O bom desempenho de candidatos conservadores no primeiro turno das eleições, principalmente na Câmara e no Senado, e a margem relativamente apertada entre os candidatos Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) animaram o mercado financeiro.
Desde segunda-feira (3), o dólar caiu 4,91% ante o real, segundo a cotação média diária (Ptax) calculada pelo Banco Central. O Ibovespa (termômetro da B3, a bolsa brasileira) subiu 5,62%. E o risco-país, medido pelo CDS de 5 anos, baixou 7,93%.
As maiores oscilações foram registradas na segunda-feira, o dia seguinte à votação: o Ibovespa fechou em alta de 5,54% e a taxa média de câmbio baixou 3,82%.
Uma pesquisa da Warren/Renascença com 103 gestores, estrategistas e economistas de mercado reforça o bom humor. Para 55,3% deles, o resultado eleitoral foi melhor que o esperado.
O estrategista Nenad Dinic, do banco suíço Julius Baer, projeta, em relatório, que os ativos brasileiros reajam muito positivamente no curto prazo, diante das maiores possibilidades de vitória de Jair Bolsonaro (PL) e de uma antecipação do movimento de Lula em direção ao centro.
Ele destaca que as eleições estaduais e para o Senado se mostraram favoráveis ao atual presidente, uma vez que os partidos de direita e de centro foram melhores do que se esperava.
Apesar do otimismo, o banco de investimentos mantém uma visão neutra, até que haja mais sinais de moderação de Lula, antes do segundo turno, em 30 de outubro. “Surgiriam indícios de que ele seria fiscalmente responsável se sinalizasse para um ministro da Fazenda favorável ao mercado em sua equipe econômica”, escreve Dinic.
O diretor para as Américas do Eurasia Group, Christopher Garman, aponta que o cenário eleitoral do último domingo diminuiu um pouco as chances de vitória do candidato petista no segundo turno, caindo de 70% para 65%. “Isto significa que, caso Lula seja eleito, teria mais dificuldades para aprovar medidas que aumentassem os impostos (o que já era difícil), e estabelecerá limites ao quanto poderá aumentar os gastos públicos.”
Economistas avaliam que Lula terá de se aproximar do centro
O CEO da Mauá Capital, Luiz Fernando Figueiredo avalia que tanto Lula quanto Bolsonaro devem adotar, durante a campanha, um tom mais moderado, com um discurso mais voltado ao centro. “Essa perspectiva reduz muito a chance de radicalismo de lado a lado, o que é uma coisa muito boa para o país”, disse ele em entrevista à "Folha de S.Paulo".
Em meio ao que foi lido como uma vitória conservadora no primeiro turno, Lula precisará se aproximar do centro do espectro político e ampliar alianças se quiser vencer e governar, conforme declararam à imprensa tanto economistas que atuam no mercado financeiro quanto integrantes das campanhas de Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT), além de ao menos um ex-ministro dos governos petistas – Nelson Barbosa, que chefiou as pastas do Planejamento e da Fazenda no governo de Dilma Rousseff.
A coordenadora econômica do programa de Tebet, Elena Landau, afirmou ao jornal "O Estado de S. Paulo" que o PT não pode mais discursar para si próprio e sugeriu que no segundo turno a campanha investa mais na imagem do vice de Lula, o ex-governador paulista Geraldo Alckmin (PSB), reduzindo a exposição da presidente da sigla, a deputada Gleisi Hoffmann.
A XP Investimentos considera que o resultado das eleições mostra um cenário mais apertado do que era esperado inicialmente. “Isso trará possivelmente acenos mais ao centro por parte dos dois candidatos. Para os preços de ativos brasileiros, vemos que esse cenário de uma eleição mais próxima possa ser recebido mais positivamente pelos investidores”, apontam os estrategistas Fernando Ferreira e Jennie Li.
Ao mesmo tempo, o cenário econômico mundial segue desafiador. Algumas das principais economias mundiais, como os Estados Unidos, a União Europeia e o Reino Unido enfrentam problemas de inflação elevada e estão aumentando os juros para combatê-la, o que afeta negativamente a atividade econômica. Isto, na avaliação da corretora, pode influenciar nos preços dos ativos brasileiros.
Segundo Ferreira e Li, as eleições seguem em aberto para o segundo turno e o mercado deve acompanhar de perto as próximas evoluções dos candidatos e suas propostas. Não é descartado um ligeiro aumento na volatilidade, que no primeiro turno foi mais baixa que em outros períodos eleitorais.
Mercado acredita que eleição criou barreira contra pautas de esquerda no Congresso
Uma das leituras do mercado financeiro é que o resultado das urnas formou uma espécie de barreira no Congresso, que impediria o avanço de pautas econômicas mais à esquerda em caso de vitória de Lula.
O chefe de pesquisa da Guide Investimentos, Fernando Siqueira, disse ao “Valor” que, mesmo que Lula vença as eleições, o Congresso é mais de centro e direita. Para Siqueira, nessa hipótese o petista pode até aprovar aumento de salário mínimo e de auxílio social, mas teria dificuldade em fazer mudanças no BNDES ou implantar programas como Fies e Prouni.
É uma opinião compartilhada por Luciano Rostagno, estrategista-chefe do banco japonês Mizuho no Brasil, ao jornal “O Globo”. Segundo ele, o atual cenário reduz o risco de desarranjo maior das contas públicas: “Com um Congresso mais ao centro e à direita, com um perfil mais liberal e reformista, torna-se uma força moderadora de um eventual governo Lula”.
Dúvidas no campo econômico ainda persistem
As dúvidas na área econômica ainda persistem. Analistas destacam que o primeiro turno das eleições presidenciais trouxe pouca novidade. Tanto Bolsonaro quanto Lula já sinalizaram que pretendem rever o teto de gastos como principal âncora fiscal, mas não apontam caminhos para substituí-la.
“Considerando que o Brasil ainda possui dívida e serviço de dívida elevados, a diretriz da política fiscal, a partir de 2023, é fundamental para que as expectativas de inflação continuem caindo, abrindo espaço para o Banco Central reduzir juros adiante”, diz o economista-chefe da XP Investimentos, Caio Megale.
Ele também lembra que, durante o período eleitoral, muito pouco se falou sobre reformas estruturais, como a tributária e a administrativa. Isto pode mudar um pouco nas próximas semanas, mas não muito, diz ele.
“O resultado relativamente apertado no primeiro turno pode pressionar Lula a dar mais detalhes sobre seu plano econômico e equipe, para atrair os eleitores mais moderados. O presidente Bolsonaro, por sua vez, tende a reforçar a importância de seu programa de transferência de renda Auxílio Brasil, para reverter parte da vantagem expressiva de Lula na região Nordeste”, avalia.
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