Ainda que movimentem uma parcela enorme do mercado, produtos contrabandeados podem se tornar a definição do "barato que sai caro". Isso porque produtos vendidos regularmente no Brasil têm que obedecer a rigorosos padrões de qualidade - o que, obviamente, não é exigido no mercado paralelo.
Cigarros, brinquedos, medicamentos, baterias e carregadores de celulares, estão entre os produtos irregulares mais apreendidos pela Receita Federal em 2018. Juntas, as apreensões desses produtos somam R$ 1,9 bilhão – sendo R$ 1,4 bilhão apenas de cigarros.
Mas a que estão expostos os consumidores quando optam por comprar algum destes itens no mercado ilegal?
Saúde das crianças
Totalizando R$ 270 milhões em apreensões pela Receita Federal em 2018, brinquedos são o segundo tipo de mercadoria mais contrabandeado no país. Como o público-alvo são as crianças, brinquedos "piratas" podem oferecer riscos sérios à saúde e até mesmo prejudicar o desenvolvimento dos pequenos.
"É muito importante que brinquedos, principalmente para as crianças de mais baixa idade, tenham o selo do Inmetro", destaca o médico Marco Antônio Gama, do Departamento Científico de Segurança da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). "Inibir esse tipo de produto [sem o selo do Inmetro] é essencial para a saúde das nossas crianças".
O selo do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) é a garantia de que houve testes rigorosos, que asseguram que não há materiais tóxicos ou partes cortantes nos componentes dos brinquedos. É o Inmetro que define padrões que as tintas que colorem os brinquedos devem seguir, garantindo que elas não sejam contaminadas por metais pesados, como chumbo, cádmio e mercúrio.
Em contato com o organismo, esses metais se ligam a proteínas, enzimas e paredes celulares e podem causar diversos danos, dependendo da dosagem. A contaminação por cádmio pode afetar pulmões, fígado e rins. Já o chumbo prejudica as articulações, enquanto o mercúrio pode causar danos cerebrais.
"Outra coisa importante é a resistência do material. Aquele que quebra fácil pode gerar peças muito pequenas, que são responsáveis por sufocamentos", aponta Gama. "E essas partes, quando quebram ou têm um acabamento mal feito, podem ter superfícies cortantes e, em alguns casos, até perfurantes. Isso pode causar um traumatismo não só na pele, mas também em áreas sensíveis, como o olho".
Como as crianças brincam de maneira muito intuitiva, especialmente bebês, as chances de elas colocarem os brinquedos na boca são muito grandes. Basta um momento de descuido para que os pais acabem precisando correr para o pronto-socorro mais próximo. "A grande maioria [das pequenas partes de brinquedos] acaba caindo no estômago. Então, dependendo do tamanho e se não tiver superfície cortante, é eliminada com menos problemas. Mas se ela entra no brônquio, o sufocamento é de gravidade imediata e representa um risco importante de morte", ressalta o especialista.
Saúde dos adultos
Do outro lado, o descumprimento das exigências da regulamentação nas mercadorias ilegais impede a mensuração de riscos nos produtos consumidos por adultos. Baseados em muita pesquisa científica, cigarros e medicamentos vendidos no Brasil devem obedecer a critérios determinados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para que possam ser comercializados.
No caso do tabaco, depois de anos de campanhas promovidas por órgãos como o Ministério da Saúde, não é novidade para nenhum fumante que o tabagismo traz consequências para a organismo. No entanto, como não são fiscalizados pela Anvisa, não há como mensurar como os cigarros contrabandeados vão impactar o organismo do indivíduo. "Você não sabe o que está ali dentro, não tem nenhum padrão", diz o coordenador da Comissão Científica de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), Luiz Fernando Pereira.
No país, hoje, há mais fumantes de cigarros irregulares (54%) do que os vendidos legalmente. Ou seja, mais da metade dos produtos comercializados no Brasil não segue as rígidas normas do órgão regulamentador dos cigarros. E a motivação desse consumo de cigarros ilegais é o preço: como não têm padronização e não sofrem a mesma taxação, os irregulares são mais baratos. Além dos contrabandeados que são trazidos de fora do Brasil, especialmente vindos do Paraguai, também há fábricas de cigarros de fundo de quintal. Em ambas as situações, não há como saber que tipo de substância pode estar misturada ao tabaco: ou seja, é um tiro no escuro.
Pereira explica que a Anvisa tem padrões rígidos para, por exemplo, reduzir a nicotina nos cigarros. "O governo não deixa vender cigarros com mais de um miligrama de nicotina - que é a substância que causa dependência química. A taxa de alcatrão também é determinada [pela agência]", aponta o pneumologista, acrescentando que os parâmetros dessa regulação já existem há vários anos. "Nós demoramos muitas décadas para provar os malefícios do tabaco. Assim, [no caso dos cigarros contrabandeados] podemos ter outros reflexos no futuro que ainda têm que ser estudados".
Remédios perigosos
Já no caso dos medicamentos irregulares, produtos extremamente sensíveis, entram na conta fatores como as condições de transporte e armazenamento dos produtos. Variações de temperatura e umidade podem comprometer a eficácia e segurança dos remédios, oferecendo risco à vida do paciente. "Doenças como diabetes e hipertensão arterial, por exemplo, precisam de controle medicamentoso constante e, sem isso, o paciente se torna vulnerável a crises potencialmente fatais das doenças", informa a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma).
Na prática, como nos casos anteriores, não existe qualquer tipo de garantia de que medicamentos vendidos ilegalmente - pela internet ou em pontos de venda irregulares, como feiras de rua - passem por algum tipo de controle de qualidade. O consumidor também não consegue se certificar de que a substância que está dentro da embalagem é realmente o remédio prometido.
"O fabricante [irregular] produz com o critério do melhor custo para ele, sem responsabilidade nenhuma", resume o médico Marco Antônio Gama. "É uma economia aparente que vai acabar tendo um custo muito grande no futuro".
Baterias e carregadores de celulares
Esses equipamentos eletrônicos devem ser obrigatoriamente certificados pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Caso não atendam aos requisitos de segurança, correm o risco de superaquecimento e até explosão. São comuns relatos de consumidores queimados por produtos falsos que explodiram ou se incendiaram. Os falsos são vendidos nos sinais de trânsito, lojas e nos marketplaces, e são uma ameaça aos consumidores.