“Usar máscaras na comunidade provavelmente faz pouca ou nenhuma diferença.” Essa foi a sentença de uma revisão recente da Cochrane, uma avaliação sistemática de todas as pesquisas médicas sobre máscaras. Quanto se deve confiar neste estudo abrangente? As revistas médicas dizem que as revisões Cochrane são “reconhecidas mundialmente como o mais alto padrão em saúde baseada em evidências”, são a “melhor fonte única de revisões sistemáticas da mais alta qualidade” e são “consideradas a palavra final no debate médico sobre um assunto.” Uma revista acrescenta que “A principal razão é que as revisões da Cochrane seguem uma metodologia única e específica para limitar o viés.” Quem dera se o mesmo pudesse ser dito sobre os funcionários de saúde pública dos Centros de Controle de Doenças (CDC) e dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH).
Especificamente, a Cochrane descobriu que “O uso de máscaras na comunidade provavelmente faz pouca ou nenhuma diferença no quadro de doenças semelhantes à gripe ou à COVID-19” — ou “no quadro de gripe/SARS-CoV-2 confirmado em laboratório” — “em comparação com não usar máscaras.” Além disso, “o uso de respiradores N95/P2 em comparação com máscaras médicas/cirúrgicas provavelmente faz pouca ou nenhuma diferença para o quadro (...) de infecção por gripe confirmada em laboratório”. Cada uma dessas afirmações foi feita com “certeza moderada”, a segunda mais alta das quatro classificações de certeza. (“Certeza moderada” significa que “é provável que o verdadeiro efeito esteja próximo da estimativa do efeito.”)
A resposta desesperada dos defensores da máscara a essa revisão foi que a Cochrane não sabe o que está fazendo (apesar de sua reputação “mundial” de fornecer “o mais alto padrão” de pesquisa médica). Ou dizem que Cochrane produziu um bom estudo, mas as pessoas não o leram corretamente. Ou que ensaios controlados randomizados não são confiáveis quando se trata de máscaras (ECRs são universalmente considerados o padrão-ouro na pesquisa médica). Ou que precisamos de mais e melhores ECRs em máscaras, embora 16 já tenham sido conduzidos em máscaras cirúrgicas ou de tecido, nenhum dos quais forneceu evidências convincentes de que funcionam.
A recusa dos defensores da máscara em reconhecer que a ciência médica não apoia sua crença inabalável é bem marcante. Claramente, algo mais está acontecendo aqui do que um debate genuíno sobre quais medidas de saúde funcionam.
Parte disso, talvez, é que os progressistas não gostam quando não conseguem controlar alguma coisa. As máscaras permitem que eles sintam que podem controlar o vírus — e outras pessoas, também, que vêm em segundo lugar se não for possível controlar o vírus.
Há também a questão da identidade. Para alguns, uma máscara transmite um simbolismo quase religioso — acreditamos na Saúde — e serve como uma espécie de símbolo espiritual, um totem. Ninguém quer ouvir que seu totem é impotente.
As evidências que sugerem a ineficácia das máscaras permaneceram relativamente constantes ao longo do tempo. Além dos ECRs individuais conduzidos ao longo dos anos, que discuti em detalhes em um ensaio do City Journal de 2021 revisando as evidências, a Cochrane publicou uma revisão em 20 de novembro de 2020 que se assemelha muito à revisão de janeiro de 2023. A revisão anterior de Cochrane descobriu que usar uma máscara “provavelmente faz pouca ou nenhuma diferença no quadro da gripe confirmada em laboratório (...) comparado a não usar” uma máscara, e que usar N95 “em comparação com” uma máscara cirúrgica “provavelmente faz pouca ou nenhuma diferença para o (...) quadro de infecção por gripe confirmada em laboratório”. Na verdade, a revisão de 2023 repete toda essa linguagem literalmente.
Ao contrário da revisão Cochrane de 2023, no entanto, a revisão de 2020 não fez muito barulho. Isso pode ter ocorrido de forma planejada. Tom Jefferson, o principal autor de ambos os estudos, diz que a Cochrane atrasou o lançamento do estudo de 2020; ela o “segurou por sete meses”. Se não fosse por esse atraso, a revisão teria aparecido apenas algumas semanas depois que o CDC reverteu totalmente a sua orientação de uso de máscaras — de não usar para usar máscaras — em 3 de abril de 2020, não citando nenhuma nova evidência importante como base para a mudança. É certamente crível que a Cochrane não queria parecer que estava contradizendo o CDC naquele momento crucial.
