Aristóteles inicia seu clássico “Ética a Nicômaco” indagando qual é o propósito final da existência humana. Antes de prosseguir em sua investigação, ele afirma que esse propósito deve ser algo desejável por si mesmo, e não como meio para outro fim. Assim, ele prossegue, a riqueza “é algo de útil, nada mais, e ambicionado no interesse de outra coisa”. Tratar a riqueza (ou o prazer) como fim, diz Aristóteles, é um equívoco que nos impede de atingir o bem absoluto -- a felicidade. Um documentário disponível no Prime Video trata desse tema com uma abordagem crua e reveladora.
Lançado em 2018, “A Geração da Riqueza”, foi dirigido e narrado pela premiada fotógrafa Lauren Greenfield, que reuniu 25 anos de material para traçar um retrato sem maquiagem de pessoas obcecadas por dinheiro, imagem e fama. Além do trabalho cuidadoso de edição, o diferencial do documentário é o fato de ele acompanhar como a vida dos entrevistados se desenvolve ao longo do tempo.
E os personagens são o ponto forte da obra. A lista inclui o magnata inescrupuloso que abdica da família para perseguir uma fortuna cada vez maior, a motorista de ônibus divorciada que viaja ao Brasil para fazer um pacote de cirurgias plásticas, a miss infantil transformada pela mãe em uma máquina de ganhar dinheiro, o homem que anda com 15 quilos de ouro em joias e a mulher que decidiu adiar a maternidade por causa da carreira mas, devido à idade, acaba fracassando sucessivas vezes na tentativa de conceber por fertilização in vitro.
“A Geração da Riqueza” é uma radiografia precisa dos vícios humanos levados ao extremo. Mais do que isso: demonstra, com detalhes, os perigos do ciclo do hedonismo. Quem vive por dinheiro e prazer nunca está satisfeito e precisa de doses cada vez maiores -- até que vem o colapso. No meio da jornada -- a preparação do documentário levou dez anos -- Lauren Greenfield também reconhece que, de alguma forma, havia deixado sua família em segundo plano enquanto buscava atingir seus objetivos profissionais.
Com um tom sóbrio, o documentário deixa escapar uma ou outra crítica ao capitalismo, como se o sistema de livre mercado fosse culpado pelas falhas morais dos personagens. Mas, na verdade, a mensagem central de “A Geração da Riqueza” é um tanto quanto conservadora: a vida com temperança, centrada na família, é a que permite às pessoas desfrutar os prazeres da vida sem se tornar escravas deles. A cultura vazia e homogeneizada (como a dos novos ricos chineses que emulam o estilo de vida americano, também mostrados no documentário) prejudica a subsistência dos valores tradicionais e de modos de vida autênticos.
Os exemplos, por vezes chocantes, mostrados em “A Geração da Riqueza” comprovam que, embora o capitalismo seja o melhor sistema para garantir o progresso econômico às pessoas, a felicidade vai muito além disso: como conclui Aristóteles em “Ética a Nicômaco”, ela depende do cultivo das virtudes, inclusive a temperança. Só assim é possível escapar do ciclo do hedonismo.
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