Poucas pessoas, se forem honestas, dirão que estão realmente satisfeitas com o mundo que a Revolução Sexual nos deixou. Essa é a conclusão de dois novos livros que criticam nossa cultura sexual: 'The Case against the Sexual Revolution' [O Processo contra a Revolução Sexual, em tradução livre, sem edição no Brasil], da escritora britânica Louise Perry, e 'Rethinking Sex' [Repensando o sexo, em tradução livre], da colunista do Washington Post Christine Emba.
Embora ambos os livros ofereçam histórias e dados valiosos, suas observações gerais não surpreenderão os leitores conservadores: o sexo casual é mais divertido para os homens do que para as mulheres, a pornografia incentiva a objetificação e, pior ainda, acabar com a violência sexual exigirá mais do que workshops sobre consentimento, e assim por diante.
As soluções propostas são igualmente previsíveis para qualquer pessoa familiarizada com as visões tradicionais sobre sexo. Como Perry coloca em sua conclusão: “Precisamos reerguer as grades de proteção social que foram derrubadas. E, para isso, temos que começar pelo óbvio. O sexo deve ser levado a sério. Homens e mulheres são diferentes. Alguns desejos são ruins. O consentimento não é suficiente. Violência não é amor. Sexo sem amor não é empoderador. Pessoas não são produtos. O casamento é bom”.
Tanto Perry quanto Emba aconselham o discernimento individual como um antídoto para os excessos do cenário do sexo casual. “Adiar o sexo com um novo namorado por pelo menos alguns meses é uma boa maneira de descobrir se ele está falando sério sobre você ou apenas procurando sexo casual”, escreve Perry. Emba confessa que ela mesma adotou justamente essa prática, perguntando-se em voz alta: “E se a resposta fosse fazer menos sexo casual? Aliás, e se a resposta fosse fazer sexo sob o padrão do amor?”.
Para esse tipo de observação, descobri-me capaz de reunir apenas um bastante cansado, embora sincero "Bem-vindo à festa", um primo mais gentil do muito menos caridoso "Eu avisei". Você quase pode ouvir o leitor socialmente conservador responder: “Sim, claro. . . você não tem ouvido?”
Mas, embora os argumentos sejam familiares aos leitores de um certo grupo, esses livros, no entanto, apresentam um ponto de interesse real, mesmo que apenas por causa de suas autoras. Nenhuma das duas tem pressa em se rotular como progressista ou feminista, mas também não se considera uma conservadora convicta, e certamente nem uma conservadora social. No entanto, ambas descrevem seu profundo desencanto por terem vivido ou testemunhado aspectos negativos do mundo criado pela Revolução Sexual.
Suas críticas são interessantes não porque sejam novas — decididamente não são — mas porque vêm do tipo de pessoa que não costuma criticar o dogma feminista ou o sexo casual. Pequenas fendas estão aparecendo na represa, e talvez um pouco de luz esteja começando a brilhar.
Muito nesses livros é surpreendentemente semelhante, mas seria um desserviço confundi-los inteiramente. Os títulos por si só sugerem distinções de tom e substância: 'O Processo contra a Revolução Sexual' é rigorosamente documentado e argumentado com precisão, enquanto 'Repensando o Sexo' é uma narrativa, entrelaçando histórias das entrevistas de Emba com suas reflexões sobre o que pode contribuir para uma cultura sexual melhor.
Mas seus caminhos se cruzam em muitos pontos e são particularmente esclarecedores quando considerados em conjunto. Essas são duas mulheres modernas, supostamente as principais beneficiárias do afrouxamento dos costumes da Revolução Sexual, que, em vez disso, estão preocupadas com o que passaram a ver como suas falhas significativas.
Ambos os livros são particularmente fortes em suas críticas ao “consentimento”, a ortodoxia reinante que nos governa no pântano de comportamentos sexuais que nossa sociedade licenciou. “Todo mundo disse sim?” e “Alguém disse não?” são os únicos guias morais que temos permissão para discernir se uma determinada interação sexual foi insignificante ou criminosa. Pronunciamentos mais fortes exigiriam que avaliássemos os desejos de alguém, uma impossibilidade em nosso vale-tudo autônomo. Como resultado da filosofia individualista da Revolução Sexual e da moralidade empobrecida que a acompanha, “não consensual” é o único tipo de má conduta que conseguimos identificar. Sexo ruim, falta de compromisso e indisponibilidade emocional não são crimes, então os descontentes devem levar suas queixas para outro lugar.
Cada autora, à sua maneira, abre enormes buracos nessa doutrina, revelando-a como um marcador superficial e insatisfatório para saber se homens e mulheres estão florescendo — embora nenhum dos livros use essa linguagem, apontando para uma deficiência em ambos.
Perry argumenta que a lógica da Revolução Sexual, defendida por autodenominadas feministas, na verdade reforçou um cenário social que beneficia os homens em detrimento das mulheres. Os exemplos horríveis que ela oferece das indústrias de pornografia e prostituição são particularmente úteis para demonstrar como o poder e a dinâmica de classe complicam o que significa dar consentimento real. Emba, por sua vez, considera o consentimento o chão e não o teto quando se trata de governar as relações corretas entre os sexos, citando Tomás de Aquino e pedindo o retorno a uma concepção de amor definida como “querer o bem do outro”. Ambas autoras merecem crédito por reconhecer que podemos consentir com coisas que prejudicam a nós mesmos e aos outros, e que a sociedade deve reconhecer e se preocupar com essa realidade.
