As eleições municipais abrem as portas da carreira política e representam o primeiro passo na vida pública da maioria dos candidatos que estreiam nas urnas, em busca de uma cadeira de vereador. Para quem nasceu no berço político e carrega um sobrenome poderoso, o pleito também é um rito de passagem, em que o novato deixa a sombra do padrinho para concorrer pela primeira vez a um cargo público e, ao mesmo tempo, colocar à prova o capital político da família.
Nas eleições de 2024, os herdeiros políticos de três ex-presidentes da República disputam cadeiras nas câmaras legislativas de diferentes regiões do país. Com nome e sobrenome nas urnas, Jair Bolsonaro (PL-SC) e Fernando Collor (PSB-AL) apostam no pai e no tio, respectivamente, como cabos eleitorais de peso para garantir a primeira vitória em uma eleição. Além dos homônimos, Pedro Rousseff (PT-MG), sobrinho da ex-presidente Dilma, estreia como candidato a vereador em Belo Horizonte.
Nas redes sociais, os candidatos procuram associar a própria imagem com as trajetórias políticas dos ex-presidentes com fotos e vídeos de campanha. Candidato a vereador em Maceió (AL), Fernando Affonso Lyra Collor de Mello, 40 anos, é filho de Pedro Collor de Mello, irmão do ex-presidente que balançou o país no início dos anos 1990, após a primeira eleição direta à Presidência da República depois do processo de redemocratização do Brasil.
Em uma reportagem à revista Veja, o empresário do setor de comunicação denunciou o esquema PC Farias, tesoureiro do irmão e responsável pelos recursos que sobraram da arrecadação da campanha presidencial. Paulo César Farias seguiu como nome influente no governo, principalmente entre os empresários, foi acusado de lavagem de dinheiro, recebimento de propina e o escândalo de corrupção afundou à presidência de Collor, que renunciou ao cargo em 29 de dezembro de 1992, após a aprovação do impeachment no Senado.
A briga de irmãos que derrubou o governo teve impacto na família Collor com o rompimento das relações fraternais. Dois anos depois, Pedro morreu aos 42 anos em decorrência de um tumor no cérebro. Após 30 anos, o filho do empresário conta com o apoio do tio na tentativa de manter o legado político da família, que não emplacou mais nenhum nome no cenário nacional como sucessor do ex-presidente e ex-senador. Antes de Collor, o patriarca da família, Arnon de Mello, foi eleito senador e se tornou conhecido por matar um parlamentar com um tiro dentro do Congresso Nacional em 1963.
Em um vídeo nas redes sociais da campanha, o candidato a vereador afirma que Collor “é um ícone da história” do país. “Eu também me chamo Fernando Collor em homenagem a ele. Seu amor e compromisso com a nossa cidade me inspiram todos os dias e me motivam a lutar por um futuro melhor”, afirma o candidato que disputa a eleição a vereador pela primeira vez. Em 2012, ele foi candidato a vice-prefeito em Atalaia (AL) pelo PSD e usou o nome Fernando Lyra nas urnas. A chapa perdeu o pleito municipal.
Com mais 100 mil eleitores, Balneário Camboriú (SC) entrou no mapa político do país com a candidatura do filho 04 do ex-presidente Bolsonaro. Jair Renan faz campanha a vereador na cidade litorânea, um dos principais pontos turísticos do verão no Sul do Brasil, também conhecido pelos luxuosos arranhas-céus. O município se tornou um reduto da direita e sediou o congresso conservador de política Cpac Brasil, neste ano, com a presença de Bolsonaro e do presidente argentino, Javier Milei.
Jair Renan também participou do evento ao lado do governador catarinense Jorginho Mello (PL-SC), que reforça o time de aliados na campanha do filho do ex-presidente. Entre os irmãos, o candidato tem o apoio do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que esteve no lançamento da candidatura em Balneário Camboriú, em evento realizado no final de agosto.
“Aproveite as palmas que depois vêm as pancadas, mas é natural da política. Quem trabalha, vai errar. Para não errar, só quem não trabalha”, disse Eduardo ao pedir voto para o irmão e destacar o nome de urna “Jair Bolsonaro”. O caçula é o único que não ocupa um cargo público na família. Além do senador Flávio, o irmão Carlos é candidato à reeleição a vereador no Rio de Janeiro.
