O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes indicou que Pablo Marçal (PRTB) pode ser alvo de um processo de inelegibilidade por condutas durante a campanha eleitoral para a prefeitura de São Paulo, incluindo a divulgação do laudo médico falso contra o adversário Guilherme Boulos (Psol). A defesa do ex-candidato do PRTB afirmou à Justiça Eleitoral que a divulgação do laudo foi "livre manifestação do pensamento".
Os advogados do empresário estão baseando a defesa na ideia de que Marçal não fabricou o laudo, apenas divulgou. Em um trecho do processo a defesa diz: “não fabricou nem manipulou o conteúdo veiculado, limitando-se a divulgá-lo da forma como foi expedido, exercendo o direito à livre manifestação do pensamento”.
A defesa de Marçal foi protocolada no processo nesta segunda-feira (7) no Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP). Outro ponto reforçado pela defesa é que o laudo não prejudicou Boulos, já que ele conseguiu avançar para o segundo turno na capital paulista. “Se a propaganda veiculada tivesse causado danos ao equilíbrio do pleito, fatalmente o representante [Boulos] não teria avançado para o segundo turno”.
A brecha para que a inelegibilidade de Marçal foi mencionada pelo ministro na véspera do primeiro turno. Ao intimar Marçal a prestar esclarecimentos sobre publicações na rede social X, durante a proibição de uso da plataforma no Brasil, Moraes mencionou a hipótese de tornar o então candidato inelegível.
“A conduta de Pablo Henrique Costa Marçal, em tese, caracteriza abuso do poder econômico e no uso indevido dos meios de comunicação, sendo grave a afronta à legitimidade e normalidade do pleito eleitoral, podendo acarretar a cassação do registro ou do diploma e inelegibilidade", aponta Moraes na decisão. O ministro do STF fez menção ainda ao caso que envolve o ex-deputado Fernando Francischini (União Brasil-PR), que foi cassado por propagar desinformação contra a urna eletrônica.
Essa decisão do TSE, de outubro de 2021, foi a primeira a cassar um deputado por divulgação de fake news contra urnas no país. A utilização do caso como jurisprudência, no entanto, pode gerar controvérsias.
Advogados especialistas em direito eleitoral ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que há pelo menos duas possibilidades jurídicas para tornar Marçal inelegível. Uma delas envolve o caso dos cortes, no qual pessoas eram contratadas para editar vídeos e fazer publicações nas redes sociais. A outra possibilidade diz respeito ao caso da publicação de um laudo médico falso que atribuiu a Boulos uso de drogas.
As diferenças do caso Francischini e de Marçal
O uso do caso do ex-deputado Francischini como jurisprudência, como sugerido por Moraes, no entanto, pode gerar controvérsias. O ex-procurador e ex-deputado Deltan Dallagnol (Novo-PR) comentou a possível inelegibilidade de Marçal durante o programa Fora dos Autos, da Gazeta do Povo.
Para ele, ao sugerir a possibilidade de tornar o então candidato inelegível, Moraes fez juízo de valor de uma questão eleitoral, que está fora da sua alçada enquanto ministro do STF. “Ele [Moraes] não atua mais na Justiça Eleitoral. Além do que, não faz nenhum sentido técnico-jurídico. A única coisa que explica isso é o ministro estar cavando uma futura inelegibilidade do Pablo Marçal”, disse Dallagnol.
Para a advogada especialista em direito eleitoral Izabelle Paes Omena de Oliveira Lima, a decisão no caso do ex-deputado Francischini tinha como fundo a disseminação de notícias falsas, mas voltadas à descredibilizar o processo eleitoral, não sendo um ataque direito a um opositor. “De todo modo, há um ponto em comum: o debate envolve o fenômeno das fake news”, ponderou Izabelle.
Na opinião do advogado Marcos Jorge, também especialista em direito eleitoral, o caso Francischini pode ser comparado ao caso do Pablo Marçal no laudo falso sobre Boulos. O advogado, no entanto, diz que devem ser guardadas as devidas proporções. "A conduta foi a mesma, utilizar indevidamente os meios de comunicação social e abusar do poder econômico. Contudo, no caso Francischini ocorreu um ataque ao processo eleitoral, enquanto no caso de Pablo Marçal o ataque foi direcionado a um adversário”, pontuou. Ainda de acordo com Dallagnol, não há como alegar abuso de poder econômico nem uso indevido dos meios de comunicação ao mencionar o uso do X por Marçal.
Brecha apontada por Moraes para tornar Marçal inelegível não virou ação
Apesar de Moraes ter mencionado a possibilidade de "inelegibilidade" de Marçal, usando o caso do ex-deputado Francischini, uma ação referente a este caso e que poderia levar a este desfecho ainda não foi apresentada à junto Justiça Eleitoral.
