Em mais uma resposta indireta às críticas do presidente Jair Bolsonaro (PL) à votação eletrônica, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Edson Fachin, afirmou nesta segunda-feira (20) que duvidar da Justiça Eleitoral equivale a duvidar do eleitor e que “um representante popular que duvida do seu eleitor não é digno do mandato que exerce e desonra a história da democracia”.
Segundo a assessoria da Corte, Fachin disse que “lançar dúvidas sobre o trabalho da Justiça Eleitoral é, no fundo, duvidar do eleitor” e que “quem está na vida pública não deve temer o eleitor”. Ainda segundo o ministro, o trabalho da Justiça Eleitoral é “deixar falar o eleitor” e de forma “livre e plena”.
A declaração foi feita durante uma reunião conjunta da Comissão de Transparência Eleitoral (CTE) e do Observatório de Transparência das Eleições (OTE), que comportam dezenas de instituições públicas e entidades civis chamadas pelo TSE para fiscalizar o processo eleitoral. A reunião foi fechada e híbrida, com alguns participantes presenciais e a maioria acompanhando de maneira virtual.
Da comissão faz parte o general Héber Garcia Portella, representante das Forças Armadas e autor de propostas para a votação eletrônica apresentadas ao TSE. Elas refletiam preocupações de Bolsonaro com um suposto risco de fraude na apuração ou totalização dos votos nas eleições deste ano.
A Gazeta do Povo apurou junto a alguns participantes da reunião que o general não se manifestou na reunião e que algumas de suas propostas, reiteradas pelo ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, num ofício enviado a Fachin no último dia 10, nem sequer foram discutidas. Pela manhã, Nogueira pediu ao ministro uma reunião exclusiva entre técnicos militares e equipes de tecnologia do TSE para discuti-las, e até o momento não houve resposta.
As propostas do ministro da Defesa, e que já haviam sido feitas pelo general Portella, consistiam em ativar a biometria nas urnas que passarão pelo teste de integridade no dia das eleições; realizar o teste público de segurança no último modelo da urna, de 2020; e ainda “tornar efetiva” a fiscalização de todas as fases do processo por partidos políticos.
Durante a reunião desta segunda, um estatístico do TSE buscou justificar um dos pontos do sistema que haviam sido criticados pelas Forças Armadas: o tamanho da amostra do teste de integridade, no qual urnas são retiradas das seções no dia da eleição para verificação de seu correto funcionamento. Neste ano, o TSE mais que triplicou o número de urnas selecionadas, com 648 máquinas a serem testadas – 0,1% das 492.048 urnas a serem instaladas nas seções.
Ainda assim, as Forças Armadas sugeriram um número bem maior, mas a proposta foi rejeitada pelo TSE, que apontou erros em cálculos e conceitos estatísticos dos militares. O estatístico do tribunal, Felipe Antoniazzi, disse que a quantidade é adequada, sob o argumento de que todas as urnas rodam os mesmos programas em todo o país.
O TSE também já havia descartado, para as eleições deste ano, o uso da biometria, que teria por objetivo reproduzir de maneira mais próxima as condições de uma votação real. Um relatório das propostas distribuído nesta segunda aos membros da comissão informou que tal sugestão, reiterada pelo ministro da Defesa, será “analisada no próximo ciclo eleitoral”.
O TSE também considera desnecessária a realização de um novo Teste Público de Segurança (TPS) no último modelo das urnas, confeccionado em 2020, e que comporão 39% de todas as máquinas a serem distribuídas pelo país para as eleições. O relatório entende que essa sugestão foi “parcialmente acolhida”, porque os códigos-fonte serão disponibilizados para entidades externas; no TPS, porém, técnicos são chamados ao TSE para atacar a urna em várias frentes, a fim de apontar fragilidades que possam ser corrigidas – isso foi feito entre novembro e maio.
Por fim, na reunião desta segunda, os integrantes da comissão e do observatório não discutiram a proposta do ministro da Defesa de “tornar efetivas” a fiscalização e auditoria de todas as fases do processo por partidos – essa proposta converge com o interesse do PL, de Bolsonaro, de credenciar o Instituto Voto Legal (IVL) para desenvolver sistemas próprios de verificação da conformidade dos sistemas e procedimentos da apuração e totalização.
O TSE considera, no relatório apresentado nesta segunda, que essa proposta foi “acolhida”, nos seguintes termos: “a atuação de empresa especializada contratada por partido político, nas etapas de verificação e auditoria previstas nos normativos que definem o processo eleitoral, é possível, observados os prazos e limites legais”.
Na proposta de auditoria apresentada ao PL e submetida ao TSE, o IVL indica que buscará um acordo com técnicos do tribunal para contornar algumas limitações impostas pelas regras internas para a realização de auditorias privadas, como o veto ao uso da internet, por exemplo.
Sucessor de Fachin diz que TSE continuará aberto ao diálogo
Ainda durante a reunião desta segunda, o vice-presidente do TSE, Alexandre de Moraes, que assume o comando em agosto, disse que, em sua gestão, a Corte continuará aberta ao diálogo com as entidades da comissão e do observatório.
Segundo a deputada Margarete Coelho (PP-PI), representante do Congresso na comissão, ele também chamou a atenção para o risco de perícias quebrarem o sigilo do voto. “Veio a sugestão de periciar o voto e ele disse do risco que isso tem de quebrar a identidade do eleitor. E qual o impacto disso, de o eleitor ser pressionado, a ser manipulado”, disse.
Assim como ela, outros parlamentares ouvidos pela reportagem disseram que, durante a reunião, o general Héber Garcia Portella, não se manifestou.
Foi enfatizado por Fachin o convite para que as entidades participem das próximas etapas da auditoria realizada pelo próprio TSE, que incluem cerimônias de preparação e lacração das urnas, com a última conferência dos sistemas que serão instalados.
Mais cedo, Fachin participou de uma videoconferência com integrantes da União Interamericana de Organismos Eleitorais (Uniore), na qual discutiu preparativos para o envio ao Brasil de uma missão de observação eleitoral para acompanhar as eleições de outubro.
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