Desde que teve as condenações anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e vários processos arquivados por prescrição, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou a dizer que foi “absolvido” e o PT de que foi “inocentado”.
Uma afirmação do tipo foi feita por Lula neste domingo (29), no debate veiculado pela TV Bandeirantes. “Eu fui absolvido em todos os 26 processos [...] Fui absolvido na primeira, na segunda instância e duas vezes na Suprema Corte”, disse o petista, durante diálogo com Ciro Gomes (PDT). “Não foi absolvido”, rebateu o candidato do PDT.
Em junho deste ano, em sua página oficial, o PT afirmou que “Lula foi inocentado e venceu todos os 26 processos que pesavam contra ele”. Nenhuma das expressões é verdadeira.
Nos dois processos em que foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro – nos casos do triplex do Guarujá e do sítio de Atibaia –, as sentenças foram anuladas por questões processuais e não em razão de uma revisão sobre a ocorrência ou não dos pagamentos de propina e tentativas de ocultar a vantagem indevida.
Segundo a sentença da condenação na primeira instância e acórdão proferido na segunda instância, os imóveis receberam investimentos milionários da OAS e da Odebrecht em razão de contratos obtidos na Petrobras, e só não foram passados para o nome de Lula numa tentativa de esconder que ele era o beneficiário.
Esses fatos foram confirmados por três desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que referendou, em 2018 e 2019, as condenações antes impostas pela 13ª Vara Federal de Curitiba. No caso do triplex, cinco ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmaram a condenação, afastando a ocorrência de má aplicação da lei no processo.
1) Mas Lula pode ser considerado inocente?
Sim. Em razão da anulação das condenações, no ano passado, pelo STF, Lula atualmente pode ser considerado inocente perante a Justiça, uma vez que não tem mais sobre si um juízo de culpa válido e definitivo. Esse status é conferido pela Constituição pelo conhecido princípio da presunção de inocência, expresso no inciso LVII do artigo 5º, que diz que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
O STF não analisou o mérito das acusações, tampouco os fatos e provas do processo. Invalidou as sentenças, em março de 2021, porque considerou que a 13ª Vara Federal de Curitiba não tinha competência para processar os casos. A conclusão do ministro Edson Fachin, relator do caso, confirmada por outros sete ministros – Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Luís Roberto Barroso – foi de que Lula teria se beneficiado de propinas em razão de contratos das construtoras fechados em outras estatais, como Caixa e Eletrobras, não somente com a Petrobras, daí a competência de Brasília.
Menos de três meses depois, em junho, o STF também acabou anulando as próprias provas e todas as diligências autorizadas para coletá-las – buscas e apreensões, depoimentos, perícias, etc. A maioria dos ministros considerou que o ex-juiz Sergio Moro atuou de forma parcial, em razão de medidas como uma condução coercitiva em 2016, sem prévia intimação para depoimento, e interceptação telefônica de familiares e advogados com posterior divulgação de conversas privadas. A decisão teve um placar de 7 a 4 no plenário da Corte.
2) Que fim tiveram os processos em que Lula foi condenado?
Nos dois casos em que havia ocorrido a condenação, a possibilidade de nova condenação foi enterrada. A anulação das condenações por falta de competência, que transferiu os processos para a Justiça Federal de Brasília, e a declaração de suspeição de Moro levaram os dois casos para a estaca zero.
Na prática, todo o caminho da persecução criminal deveria ser novamente percorrido: a investigação deveria recomeçar praticamente do zero; caso recuperadas as provas, o Ministério Público faria uma nova denúncia; o novo juiz do caso verificaria se ainda existiriam indícios de autoria e materialidade do crime, para receber a denúncia e, neste caso, tornar Lula novamente réu. Aberto o processo, após ouvir novamente o ex-presidente, suas testemunhas de defesa, as alegações e contestações dos advogados, o magistrado daria nova sentença, que ainda poderia ser rediscutida na segunda instância e nos tribunais superiores de Brasília.
Atualmente, o entendimento predominante no Judiciário é que, antes dessa condenação definitiva, a pessoa é considerada inocente. Em 2018, Lula foi preso porque, na época, o STF entendia que após a confirmação da condenação em segunda instância – que ocorreu nos casos do triplex e do sítio – já era possível iniciar o cumprimento da pena. Em 2019, esse entendimento foi revisto pela maioria dos ministros e, por isso, Lula foi solto.
Em agosto do ano passado, a juíza Pollyanna Alves, da 12ª Vara Federal Criminal de Brasília, rejeitou uma nova denúncia que havia sido apresentada pelo Ministério Público Federal por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do sítio de Atibaia. Ela considerou que, após a anulação das provas pelo STF, não restaram outras suficientes para sustentar o processo.
Em janeiro deste ano, a mesma magistrada arquivou o caso do triplex, desta vez por considerar que houve prescrição, ou seja, o fim do prazo legal possível para levar a uma nova condenação. Neste caso, o próprio MPF reconheceu que ocorreu a “extinção da punibilidade”, em razão da demora da Justiça para resolver o caso. “A prescrição ora reconhecida decorre da anulação promovida pelo Supremo Tribunal Federal de todos os atos praticados pelo então juiz federal Sérgio Fernando Moro”, escreveu a Pollyanna Alves, em nova referência à anulação das provas pelo STF, o que inviabilizou a coleta de novos elementos contra Lula.
3) O que ocorreu nos outros casos em que Lula foi acusado?