A jornalista investigativa australiana Maryanne Demasi, que entrevistou Jefferson, perguntou: “Você está sugerindo que Cochrane era pró-máscara e que sua crítica contradizia a narrativa?” Jefferson respondeu: “Sim, acho que era isso o que estava acontecendo”. Ele observou que a Cochrane escreveu um editorial pró-máscara para acompanhar o derradeiro lançamento do estudo em 2020. “Esperar por fortes evidências é uma receita para a paralisia”, afirmou o editorial. Tal mensagem, observa Jefferson, é “uma subversão completa do ‘princípio da precaução’, que afirma que você não deve fazer nada a menos que tenha evidências razoáveis de que os benefícios superam os danos”.
Agora os executivos da Cochrane estão repetindo a dose. Enfrentando críticas de influentes defensores das máscaras, Karla Soares-Weiser, editora-chefe da Cochrane Library, divulgou uma declaração em 10 de março — cerca de um mês e meio após o lançamento da revisão de 2023 — dizendo que “a revisão não é capaz de abordar a questão de saber se o próprio uso de máscara reduz o risco de as pessoas contraírem ou espalharem vírus respiratórios”. Isso, é claro, é exatamente o que a revisão abordou e concluiu, com “certeza moderada”, que o uso de máscara “provavelmente faz pouca ou nenhuma diferença” na prevenção da propagação de vírus.
A coisa mais notável sobre a revisão Cochrane de 2023 é que ela fornece mais uma confirmação de que os dois ECRs que ocorreram após o lançamento do estudo Cochrane de 2020 — um na Dinamarca e outro em Bangladesh — não moveram o ponteiro a favor das máscaras. Na verdade, o ponteiro moveu-se na direção oposta: a Cochrane agora diz que as máscaras “provavelmente fazem” (2023), em oposição a “podem fazer” (2020), “pouca ou nenhuma diferença no quadro de doenças semelhantes à gripe”. (Isso é somado ao relato anterior da Cochrane que as máscaras “provavelmente” fazem “pouca ou nenhuma diferença no quadro da gripe confirmada em laboratório”.) E em 2023, a Cochrane acrescentou explicitamente “Covid-19” e “SARS-CoV-2” à lista de coisas cuja propagação as máscaras aparentemente não impedem — e podem até aumentar.
Como as máscaras poderiam aumentar a propagação de vírus? A Cochrane sugere as possibilidades de “autocontaminação da máscara pelas mãos” e “saturação das máscaras com saliva devido ao uso prolongado (promovendo a sobrevivência do vírus em material proteico)”. Em março de 2020, o então cirurgião-geral Jerome Adams disse : “As pessoas que não sabem usar [máscaras] corretamente tendem a tocar muito o rosto e, na verdade, podem aumentar a disseminação do coronavírus”. Os autores de um ECR disseram que “O vírus pode sobreviver na superfície das máscaras” e que se pode “transferir o patógeno da máscara para as mãos nuas do usuário”. Quanto à máscara dupla, os mesmos autores escreveram: “As observações durante a SARS [gripe asiática] sugeriram que a máscara dupla (...) aumentou o risco de infecção devido à umidade, difusão de líquidos e retenção de patógenos”. Em outras palavras, as máscaras costumam ficar úmidas, frequentemente sujas e, às vezes, cheias de vírus. Ter uma colada ao rosto pode aumentar a propagação de vírus — especialmente se você tocar na sua máscara ou se seus filhos pequenos tocarem na deles.
Os fanáticos da máscara, no entanto, permanecem impassíveis. Em um artigo no Health.com respondendo à revisão da Cochrane, Sarah Sloat cita três médicos que basicamente negam as evidências e acha que isso encerra a questão. Um deles declara que as máscaras “são uma camada adicional de proteção” (que se danem os ECRs). Outro afirma: “Se você está usando uma máscara, está se protegendo muito bem”. Um terceiro opina (com uma marcante falta de autoconsciência): “No fim das contas, as pessoas farão o que quiserem e a ciência não vai mudar suas cabeças para um lado ou para o outro”. Ele então proclama: “Mas uma máscara oferece um grande retorno para o investimento, e não apenas para a Covid-19”.
Na revista Vox, Kelsey Piper reclama que a revisão da Cochrane inclui estudos envolvendo outros vírus em outros momentos, ao invés de apenas estudos focados na Covid durante a pandemia. Ela ignora que a inclusão dos dois ECRs com a Covid resultou na ponderação da Cochrane mais fortemente contra a eficácia das máscaras, já que um desses ECRs (o da Dinamarca) não encontrou nenhuma diferença estatisticamente significativa entre as taxas de infecção em seus grupos com e sem máscara, e o outro (de Bangladesh) encontrou muito pouca diferença e afirmou que era significativa apenas por causa de uma miríade de falhas metodológicas, que detalhei em um ensaio do City Journal do verão passado. Piper, no entanto, elogia o estudo altamente problemático de Bangladesh como se tivesse “encontrado evidências muito sólidas”, enquanto a revisão Cochrane é um tanto “cientificamente irresponsável” e uma “metanálise bastante ruim”.
