Um movimento encabeçado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) pede a defesa do Estado Democrático de Direito. O documento, chamado de "Carta aos Brasileiros em defesa do Estado democrático de Direito", foi divulgado no site da universidade nesta terça-feira (26), local em que também é possível subscrever o texto.
De acordo com informações divulgadas pela Faculdade de Direito da USP, o texto cita a preocupação com os ataques contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e as urnas eletrônicas. A carta não cita nominalmente nenhum político ou personalidade pública.
Até a tarde desta terça, a carta já havia recebido cerca de 3 mil assinaturas. Entre os signatários estão: os banqueiros Roberto Setubal, Pedro Moreira Salles e Candido Bracher, e os economistas Arminio Fraga e José Roberto Mendonça de Barros.
Ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) também aderiram ao movimento como Carlos Ayres Britto, Carlos Velloso, Celso de Mello, Cezar Peluso, Ellen Gracie, Eros Grau, Marco Aurélio Mello, Sepúlveda Pertence, e Sydney Sanches.
Além deles, artistas, juristas, membros da magistratura e religiosos também apoiam o movimento. O documento está aberto para receber novas assinaturas pelo site "Estado de Direito Sempre!".
Segundo a Faculdade de Direito da USP, a inspiração para a carta de 2022 foi a ação de 1977 do jurista e professor de Direito Goffredo da Silva Telles Jr. Em 11 de agosto daquele ano, ele leu a “Carta aos Brasileiros e Brasileiras” no Largo de São Francisco, sede do curso da USP, em que “denunciava a ilegitimidade do governo militar e o estado de exceção e pedia a instauração de uma Assembleia Nacional Constituinte”.
Miguel Reale Júnior, um dos autores do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), assinou o documento divulgado nesta terça. Reale também foi um dos subscritores da carta de 1977.
A nova edição do documento será lida em 11 de agosto de 2022, no mesmo local. A princípio o ex-ministro do Supremo Celso de Mello iria ler o documento durante o evento, no entanto, ele cancelou a participação por motivos de saúde.
Texto da carta de 2022
“Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito
Em agosto de 1977, em meio às comemorações do sesquicentenário de fundação dos cursos jurídicos no país, o professor Goffredo da Silva Telles Junior, mestre de todos nós, no território livre do Largo de São Francisco, leu a Carta aos Brasileiros, na qual denunciava a ilegitimidade do então governo militar e o estado de exceção em que vivíamos. Conclamava também o restabelecimento do estado de direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.
A semente plantada rendeu frutos. O Brasil superou a ditadura militar. A Assembleia Nacional Constituinte resgatou a legitimidade de nossas instituições, restabelecendo o Estado Democrático de Direito com a prevalência do respeito aos direitos fundamentais.
Temos os poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, autônomos e com o compromisso de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a Constituição Federal.
Sob o manto da Constituição Federal de 1988, prestes a completar seu 34º aniversário, passamos por eleições livres e periódicas, nas quais o debate político sobre os projetos para o país sempre foi democrático, cabendo a decisão final à soberania popular.
A lição de Goffredo está estampada em nossa Constituição: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral.
Nossa democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Vivemos em um país de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública. Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável. O Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios. Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude.
Nos próximos dias, em meio a estes desafios, teremos o início da campanha eleitoral para a renovação dos mandatos dos legislativos e executivos estaduais e federais. Neste momento, deveríamos ter o ápice da democracia com a disputa entre os vários projetos políticos visando convencer o eleitorado da melhor proposta para os rumos do país nos próximos anos.
Ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições.
Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o Estado Democrático de Direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional.
Assistimos recentemente a desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão.
Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar ao lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática.
Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos às brasileiras e aos brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições.
No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições.
Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona: Estado Democrático de Direito Sempre!”.
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