Puxadores de votos, vereadores podem atuar como cabos eleitorais em 2026
Na avaliação do cientista político Juan Carlos Arruda, diretor-geral do site Ranking dos Políticos, o pleito para vereador também pode ser considerado estratégico para a definição de “cabos eleitorais” que podem trabalhar em prol dos candidatos do grupo político nas eleições de 2026.
“O que importa mesmo para os clãs políticos é que ao lançar os candidatos, se eleitos, eles terão mandatos na próxima eleição, seja como vereador ou prefeito. Assim, eles podem fazer campanha para os seus familiares daqui a dois anos”, analisa.
Além disso, Arruda comenta que se a transferência de votos for bem sucedida pelo sobrenome, os candidatos apadrinhados podem “puxar votos” no sistema de eleição proporcional para definição dos vereadores eleitos. Ou seja, o candidato pode ter uma votação tão expressiva que beneficia o partido com mais cadeiras na Câmara Municipal, ampliando a representatividade partidária no município.
Sobrinho de Dilma diz que entrou na política para derrotar bolsonarismo
O petista Pedro Rousseff, 24 anos, é candidato pela primeira vez em uma eleição na disputa pela cadeira de vereador na cidade de Belo Horizonte. Sobrinho da ex-presidente, ele afirma que entrou na política para “derrotar o bolsonarismo e defender o legado de Lula e Dilma”.
Em vídeos da campanha na capital mineira, o candidato também defende que o impeachment da petista foi um “golpe” com a cassação do mandato autorizada pelo Congresso Nacional sem nenhum crime cometido pela ex-presidente. “Ao votar pelo golpe, Jair Bolsonaro exaltou Carlos Alberto Brilhante Ustra, o torturador da minha tia. Aquele foi o dia que eu decidi que a gente precisava derrotar esses caras. O golpe na minha tia foi o início do fascismo na história recente da política brasileira”, afirma o sobrinho de Dilma Rousseff.
Ainda de acordo com o candidato, o bolsonarismo lançou “candidatos marionetes da extrema direita” em Belo Horizonte para votar conforme os interesses do grupo político mineiro, formado pelo senador Cleitinho (Republicanos-MG), pelo deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) e pelo candidato a prefeito da capital Bruno Engler (PL-MG).
Sobrenome também pode carregar rejeição por escândalos políticos
Filho de Domingos Brazão e sobrinho do deputado federal Chiquinho (sem partido-RJ), a candidatura a vereador de Kaio Brazão Filho (Republicanos-RJ) na cidade do Rio de Janeiro vai testar o capital político dos irmãos, presos pela suspeita de serem os mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco, do Psol, em 2018.
“Estou triste e feliz ao mesmo tempo. Triste, pois não vou ter duas pessoas que são muito importantes para mim, mas estou feliz por realizar um sonho. Desde o dia que meu pai falou que eu seria vereador, eu dormi pensando o que iria falar e hoje vou fazer o melhor”, disse o jovem de 23 anos em um dos vídeos do evento de lançamento da campanha, que contou com a presença do aliado Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados.
Durante o evento realizado no final de agosto, o candidato do Republicanos usou uma camisa em que pedia a libertação dos irmãos Brazão. O deputado federal Chiquinho Brazão foi expulso do União Brasil e teve parecer pela cassação do mandato no Conselho de Ética da Câmara. Com a prisão de Chiquinho e do pai, Kaio passou a contar com suporte do outro tio na campanha eleitoral, o deputado estadual Pedro Brazão (União Brasil-RJ).
Para o cientista político Juan Carlos Arruda, assim como o sobrenome pode alavancar uma candidatura, a rejeição do eleitorado também pode migrar nas urnas para os descendentes de políticos envolvidos em escândalos de corrupção ou suspeitas de crimes. “São clãs que tiveram a imagem manchada em função dos seus progenitores, dos detentores do sobrenome.”
De acordo com ele, a estratégia é se descolar da imagem do líder ao ponto de esconder o sobrenome. Arruda cita o exemplo de Clarissa Garotinho, filha dos ex-governadores do Rio Anthony e Rosinha Garotinho, que concorreu ao Senado em 2022, apenas com o primeiro nome após evidenciar a origem familiar nas urnas nas eleições que concorreu desde 2008. “A imagem do ex-governador estava tão arranhada no estado do Rio de Janeiro que ela passa a usar apenas Clarissa e apaga o Garotinho, justamente para não se vincular ao pai”, lembra.
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