O Brasil vive uma nova possibilidade de crise energética devido a um período de grande baixa nas chuvas, que influencia diretamente o funcionamento das hidrelétricas, responsáveis por 75% da matriz energética do país atualmente. Nesse cenário, há a necessidade clara de racionalização do consumo e também de uma otimização da geração e transmissão de energia elétrica, com novos investimentos no setor hidrelétrico e, principalmente, em alternativas de produção de energias renováveis que contribuem para a melhor sustentabilidade do meio ambiente brasileiro.
“Essa conjuntura deve impulsionar a discussão sobre a importância de investirmos em nova geração hidrelétrica, inclusive considerando projetos com ampla capacidade de reservatórios. Se o país pretende preservar uma matriz limpa e renovável, é fundamental que se volte a considerar a plurianualidade dos reservatórios como premissa para assegurar tarifas mais acessíveis (modicidade tarifária), segurança e confiabilidade na geração de energia elétrica”, destaca Charles Lenzi, presidente da Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel).
Lenzi revela que apenas um terço do potencial hidráulico do Brasil está sendo explorado, o que abre a possibilidade de um significativo crescimento na área. “No caso das Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), o potencial existente é da ordem de 25 mil megawatts (MW). Atualmente, existem mais de 9 mil MW em projetos já desenvolvidos na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). São aproximadamente 600 empreendimentos que, juntos, possibilitariam um volume de investimentos na área de R$ 75 bilhões”, diz.
Na visão do presidente da Abragel existe um viés equivocado em relação à energia hidráulica e, por isso, a dificuldade para viabilizar esses projetos tem sido muito grande. “É uma fonte que gera energia limpa, renovável, ambientalmente sustentável, que proporciona empregos e paga impostos aqui no país, já que sua cadeia produtiva é 100% nacional, além de competitiva quando se trata de impacto na tarifa paga pelo consumidor”, confirma.
Para Lenzi, é importante apostar e trabalhar na construção de uma política pública mais voltada para o segmento das centrais hidrelétricas até 50 MW e de um processo de licenciamento ambiental mais justo. “O licenciamento ambiental é, ainda, um processo complexo e sem previsibilidade. Obter uma licença ambiental para uma PCH é um grande desafio e um desestímulo ao investimento. É muito importante que uma fonte que explora bens de uso público e que possui significativos atributos para o sistema tenha um programa de contratação específico que assegure perspectiva e perenidade para os empreendedores”, avalia.
Segundo Rui Altieri, presidente do Conselho de Administração da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), nos últimos 20 anos há uma ampla movimentação do setor elétrico com o objetivo de diversificar a matriz energética, o que permite uma maior segurança nos períodos de grande pressão sobre as fontes hídricas. Diversas políticas públicas foram implementadas para possibilitar o aumento da participação de outros tipos de geração, seja ela a gás natural, nuclear, com biomassa, eólica, solar, entre tantas outras disponíveis.
O representante da CCEE diz que é muito importante para o Brasil ter um equilíbrio entre as fontes de energia, que são complementares entre si. “As hidrelétricas garantem uma capacidade de armazenamento sem igual, devido aos reservatórios. Porém, são mais pressionadas em momentos de hidrologia mais desafiadores, como o atual. As eólicas, solares e biomassa são complementares às hidrelétricas, porque as estações de maiores ventos – de safra da cana de açúcar e de melhor insolação – coincidem com o período de menores chuvas no país”, explica.
“É um momento bastante desafiador, mas estamos acompanhando de perto as movimentações do consumo e dos reservatórios das hidrelétricas, como participantes do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) e as melhores previsões apontam que o abastecimento de energia está assegurado até o início do próximo período chuvoso, que começa por volta do mês de novembro”, revela Altieri, que lembra que ainda há espaço para manejar e modificar a matriz elétrica em busca do equilíbrio entre geração renovável, segurança do fornecimento e complementariedade entre as fontes.
Altieri destaca ainda a importância da utilização das termelétricas, que trazem segurança energética, pois podem ser acionadas a qualquer momento, bastando existir combustível disponível. E também há as soluções de Geração Distribuída, que trazem a produção de energia para locais mais próximos do consumo e que podem contribuir para o fornecimento de determinadas regiões sem a necessidade de investimentos expressivos em infraestrutura de transmissão.
Em relação às hidrelétricas, Altieri lembra que o Brasil é privilegiado em recursos naturais, principalmente hídricos, o que torna o país muito favorável para investimentos na área. “Já avançamos bastante nesse sentido, nosso país conta com um volume representativo de empreendimentos hidrelétricos, que são responsáveis por cerca de 60% do volume de energia elétrica gerado”, confirma.
Ele vê, no momento, um grande potencial de desenvolvimento de mercados voltados para geração eólica, solar, além das termelétricas a biomassa e gás natural. Para Altieri, já ocorreram muitos avanços no Brasil, principalmente na área de energia eólica, mas ainda há muito para ser ampliado.
Unipar investe em energias solar e eólica
Dentro do cenário da energia limpa, um dos exemplos de empresa empenhada em investir na área é a petroquímica Unipar, líder na produção de cloro, soda e PVC na América do Sul. A companhia está desenvolvendo, atualmente, seus primeiros investimentos na área, com duas grandes iniciativas de energias renováveis na Bahia e em Minas Gerais.
Foram formadas duas joint ventures, sendo a primeira com a AES Tietê Energia, que prevê a instalação de um parque eólico na Bahia, nos municípios de Tucano, Biritinga e Araci. A estrutura, que teve construção iniciada em janeiro de 2021, terá 155 MW de capacidade elétrica instalada, com um investimento de R$ 620 milhões, dividido entre as duas empresas. O prazo para conclusão das obras e inauguração do parque é de dois anos. No projeto, a Unipar firmou contrato para consumo de 60 MW por um período de 20 anos. A parcela de energia remanescente produzida será comercializada no mercado livre.