Como esforços para registrar a amplitude do problema, esses livros são quase irrepreensíveis. Mas nenhum dos dois vai longe o suficiente para reconhecer exatamente quão profunda é a podridão dessa ideologia. Tanto Perry quanto Emba relutam em descartar ou mesmo criticar aspectos essenciais dessa visão de mundo, o que limita significativamente sua imaginação quando se trata de desenvolver soluções além do óbvio, como adiar temporariamente o sexo ou evitar a pornografia — embora, com certeza, essas sejam bastante ideias radicais na paisagem atual.
Perry, por exemplo, mal aborda a questão de saber se o uso generalizado de contracepção e aborto é realmente bom para as mulheres, descrevendo essas grandes mudanças como uma catraca que só pode virar para um lado. Sua capacidade de reconhecer que o mundo da Revolução Sexual é construído para os homens às custas das mulheres é admirável, mas fiquei desapontada por ela não ter se esforçado mais para lidar com essas tecnologias que são tão obviamente dedicadas a tornar as mulheres sexualmente disponíveis, contra o que é melhor para seus próprios corpos e almas. É difícil imaginar abrir caminho para sair da Revolução Sexual se não pudermos questionar os dogmas tecnológicos nos quais todo o experimento se baseia.
A ideia de mudança mais radical, em suma, parece quase inacessível a ambas as autoras. As soluções que elas sugerem surgem mais como esforços para mexer nas bordas do problema ou limitar seus danos ao nível do leitor individual, o que é bom até onde vai. Mas quando se trata de sugestões de mudanças positivas em nível cultural, ambas as autoras têm pouco a dizer, voltando muitas vezes a sentimentos como “o gato escondido está com o rabo de fora” ou “os modelos tradicionais do passado também não eram os ideais". Nenhuma dessas avaliações lida com a possibilidade de que nosso cenário atual esteja podre até o âmago, que seus efeitos nocivos não possam ser mitigados ou reformados, mas, em vez disso, são uma parte inextricável do negócio.
Talvez mais precisamente nenhuma das autoras parece ter considerado que existe uma moral objetiva para nos ajudar a governar as relações entre os sexos e que, sem essa visão moral positiva, sempre nos faltarão soluções abrangentes para os males que elas identificaram. Seus argumentos dependem implicitamente da ideia de que algumas coisas estão certas e outras erradas, mas pouco contribuem para explicar o raciocínio por trás dessas suposições. Isso as deixa na posição incômoda de, por exemplo, criticar a ética sexual baseada no consentimento enquanto ainda acreditam que a maioria dos relacionamentos sexuais é totalmente inquestionável, desde que todas as partes consintam e se comportem com algum grau de gentileza.
Há muito valor na recomendação de fazer escolhas cuidadosas no campo sexual. Mas os conservadores sociais vêm trazendo uma versão mais coerente desse argumento há décadas, de forma mais robusta na ética sexual holística da Igreja Católica. Ambos os livros teriam se beneficiado pelo menos reconhecendo que muitos pensadores antes delas registraram os danos da Revolução Sexual, ao mesmo tempo em que apresentaram uma visão moral do que significa ser humano e se desenvolver. O melhor processo contra a Revolução Sexual é, em última análise, um processo positivo, que afirma a bondade do sexo como meio de expressar unidade e amor, dentro do contexto do compromisso exclusivo, vitalício e frutífero entre marido e mulher. Essa compreensão é a resposta mais completa à reclamação frequente de que o sexo moderno é, com demasiada frequência, um ato de objetificação ou um ato de utilidade. Dentro do casamento, o sexo é a expressão corporal máxima de vulnerabilidade e amor entre duas pessoas que, em vez de se verem como um objeto ou um direito, recebem mutuamente a plenitude do outro como um dom oferecido gratuitamente.
Se a Revolução Sexual pode ser comparada a uma árvore em decomposição, como ambas as autoras parecem defender, então há razão para acreditar que toda a árvore deve ser arrancada. Mas, mesmo quando identificam as raízes doentes e os frutos podres, elas parecem determinados a preservar alguns galhos enquanto cortam outros. Essa hesitação em jogar fora a raiz e o ramo dá a impressão de arbitrariedade e acaba por diluir a força de suas críticas.
Esses livros são evidências sólidas de que algo está errado, de que as mesmas pessoas para quem a Revolução foi supostamente projetada estão se debatendo em seu rastro, imaginando o que pode significar levar o sexo a sério, para que seja importante. Podemos desejar algo mais, e qual aspecto isso teria? Mas uma resposta holística a essas perguntas, infelizmente, não será encontrada em suas páginas — uma realidade que é, de certa forma, uma confirmação adicional de seus argumentos. A Revolução Sexual nos roubou o vocabulário moral necessário para imaginar um mundo melhor.
©2023 The Public Discourse. Publicado com permissão. Original em inglês.
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