Da mesma forma, Lucky Tran, escrevendo para o jornal The Guardian, critica a revisão Cochrane porque inclui outros vírus além do Covid e porque avalia a eficácia das máscaras conforme elas são realmente usadas, em vez de tentar adivinhar a eficácia das máscaras se as pessoas as usassem de forma tão diligente quanto as autoridades de saúde pública gostariam. Tran diz que a revisão Cochrane é parte da “avalanche de desinformação” e proclama: “Máscaras são magníficas”. Ele acrescenta que as máscaras “são um símbolo visível de que a pandemia está em andamento” — outra aparente virtude.
Por fim, a colunista do New York Times Zeynep Tufekci escreve, sem sustentação: “Portanto, a evidência é relativamente direta: o uso consistente de uma máscara, de preferência uma de alta qualidade e bem ajustada, dá proteção contra o coronavírus”. Ela rejeita a revisão da Cochrane e afirma que o estudo dinamarquês durante a Covid “descobriu que as máscaras ajudaram”. Isto é falso. Os autores desse estudo afirmaram claramente que “nenhuma diferença estatisticamente significativa na incidência de SARS-CoV-2 foi observada” entre o grupo de máscara do estudo e seu grupo controle, sem máscara.
Outros defensores da máscara afirmam que o problema não está no estudo da Cochrane. Em vez disso, eles sugerem um significado esotérico mais profundo por trás do que ele diz claramente: “Usar máscaras na comunidade provavelmente faz pouca ou nenhuma diferença”. O jornal Los Angeles Times publicou uma coluna intitulada “Os negacionistas da Covid afirmam que um novo estudo diz que a obrigatoriedade de máscara não funciona. Eles deveriam tentar lê-lo.” Uma enfermeira escreveu uma carta em resposta afirmando: “Vi com meus próprios olhos como as máscaras protegem as pessoas do contágio e transmissão da Covid-19”. As pessoas geralmente não conseguem ver os vírus a olho nu, então essa é uma afirmação impressionante.
Bret Stephens escreveu uma coluna no New York Times com título “As máscaras obrigatórias não funcionaram. Alguma lição será aprendida?” O mais bem avaliado entre os 3.773 comentários em resposta ao artigo afirma que Stephens deturpa o estudo, que o leitor sugere que não produziu essencialmente nenhuma informação. O segundo comentário favorito dos leitores culpa as pessoas por não serem diligentes o suficiente no uso de máscaras e depois pergunta: “Percebem como as [salas de] cirurgias ainda são ambientes para máscaras?” As máscaras cirúrgicas foram projetadas para impedir que o pessoal médico infectasse inadvertidamente as feridas abertas dos pacientes. Essas máscaras não foram projetadas para reduzir a propagação de vírus. Quanto aos respiradores N95, foram projetados para proteger os trabalhadores de respirar poeira, vapores ou fumaça. Na medida em que eram usados em hospitais pré-Covid, era principalmente para ajudar a prevenir a propagação da bactéria da tuberculose, não para proteger contra vírus. De acordo com um artigo no site dos NIH, publicado nos dias pré-Covid menos politizados, “Os vírus são minúsculos, variando em tamanho de cerca de 20 a 400 nanômetros de diâmetro. (...) Bilhões cabem na cabeça de um alfinete.” Mais de 1.000 geralmente cabem no ponto final de uma frase, que tem aproximadamente “350.000 nanômetros de diâmetro”. Em comparação, “as bactérias são 10 a 100 vezes maiores que os vírus” e “geralmente são medidas em mícrons” (com um mícron igual a 1.000 nanômetros, a medida comum para os vírus).
Deve ser muito perturbador, à luz das evidências, que tantos hospitais e consultórios médicos continuem a forçar os pacientes a usar máscaras. É algo que nos leva a perguntar com que frequência as equipes médicas não seguem os estudos médicos nos quais supostamente confiam. No entanto, os leitores do New York Times não estão nem um pouco perturbados, estão satisfeitos com as máscaras obrigatórias. Entre os dez comentários favoritos dos leitores, havia um que dizia: “As descobertas [da Cochrane] são basicamente absurdas. O bom senso prevalece aqui. (...) Eu estava em um hospital hoje. Todo mundo lá tem que usar máscara.”
Em seu recente artigo do City Journal sobre a revisão Cochrane de 2023, John Tierney pergunta: “Alguma coisa pode persuadir os mascarólatras no establishment de saúde pública e o público a desistir de sua obsessão?” A resposta, claramente, é não. Sua fé transcende a razão.
Jeffrey H. Anderson é presidente da American Main Street Initiative , um think tank para americanos comuns. Ele atuou como diretor do Bureau of Justice Statistics no Departamento de Justiça dos EUA de 2017 a 2021.
©2023 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês.
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