A retomada de negociações para destravar acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul está nos planos do ex-presidente e candidato à reeleição pelo PT, Luiz Inácio Lula da Silva, caso alcance o terceiro mandato. O interesse na reabertura do diálogo foi revelado pelo assessor de política externa de Lula, ex-chanceler Celso Amorim, em entrevista à agência Reuters.
Segundo Amorim, o petista sempre destacou a "importância estratégica de um acordo do Mercosul com a União Europeia" e deve se somar às cobranças pelo seu aprimoramento e efetivação em um eventual retorno ao Palácio do Planalto.
A costura de um entendimento entre europeus e integrantes do Mercosul se estendeu por quase 30 anos e culminou na aprovação, em 2019, de um acordo bilateral com potencial para dar origem à maior área de livre comércio do mundo. Colocá-lo em prática, no entanto, ainda depende do aval de cada um dos 27 países-membros da UE, do Parlamento Europeu e dos quatro componentes do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai). Foi na ratificação que a questão emperrou, com resistências de parte a parte.
Lideranças e ambientalistas europeus passaram a defender que se condicionasse o avanço do acordo dentro dos legislativos à adição de mais compromissos relacionados à sustentabilidade, com alusões a uma percepção de desatenção do governo brasileiro de Jair Bolsonaro (PL) com a preservação ambiental, em especial na Amazônia. Os franceses aparecem como os mais vocais nas ressalvas ao acordo (tanto no governo quanto na oposição), mas outros países como Áustria, Irlanda e Holanda também são resistentes.
Deste lado do Atlântico, a Argentina também se mostra reticente em aprovar o novo laço com a União Europeia, ao apontar que países do bloco insistem em medidas protecionistas.
De acordo com o ex-chanceler Celso Amorim, ainda à Reuters, é possível "fortalecer cláusulas com respeito ao clima e aos direitos humanos, sem deixar que isso se transforme num pretexto para o protecionismo". A avaliação do conselheiro de Lula parece em linha com a percepção do agronegócio nacional, de que países europeus tentam dar verniz de demanda ambiental para o que seria, na verdade, a criação de barreiras ao produto brasileiro.
Ministro das Relações Exteriores entre 2003 a 2014 (durante os anos Lula e primeiro mandato de Dilma Rousseff na presidência da República), Amorim defendeu também a necessidade de "uma revisão em profundidade" de áreas como compras governamentais, serviços, propriedade intelectual.
"Tem que ser um acordo que, de um lado, garanta que certos cuidados serão tomados em função do aquecimento global e do desenvolvimento sustentável, e, por outro lado, também garanta que nós teremos possibilidade e espaço político para o desenvolvimento industrial e tecnológico atualizado, que tem que ser desenvolvimento verde", resumiu.
Procurada pela Gazeta do Povo, a assessoria de Luiz Inácio Lula da Silva disse não haver, no momento, manifestação oficial sobre o assunto.
O ex-presidente, entretanto, já defendeu pessoalmente a reabertura de negociações como tentativa de fazer com que o acordo se efetive. Em viagem recente ao velho continente, Lula falou sobre o tema em, ao menos, duas ocasiões.
Em novembro de 2021, em entrevista coletiva após o recebimento de prêmio concedido pela revista Politique Internacionale, o ex-presidente e hoje candidato defendeu "voltar a trabalhar forte no acordo com a União Europeia".
No mesmo mês, em discurso durante a Conferência de Alto Nível da América Latina, promovida pelo bloco social democrata no Parlamento Europeu, Lula falou em expectativa para a eleição presidencial de 2022 e prometeu aperfeiçoamento dos termos do acordo entre os dois blocos econômicos.
"O acordo hoje se encontra paralisado, por conta da desconfiança de países europeus quanto ao cumprimento dos compromissos ambientais assumidos pelo governo brasileiro. Temos imensas extensões de terras agricultáveis, temos tecnologia, pesquisas agropecuárias avançadas. Nossa produção de alimentos não precisa desmatar a Amazônia para exportar soja ou criar gado. As atividades criminosas dos que destroem o meio ambiente devem ser punidas, e não podem prejudicar toda a economia brasileira", disse Lula na ocasião.
O assunto também foi tratado por ele em entrevistas concedidas a veículos de imprensa brasileiros. Ao portal UOL em 27 de julho, por exemplo, o petista afirmou que vai chamar a União Europeia para melhorar o acordo. "Tenho fé que a gente vai inaugurar esse acordo, vai anunciar esse acordo logo, logo, mas com melhor qualidade para garantir que os países da América Latina possam ter política industrial. Eu já discuti muito isso com o Celso Amorim, eu tenho certeza que nós vamos avançar", completou Lula.
O que o plano de governo de Lula diz sobre acordos comerciais
Indicativos também aparecem no plano de governo protocolado junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que não traz citações expressas à intenção de insistir na efetivação do laço com a União Europeia, mas inclui o próprio Mercosul e demais acordos comerciais no contexto das diretrizes pretendidas pela chapa como caminho para o desenvolvimento econômico, a "defesa da democracia e reconstrução do Estado".
O programa destaca o objetivo de fortalecimento de alianças como a do Mercosul para "defender a integração da América do Sul, da América Latina e do Caribe, com vistas a manter a segurança regional e a promoção de um desenvolvimento integrado". O plano fala ainda na "ampliação dos acordos comerciais internacionais relevantes ao desenvolvimento brasileiro” e no estabelecimento de “parcerias que forem as melhores para o país", sem detalhamentos.
Quanto o acordo de Mercosul e União Europeia pode render ao Brasil, segundo o governo
O tratado negociado entre Mercosul e União Europeia elimina tarifas de importação para mais de 90% dos produtos comercializados entre os dois blocos, com redução escalonada e taxas chegando a zero dentro de um prazo de 15 anos a partir da entrada em vigor do acordo.
Cálculos do Ministério da Economia feitos em 2019 – quando da finalização das negociações – estimavam que o acordo representaria aumento de ao menos US$ 87,5 bilhões do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 15 anos. Com relação ao comércio bilateral, a expectativa era de que as exportações brasileiras para a UE alcançassem ganhos de US$ 100 bilhões até 2035.
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