Vários outros casos em que Lula foi investigado também acabaram suspensos ou arquivados. Em dois deles, o ex-presidente era suspeito de corrupção e lavagem de dinheiro em razão da compra de um terreno, pela Odebrecht, para o Instituto Lula, e de doações da empreiteira para a entidade. Os dois processos também foram transferidos de Curitiba para Brasília.
Em setembro do ano passado, porém, o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, suspendeu ambos. Desta vez, considerou que os procuradores da força-tarefa de Curitiba também não tinham competência para investigar os dois fatos.
“Salta à vista que, quando o Supremo Tribunal Federal declarou a incompetência do ex-juiz Sérgio Moro para o julgamento de Luiz Inácio Lula da Silva, reconheceu também, implicitamente, a incompetência dos integrantes da força-tarefa Lava Jato responsáveis pelas investigações e, ao final, pela apresentação da denúncia”, escreveu na decisão.
Em março deste ano, Lewandowski também suspendeu outra ação que já tramitava contra Lula em Brasília, no âmbito da Operação Zelotes. O petista era acusado de tráfico de influência, lavagem de dinheiro e organização criminosa na compra de 36 caças suecos pelo governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Ele considerou uma atuação indevida entre procuradores da Lava Jato e da Zelotes com base em mensagens hackeadas que trocaram.
“Os integrantes da ‘Lava Jato’ de Curitiba não apenas idealizaram, desde os seus primórdios, a acusação contra o reclamante objeto da presente contestação – possivelmente movidos pelos mesmos interesses heterodoxos apurados em outras ações que tramitaram no Supremo Tribunal Federal – como também, pasme-se, revisaram a minuta da denúncia elaborada pelos procuradores do Distrito Federal”, escreveu o ministro.
Vários outros processos, derivados da Lava Jato, acabaram arquivados ou trancados em razão do julgamento do STF que considerou Moro parcial. Isso ocorreu, por exemplo, com a ação sobre suposta corrupção, lavagem, tráfico de influência e organização criminosa para favorecer a Odebrecht com empréstimos do BNDES. O mesmo fim teve processo sobre lavagem de dinheiro no Instituto Lula no recebimento de R$ 1 milhão do grupo ARG para intermediar encontro de seus executivos com o governo de Guiné Equatorial.
4) Lula foi absolvido em outros casos?
Em três casos, houve uma absolvição, ou seja, uma declaração formal da Justiça de que Lula era inocente em relação às suspeitas. Isso ocorreu no processo em que foi acusado de obstrução de Justiça, pela suposta tentativa de comprar o silêncio de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras; na acusação de formar uma organização criminosa no Partido dos Trabalhadores, o chamado “Quadrilhão do PT”; e na denúncia por corrupção por editar uma medida provisória em favor de montadoras de veículos em troca de propinas para o PT.
No primeiro caso, o juiz Ricardo Leite, da 12ª Vara da Justiça Federal de Brasília, considerou que um áudio em que o ex-senador Delcídio do Amaral prometia ajuda mensal de R$ 50 mil à família de Cerveró, além de R$ 4 milhões para seu advogado não era uma prova válida. “Há suspeitas também da ocultação de fatos”, afirmou o juiz na decisão.
No caso do Quadrilhão do PT, o juiz Marcus Vinicius Reis Bastos, da mesma vara, concluiu pela inexistência de uma organização criminosa. “A inicial acusatória alonga-se na descrição de inúmeros ilícitos penais autônomos sem que revele a existência de estrutura ordenada estável e atuação coordenada dos denunciados”, escreveu. Para ele, a denúncia, apresentada em 2017 pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, “traduz tentativa de criminalizar a atividade política”. Também foram absolvidos nesse processo a ex-presidente Dilma Rousseff, os ex-ministros Antonio Palocci e Guido Mantega, e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto.
No terceiro caso, o juiz federal Frederico Botelho de Barros Viana, da 10ª Vara Federal de Brasília, absolveu Lula por não ver provas suficientes de que ele teria recebido uma oferta de R$ 6 milhões, destinada ao PT, em troca da MP 471/2009, que prorrogou incentivos fiscais para montadoras de veículos instaladas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. “Não há evidências apropriadas e nem sequer minimamente aptas a demonstrar a existência de ajuste ilícito”, diz a decisão, de dezembro de 2019.
5) O que diz a defesa de Lula
A defesa de Lula sempre sustentou sua inocência, sobretudo nos processos em que foi condenado. Afirmou que nunca houve provas de que os investimentos feitos no triplex e no sítio tinham relação com contratos das construtoras na Odebrecht e que os imóveis nunca pertenceram ao ex-presidente.
Marisa Letícia, esposa de Lula falecida em 2017, havia pago parcelas de um apartamento comum no edifício Solaris, no Guarujá, mas o casal teria recusado a compra do triplex quando o prédio foi adquirido pela OAS. Já o sítio pertence a amigos de Lula, que usava o local para lazer. Nos dois casos, desde o início, os advogados apontaram a falta de competência e a suspeição de Moro, alegações só aceitas pelo STF cinco anos após o início dos processos.
Em fevereiro deste ano, os advogados Cristiano Zanin Martins e Valeska T. Z. Martins publicaram na Folha de S.Paulo um artigo para rebater declarações de Moro de que Lula não havia sido inocentado. “É uma afirmação que desrespeita a Constituição, que considera todos inocentes a menos que haja condenação transitada e julgada. Não existindo acusação válida Lula é inocente, não cabendo a Moro ou a terceiros ‘inocentá-lo’”, escreveram.
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