Para que o processo seja iniciado, é necessário que uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) seja apresentada contra Marçal. Esse tipo de ação só pode ser proposta pelo Ministério Público Eleitoral ou por candidatos, partidos/federações partidárias e coligações.
A reportagem da Gazeta do Povo tentou contato com a campanha de Boulos para saber se o candidato deve apresentar a referida ação, mas não recebeu retorno até a publicação desta reportagem. A defesa de Pablo Marçal também não se posicionou.
A finalidade de uma Aije é apurar a prática de atos que possam afetar a igualdade de candidaturas em uma eleição nos casos de abuso de poder econômico, de poder político ou de autoridade e a utilização indevida dos meios de comunicação social. Se admitida, a ação pode punir com a declaração de inelegibilidade as pessoas que tenham contribuído para a prática da conduta.
Apesar de Marçal não continuar na disputa pela prefeitura de São Paulo no segundo turno, a ação ainda pode ser apresentada. “O fato de o candidato Pablo Marçal ter sido ou não eleito não interfere ou altera eventual processo judicial de responsabilização criminal e eleitoral pela sua conduta, uma vez que o ilícito está configurado, e por isso, deve ser punido nos termos da lei eleitoral”, disse Marcos Jorge, advogado especialista em direito eleitoral.
A especialista em direito eleitoral Luiza Veiga lembra que a campanha de Guilherme Boulos pediu a prisão de Marçal por falsificação de atestado médico, uso de documento falso, disseminação de informação falsa em período eleitoral, calúnia, difamação e injúria eleitoral e associação criminosa. O pedido de prisão, no entanto, não foi acatado pela Justiça. A determinação, até o momento, gerou a suspensão temporária da conta do Instagram de Marçal.
A falsidade da assinatura do laudo médico publicado por Marçal foi atestada pela Polícia Civil de São Paulo e pela Polícia Federal (PF), de acordo com apuração do jornal O Estado de São Paulo. Os peritos da PF identificaram divergências na assinatura do médico José Roberto de Souza, já falecido. Foi feito um exame grafoscópico, que atesta a autenticidade de assinaturas, no documento. “As evidências suportam fortemente a hipótese de que os manuscritos questionados não foram produzidos pela mesma pessoa que forneceu os padrões”, diz o trecho do relatório da perícia publicado pelo jornal O Estado de São Paulo.
Ao ser questionado sobre a publicação do laudo, Pablo Marçal atribuiu o ato ao advogado dele, Tássio Renam. “Vocês podem falar com o Tássio Renam. Ele que postou, na hora da postagem eu estava no (podcast) Inteligência Limitada. Ele mesmo postou. E a gente tá 100% em paz”, afirmou a jornalistas após votar no domingo.
Ação de inelegibilidade pode demorar para ser concluída
O processo de inelegibilidade possui uma série de etapas a serem cumpridas, cabendo recursos até ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A advogada Izabelle Paes Omena de Oliveira Lima, especialista em direito eleitoral, afirma que uma ação como essa terá que ser iniciada na 1ª Zona Eleitoral de São Paulo, competente para esse tipo de demanda.
O advogado especialista em direito eleitoral Ricardo Vita Porto, por sua vez, explica que se trata de um processo longo em que deve ser dado direito à defesa, à produção de provas. “A inelegibilidade só começa a contar se uma sentença nesse sentido foi confirmada pelo órgão colegiado”, diz.
Processo de Tabata contra Marçal pode torná-lo inelegível
Há, ainda, um outro caso contra Marçal na justiça eleitoral de São Paulo, envolvendo os chamados "cortes", em um processo movido pela campanha da candidata Tabata Amaral (PSB). Neste processo, Marçal é acusado de contratar pessoas para editar vídeos e fazer publicações nas redes sociais.
“Pode aparecer a questão da inelegibilidade, no sentido do abuso de poder econômico. Assim percebo que fica mais claro reconhecer a tipificação. Isso tem que ser apurado, obviamente, mas se ficar comprovado que houve realmente essa orquestração de pessoas trabalhando para fazer os cortes, e as pessoas sendo remuneradas, isso configura o abuso de poder econômico e a inelegibilidade fica muito mais facilmente desenhada”, apontou Beçak.
Em uma petição apresentada à Justiça para se defender do processo movido por Tabata, Marçal disse que não tem qualquer relação com cortes. A defesa de Marçal afirma que um funcionário promoveu um campeonato de cortes “sem qualquer participação ou pagamento do prêmio” por Marçal. “Percebe-se, assim, que não existem ínfimos indícios nos autos de que o requerido tenha realizado qualquer ação ou omissão que o enquadre em qualquer irregularidade, tampouco abuso do poder econômico”, dizem os advogados.
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