Capitalismo consciente: o termo ainda é novo e desconhecido da maioria das pessoas. Porém, seus efeitos práticos já são percebidos em muitas iniciativas do mercado, nas organizações que entendem que o objetivo de qualquer negócio não se limita à geração de lucro, mas está relacionado à promoção de melhorias para a sociedade, para o meio ambiente ou para o seu entorno. No Brasil, estão nessa lista O Boticário, Unipar, Cacau Show, Klabin, Natura, além de diversas empresas inovadoras ou que já nascem baseadas nessa filosofia.
Também conhecido como capitalismo de stakeholder, capitalismo sustentável, capitalismo inclusivo, entre outras terminologias, trata-se de um movimento que surgiu há pouco mais de uma década e que entende que o objetivo de qualquer negócio é muito maior do que apenas o retorno financeiro. Sua existência precisa fazer sentido e promover melhorias sociais, ambientais e econômicas.
Para Thomas Eckschmidt, fundador do movimento capitalismo consciente no Brasil e no Peru e coautor de Conscious Capitalism Field Guide (Harvard Business Press 2018), trata-se de uma filosofia de negócio baseada na expressão instintiva do empreendedorismo. “Todo empreendedor, quando começa seu negócio, tem a intenção de fazer algo melhor, que resolva um problema, melhore a sua vida ou da sua família. Os mais altruístas querem melhorar o mundo”, afirma. Segundo ele, esse é o primeiro dos quatro fundamentos do capitalismo consciente, o “propósito evolutivo”.
Outro ponto essencial, destaca Eckschmidt, diz respeito ao ecossistema do negócio, o contexto em que ele está inserido: clientes, fornecedores, funcionários, comunidades, meio ambiente, investidores e outros. “Qualquer negócio depende de outros”, pontua.
Ana Luisa Almeida, presidente da consultoria ALL+ e professora da Fundação Dom Cabral (FDC) e da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUCMinas), ressalta que nessa vertente do capitalismo não existe o dilema entre o lucro e a sustentabilidade, uma vez que a sustentabilidade é o caminho para a competitividade e a longevidade dos negócios. “As empresas existem para criar valor para a sociedade. O lucro deve ser consequência desse processo”, salienta a professora.
CARACTERÍSTICAS
Entre as características de um negócio consciente, Ana Luisa destaca que ele deve ter estratégias competitivas, gestão participativa e ser direcionado por um propósito. “As empresas do capitalismo consciente buscam alinhar e integrar os interesses dos diversos stakeholders, buscar sinergias e avaliar os impactos de suas ações. Elas atuam de forma responsável nas dimensões sociais, econômicas e ambientais”, explica.
Além das startups e de importantes nomes do varejo, grandes indústrias já perceberam a importância desse movimento. A Unipar, uma das maiores empresas do setor químico brasileiro, líder na produção de cloro e soda e a segunda maior produtora de PVC no Brasil, desenvolve há vários anos uma série de ações com foco na promoção de saúde dos colaboradores, além de programas focados em melhorias em áreas como segurança e meio ambiente.
O CEO da Unipar, Mauricio Russomano, conta que uma dessas iniciativas é o Conselho Comunitário Consultivo (CCC), um canal de interação entre a Unipar e as comunidades localizadas no entorno das fábricas. Composto por moradores ou por pessoas que atuam em diferentes áreas nas cidades onde a empresa está presente, eles atuam de forma voluntária e se reúnem periodicamente para discutir e desenvolver projetos de interesse comum. “Durante as reuniões do CCC conseguimos entender as necessidades, desafios e anseios das comunidades. Isso nos permite desenvolver alternativas e projetos em conjunto, que tenham um impacto real. Por outro lado, o CCC nos ajuda com a conscientização, treinamentos e comunicação com a comunidade. Essa relação de transparência e parceria é muito importante para o convívio harmonioso, suporte mútuo e desenvolvimento local.”
Russomanno conta que outra linha de ação da empresa é o setor de projetos patrocinados, que buscam soluções para melhorar a qualidade de vida das pessoas. Todos os projetos têm como foco o desenvolvimento das comunidades em que a Unipar está presente. “Na prática, isso se dá com o apoio e o incentivo financeiro às entidades de diversas áreas que já atuam nesses locais e também com oportunidades de emprego para os moradores da região”, explica.
CAMINHO SEM VOLTA
Para Ana Luisa Almeida, o capitalismo consciente é uma questão de sobrevivência. Segundo ela, as empresas precisam entender que é esse novo modelo que atende às expectativas da sociedade hoje. “As empresas que não se adequarem correm sérios riscos de perder competitividade no futuro, dar espaço a outros players assumir o mercado e até mesmo desaparecer”, enfatiza.
A opinião é compartilhada por Lourenço Bustani, sócio-fundador da Consultoria Global Mandalah. De acordo com ele, o capitalismo consciente vem ganhando força por representar uma alternativa para o planeta e para a humanidade. “A emergência sanitária que está sendo a pandemia de Covid-19 evidenciou, em cores vivas, a necessidade de repensarmos a forma como vivemos em sociedade.
Além de uma forte tendência, Bustani afirma que esse movimento tende a qualificar melhor o modelo econômico existente atualmente, a partir de um capitalismo mais igual, justo e regenerativo. “Quem mais gera impacto negativo, seja ambiental ou social, deveria se atentar mais às questões contidas no movimento, sob o risco de se tornar obsoleto. Mas como tudo no mundo gera algum impacto negativo, é uma pauta para todos os segmentos. Ninguém está isento”, alerta.
DECISÃO CERTA
No segundo trimestre de 2020, a Unipar decidiu por não desligar nenhum colaborador e manter a produção de PVC. O item sofreu uma queda muito acentuada na demanda durante o período e a continuidade da produção levaria à formação de um elevado estoque e a um alto custo para empresa.
Russomanno explica que restringir a produção de PVC implicaria limitar também a oferta de cloro e de soda no mercado, produtos essenciais na produção de água potável para a população, limpeza hospitalar e domiciliar e higiene pessoal e fundamentais também para a vida das pessoas e combate à covid-19.
Poucos meses depois, o produto acabou sendo disputado por compradores internacionais, como Estados Unidos, Europa e Ásia. “Mesmo correndo o risco de prejuízo, estava fora de cogitação deixar o mercado brasileiro desabastecido desses itens essenciais e colaboradores sem emprego, em um dos momentos mais críticos da pandemia”, relata Russomano.
Segundo o CEO, essa é uma das essências desse novo formato de capitalismo. “Pressupõe a geração justa de valor e riqueza com a colaboração de todos, inclusive considerando os riscos, e a partir de processos que sejam sustentáveis em todos os níveis da operação”, conclui.