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No livro 'Os Delírios das Multidões', William J. Bernstein narra algumas das histerias religiosas e financeiras protagonizadas pela humanidade.
No livro ‘Os Delírios das Multidões’, William J. Bernstein narra algumas das histerias religiosas e financeiras protagonizadas pela humanidade, como a bolha da internet| Foto: Pixabay

Por que as pessoas enlouquecem em grupos? Esta é a pergunta que o neurologista e historiador americano William J. Bernstein busca responder no livro ‘Os Delírios das Multidões’, recém-lançado no Brasil pela editora Alta Cult.

Ao longo de mais de 400 páginas, Bernstein narra, no formato de crônica, algumas das histerias religiosas e financeiras protagonizadas pela humanidade – numa espécie de atualização contemporânea do clássico ‘A História das Ilusões e Loucuras das Massas’ (1841), de Charles Mackay.

No trecho a seguir, o autor resgata um episódio ocorrido em uma pequena barbearia para analisar as bolhas de investimento que estouraram a partir da virada do milênio. E vai além, chamando a atenção para nossa incapacidade de resistir aos esquemas de enriquecimento rápido.

A era “pontocom” exibia todos os sinais e sintomas clássicos de uma bolha financeira: o domínio do investimento em ações nas conversas cotidianas, o abandono de empregos seguros para especulação em tempo real, o peso do desprezo e o ridículo amontoados sobre os céticos por verdadeiros crentes e a prevalência de previsões extremas.

Nunca antes a extrema ebulição do mercado e o subsequente desastre foram tão observados e registrados em tempo real nas telas de TV e, cada vez mais, na própria internet.

A exaltação infectou locais nos mimados centros nervosos da indústria da tecnologia no Vale do Silício, em Wall Street e nos estúdios da CNBC [canal de notícias voltado para o mundo dos negócios] em Forte Lee, mas a febre que se apoderou da conversa no dia a dia era mais sentida na Main Street, em reuniões sociais e clubes de investimento.

Uma narrativa pungente dessa obsessão se desenrolou em um bastião da solidariedade masculina da classe trabalhadora, uma barbearia em Cape Cod, Massachussetts.

Em tempos normais, a conversa nesses lugares se volta principalmente para esportes e política, e se o estabelecimento tiver um aparelho de televisão, ele está sintonizado em um jogo de beisebol, futebol americano ou basquete.

Mas a virada do século passado não foi um momento normal, e a barbearia do Bill, de propriedade e administrada por Bill Flynn, não era um estabelecimento comum de corte de cabelo.

Em 2000, Flynn cortava cabelo há mais de 30 anos e conhecia bem o mercado de ações. Seu bisavô, também barbeiro, deu-lhe um conselho excelente: economize 10% de seus ganhos e os aplique em ações.

Em meados da década de 1980, as bonecas Repolhinho estavam na moda e um grande número de crianças e adultos “investiam” nelas, não importando o fato de que podiam ser fabricadas à vontade.

No auge do frenesi, Flynn comprou ações na margem – isto é, com dinheiro empresado – da Coleco, Inc., a empresa que criou as bonecas.

A falência da empresa em 1988 dizimou suas economias originais, mas ele serenamente resistiu e continou a colocar seus ganhos extras no mercado.

Ao longo de uma década, ele investiu US$ 100 mil nos nomes de alta tecnologia mais glamorosos que pôde encontrar: AOL, Yahoo!, Amazon, entre outros.

Em 2000, suas economias haviam aumentado para US$ 600 mil. Bill disse a si mesmo que se aposentaria quando seu portfólio atingisse mais um dígito; dado o quão bem estava indo, ele pensou, estaria lá em breve.

Se as histerias se assemelham a epidemias, a narrativa “a internet muda tudo e enriquecerá a todos” era o vírus, e Bill Flynn era o paciente zero de Cape Cod.

Em 2000, a conversa em torno da cadeira de barbeiro mudou dos [times] Red Sox, Celtics e Patritots para EMC e Abgenix, as duas ações favoritas de Bill. A TV estava sempre sintonizada na CNBC.

A combinação tóxica de entretenimento financeiro 24 horas por dia e transações online instantâneas teve um efeito trágico na loja de Bill. Ele inventou narrativas convincentes e persuadiu seus clientes, proprietários de pequenos negócios, a comprar ações das empresas que escolheu.

Quando a repórter Susan Pulliam, do Wall Street Journal, visitou a barbearia pela primeira vez, no inverno de 2000, ocasião em que o mercado estava no auge, a conversa era sobre ações de tecnologia o tempo todo.

Bill sugeriu a um cliente uma empresa biotecnologia, a Abgenix. Outros, lá, disseram que haviam comprado a Coyote Technologies, tinham a NetWork Appliance ou, se menos aventureiros, estavam apenas considerando um fundo mútuo oferecido pela Janus, uma empresa de investimentos especializada em carteiras voltadas para tecnologia.

A favorita de Bill era uma empresa de armazenamento de dados, a EMC: “Eu diria que coloquei cem pessoas na EMC”. Nenhuma deles parecia se importar com o fato de Bill ter escolhido a empresa não por meio de uma análise de segurança rigorosa, mas graças a uma dica de outro barbeiro.

Em meados de 2000, as ações haviam sofrido várias baixas severas, mas Bill e seus clientes estavam confiantes de seu poder de permanência. Como expressado por um pintor/aplicador de papel de parede: “Mesmo que desçamos 30%, voltaremos logo”.

Almas mais fracas eram ridicularizadas. Flynn apontou um cliente no estacionamento: “Vê aquele cara? Tinha US$ 5 mil de reservas há dois anos, e eu lhe disse para comprar EMC. Teria agora US$ 18 mil se tivesse escutado”.

Quando Pullian voltou à barbearia, três meses depois, as ações de tecnologia tinham acabado de se recuperar de declínios severos, mas ainda estavam cerca de 40% abaixo de seus picos.

Bill explicou: “Eu não estou apenas comprando biotecnologia ou ações de alta tecnologias”. Mas ele ainda estava preso a sua antiga companheira, a EMC.

E também tinha acabado de comprar mais Abgenix, cujo preço tinha se recuperado fortemente, e seu valor de portfólio havia atingido um novo patamar.

Em fevereiro de 2001, as amadas ações EMC que ele havia comprado na margem caíram a ponto de sua corretora liquidar a posição. As ações, que atingiram o pico de US$ 145 logo após a primeira visita de Pulliam, por firm caíram para menos de US$ 4 no fim de 2002.

A loja de Bill, antes a colmeia social da cidade, ficou em silêncio e esvaziou. Um cliente observou: “Todos sabem que Bill perdeu muito dinheiro. Ninguém que falar muito sobre isso”.

Nem todos os clientes de Bill foram depenados. Um deles, por exemplo, resgatou suas ações da EMC para comprar uma nova casa.

Mas o dano, em geral, tinha sido feito. O mercado em baixa de 2000 a 2002 desmoralizou tanto Bill que ele só começou a comprar ações novamente em 2007, quando, por recomendação de uma correta, comprou ações da Eastman Kodak.

Ela faliu cinco anos depois. Em 2012, e aos 73 anos, Bill ainda cortava cabelos.

Mesmo após o colapso, os executivos da EMC, que tinham se tornado compreensivamente apaixonados pelo Sr. Flynn, passavam na loja para cortar o cabelo durante suas férias de verão.

Conteúdo editado por:Omar Godoy
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