O contrabando é uma atividade que não apenas envolve um esforço de logística substancial, como também está intrinsecamente relacionado a grandes organizações criminosas. Assim, o seu enfrentamento efetivo depende da desestruturação de toda essa cadeia – e é neste sentido que o Estado precisa atuar.
Estas recomendações estão entre as 10 Medidas de Combate ao Mercado Ilegal propostas pelos integrantes do Centro de Estudos de Direito Econômico Social (Cedes). Com apoio do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO), o grupo, que inclui pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), analisou o quadro atual do mercado ilegal no Brasil. Os resultados deste diagnóstico podem embasar propostas de alterações legislativas e administrativas na área.
Confira a seguir as sugestões de números 6, 7 e 8:
MEDIDA 6: Fortalecer as medidas punitivas acessórias ao combate ao contrabando
Como boa parte do volume de contrabando circula no país via transporte terrestre, no início do ano foi aprovada a lei nº 13.804, que endurece a punição para quem for flagrado transportando ou recepcionando produtos contrabandeados ou desencaminhados. Agora, há a possibilidade de cassação imediata da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) para motoristas presos em flagrante.
A intenção desse dispositivo, assim como da apreensão dos veículos associados ao crime, é impor empecilhos à capacidade logística das organizações criminosas de contrabandistas.
"Muitos veículos usados são frutos de furto e roubo. Eles são roubados em Curitiba, Porto Alegre e vão parar em Foz do Iguaçu, onde são alterados para transportar o contrabando", explica o procurador da República na unidade do Ministério Público Federal em Foz do Iguaçu, Juliano Baggio Gasperin.
Ele acrescenta que as ferramentas jurídicas que existem hoje são boas para o combate das ações acessórias ao contrabando, porém pode haver mais fiscalização para que elas sejam colocadas em prática com mais eficiência.
"A presença da fiscalização é sempre o que vai melhorar [o quadro], atacar mais a ilicitude e a criminalidade. Não adianta ter todo o aparato jurídico e não ter ninguém para fazer as apreensões", avalia.
MEDIDA 7: Incluir os crimes de contrabando e descaminho nas metas prioritárias dos Poderes Executivo e Judiciário
Todos os anos, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) define metas prioritárias a serem seguidas por todos os braços da Justiça – Eleitoral, Estadual, Federal, do Trabalho, Militar e até pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Em 2019, por exemplo, a meta número um é "julgar mais processos que os distribuídos", enquanto a número oito é "priorizar o julgamento dos processos relacionados ao feminicídio e à violência doméstica e familiar contra as mulheres".
Como estas metas trazem resultados efetivos, a sugestão é de que ações de combate ao contrabando e descaminho passem a fazer parte delas. Seria possível, segundo o Cedes, criar ou especializar varas judiciais dedicadas à análise destes casos.
Para Gasperin, a inclusão de medidas relacionadas ao mercado ilegal entre as prioridades do CNJ também traria mais atenção para este tema, fazendo com que seja mais discutido e a população fique melhor informada.
MEDIDA 8: Tornar mais severo o tratamento criminal para os atos praticados por organizações criminosas
"É importante combater toda e qualquer ilegalidade, mas especialmente o contrabando e a falsificação, que estão no cerne de verdadeiras organizações criminosas", aponta o presidente-executivo da Etco, Edson Vismona.
Por isso, uma das recomendações do Cedes é que haja endurecimento no tratamento dado a quem praticar contrabando caso seja constatado que há envolvimento com organizações criminosas.
Gasperin explica que a base legislativa, ainda que sempre possa ser aprimorada, já é suficiente para que a associação a organizações criminosas seja um agravante penal. Para ele, o que faltam são pessoal e investimentos em inteligência para garantir mais provas, aumentando a eficiência do processo legal nestes casos.
"É necessário que haja melhores condições para a investigação, não só a fiscalização, com técnicas mais refinadas", diz.
Além do aprimoramento técnico, o promotor acredita que também há espaço para melhoras na gestão das equipes investigativas. "A gente sabe que não vai ter recurso 'a rodo', mas tem que otimizar [o que já existe]", opina.
O grupo de estudos destaca que diferenciar o tratamento conferido ao pequeno contrabandista permite focar e criar instrumentos mais objetivos para combater a macrocriminalidade por trás do mercado ilegal.