pela FGV, em 3 de novembro.
Estudo de 2013 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) calculou que os gastos com o Bolsa Família representavam na época 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB). Cada R$ 1 gasto com o programa, porém, se transformava em R$ 2,4 no consumo das famílias e adicionava R$ 1,78 ao PIB.
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