A energia elétrica é o insumo de maior relevância no processo produtivo de soda e cloro, produtos utilizados em inúmeros segmentos da atividade econômica no país. “Para a continuidade do nosso negócio de forma sustentável, precisamos garantir o acesso à energia, de forma competitiva e limpa. O projeto na Bahia representou o nosso primeiro de muitos passos para tornar a empresa autossustentável em energia limpa”, destaca Mauricio Russomano, CEO da Unipar.
No dia 16 de julho último, a Unipar e a Atlas Renewable Energy, companhia internacional líder em energia renovável, anunciaram uma parceria para construção e operação de um parque de energia solar no município de Pirapora, em Minas Gerais. O início das obras está previsto para o final deste ano, com a partida das operações aguardada para junho de 2022.
O parque fará a geração de energia a partir de placas fotovoltaicas e contempla a operação de um complexo com capacidade instalada de até 239 MW solares. O acordo prevê um PPA de longo prazo de parte da energia com a própria Unipar.
O projeto, chamado de “Lar do Sol Casablanca II”, fornecerá o equivalente de energia a 261.662 residências, de acordo com o consumo médio das famílias brasileiras. Além disso, o parque vai evitar a emissão de aproximadamente 40,5 mil toneladas métricas de gás carbônico (CO2) por ano. Esse cálculo é baseado no protocolo Green House Gases (GHG), metodologia desenvolvida pelo World Resources Institute que segue índices usados pelo Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC). Esse montante de CO2 que deixará de ser emitido é o equivalente à retirada de 16,2 mil carros das ruas de São Paulo (SP).
Para o CEO da Unipar, Maurício Russomanno, esta segunda parceria para a produção de energia limpa renovável demonstra o comprometimento da empresa com o futuro do país e a sustentabilidade do negócio. “Trata-se de mais um movimento estratégico no processo de diversificação da matriz energética da empresa e, com ele, chegaremos a 70% do consumo da empresa por meio da autoprodução. O total de geração de energia para Unipar nestes dois projetos será suficiente para produzir cloro para tratamento de água para mais de 60 milhões de pessoas”, afirma o executivo.
O acordo para essa operação inclui um contrato de PPA com duração de 19 anos. O parque poderá gerar 1,2 mil oportunidades de trabalho na localidade, o que deve fomentar a inclusão e o desenvolvimento das comunidades locais incluindo, por exemplo, programas de capacitação para mulheres na implantação do parque de geração de energia solar.
“A adoção de energias renováveis está se tornando uma importante frente de responsabilidade corporativa, capaz de oferecer oportunidades únicas a consumidores de grande escala, que podem passar a utilizar matrizes limpas. Ao mesmo tempo, viabiliza o desenvolvimento de programas sociais em ambientes onde operamos”, diz Luis Pita, gerente geral da Atlas Renewable Energy para o Brasil. “É uma honra trabalhar com uma empresa química líder com a dimensão da Unipar e estabelecer uma parceria para avançar em seus objetivos sustentáveis. Na Atlas, nós continuaremos a implementar soluções sob medida com tecnologias de ponta, elevando os padrões da indústria e fornecendo mais competitividade aos nossos clientes”, pontua Pita.
Comercialização de energia no Brasil
A comercialização de energia no Brasil se dá em dois formatos: Ambiente de Comercialização Regulado (ACR) e o Ambiente de Comercialização Livre (ACL). No primeiro e mais conhecido, também chamado de mercado regulado, as distribuidoras são responsáveis pela compra e venda de energia para o consumidor final. Nesse ambiente, as empresas de distribuição firmam contratos com as geradoras através de leilões, com a energia e os serviços de infraestrutura sendo remunerados pelo consumidor por meio de uma tarifa regulada.
Já no mercado livre, o consumidor tem a opção de firmar contratos de energia diretamente com as geradoras ou com a intermediação de uma empresa especializada e comercializadora. Nesse segmento, os acordos de compra e venda são bilaterais, ou seja, comprador e vendedor podem negociar preços e condições contratuais.
Ambos os ambientes são regulamentados em lei e regulados por meio de normativas da Aneel. “A Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) é a responsável pela viabilização da compra e venda de energia no país e tem, entre suas atribuições, a operacionalização do Mercado de Curto Prazo, no qual são liquidadas as diferenças entre os montantes de energia gerados, contratados e consumidos, além do monitoramento e o zelo pelo bom funcionamento desses dois segmentos”, explica Rui Altieri, presidente do Conselho de Administração da CCEE.
Os leilões de energia elétrica realizados pela CCEE, por delegação da Aneel, constituem um dos principais mecanismos de comercialização no mercado regulado, no qual as distribuidoras são responsáveis pela compra e venda de energia para o consumidor final. Já no caso do mercado livre, para negociar e exercer o direito de compra e venda de energia, é preciso que o consumidor esteja adequado a alguns requisitos mínimos, além de seguir os procedimentos para habilitação na Aneel e na CCEE.
Aqueles que serão considerados Consumidores Livres devem apresentar demanda contratada mínima de 1,5 mil kW e podem optar entre Energia Convencional ou Energia Incentivada, que é a gerada pelas PCHs, termelétricas a biomassa ou usinas solares e eólicas. Já os Consumidores Especiais podem ter uma carga maior ou igual a 500 kW, mas precisam necessariamente firmar contratos de Energia Incentivada – como referência, esta demanda mínima representaria uma conta acima de R$ 110 mil.