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O Partido dos Trabalhadores enfrenta uma crise existencial que vai além da modernização da direita, das disputas internas e da imagem associada a gestões corruptas, assistencialistas e incompetentes. O buraco é bem mais embaixo: o PT de 2025 é, essencialmente, Lula.
Nesse cenário de urgência, qualquer nova figura com algum apelo eleitoral é transformada numa esperança de salvação para os petistas — ainda que lhe falte credibilidade ou um currículo consolidado. É dessa carência que desponta o nome de Pedro Rousseff, de 25 anos, sobrinho-neto da ex-presidente Dilma e vereador mais votado da legenda em Belo Horizonte, no ano passado.
Três credenciais tornaram Pedro uma aposta estratégica do partido: o sobrenome famoso (ainda que controverso para uma parcela significativa do eleitorado), a boa aparência física (o público feminino petista o compara a um ator ou modelo) e, acima de tudo, o domínio das táticas de guerra cultural no ambiente digital.
O estilo do vereador nas redes sociais é calculadamente agressivo: vídeos curtos de 40 a 60 segundos, linguagem simplificada, uso estratégico de memes, ironia copiada do manual da direita e uma postura de ataque permanente.
A abordagem de Pedro Rousseff difere da retórica tradicional da esquerda — rebuscada, impregnada de agendas ideológicas, desconectada do cidadão comum. O sobrinho-neto de Dilma vai na contramão desse discurso: prioriza pautas econômicas concretas, como emprego, renda, “empreendedorismo social”, “cuidar de quem mais precisa”.
Esse método chamou a atenção do ministro/marqueteiro Sidônio Palmeira e do próprio Lula, que escalou, pessoalmente, o vereador para “reforçar a comunicação do partido”. O presidente o orientou a entrar em “modo campanha” imediatamente e a “não deixar ataques de adversários sem resposta”.
Mas a principal habilidade de Pedro Rousseff também pode ser sua maior vulnerabilidade.
Afinal, ao mesmo tempo em que se vende como inimigo da desinformação (chegando a propor um projeto bizarro para instituir o “ensino de anti-fake news” nas escolas), ele acumula checagens, processos e ao menos uma condenação por divulgar conteúdo difamatório.
Não deixa de ser um paradoxo perigoso para quem pretende assumir um papel de liderança nacional — Rousseff é um nome certo na disputa mineira para uma vaga à Câmara dos Deputados em 2026.
Comédia involuntária
As redes de Pedro Rousseff beiram a comédia involuntária, tamanho o volume de postagens que flertam com o absurdo e, em muitos casos, escorregam para o terreno da mentira.
Um exemplo recente, e noticiado até pela imprensa governista, foi a mensagem na qual o vereador afirmou, com letras maiúsculas e exclamações triunfantes, que “Quem ACABOU com a GUERRA em Gaza chama-se LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA!”.
Para “provar” sua tese, Pedro montou uma espécie de equação política: “Trump AJUDOU a financiar a GUERRA = Lula FEZ O ACORDO pela PAZ!”. A bravata, claro, foi desmentida — mas virou um símbolo do estilo hiperbólico e fantasioso do jovem petista para aqueles que ainda não o conheciam.
Em outra publicação, ele calculou que 59 milhões de brasileiros viajariam de avião durante as férias e gastariam, no total, R$ 149 milhões — um custo médio de R$ 2,52 por pessoa. O erro grotesco rendeu piadas, memes e comentários sobre Pedro ter “aprendido matemática com a Dilma” (aliás, muitos o chamam pelo apelido de “Dilmo” e comparam sua capacidade intelectual com a da presidente impedida).
No final do ano passado, ao celebrar o aumento do salário mínimo, Pedro Rousseff afirmou que o reajuste representava “7,5% acima da inflação”, quando o ganho real era de pouco mais de 2%. A publicação foi corrigida por agências de checagem e ganhou uma “nota da comunidade” no X (recurso em que os usuários da plataforma contestam posts e adicionam informações).
Seu gosto por teorias apressadas, para dizer o mínimo, o levou a associar a suspensão do TikTok nos Estados Unidos à “volta de Trump ao poder” — a medida, no entanto, foi aprovada durante o governo de Joe Biden.
Rousseff também tentou transformar uma disputa interna sobre o Benefício de Prestação Continuada (BPC) em uma bandeira contra a oposição. Segundo ele, a “extrema-direita no Congresso trabalhou para retirar esses direitos” — o projeto citado, no entanto, era de autoria de um deputado petista, José Guimarães (CE), líder do governo na Câmara.
Houve ainda o episódio da “crise do Pix”, quando o vereador disse que “as mentiras da direita” haviam derrubado em 40% as transações pelo sistema em 24 horas — um número sem qualquer lastro em dados oficiais.
“Cadeirada” em Nikolas Ferreira
Mas as mensagens compartilhadas por Pedro Rousseff não ficam apenas no campo do exagero. Algumas delas se tornaram processos judiciais.
Como o caso da pastora Daniela Linhares, da Igreja Batista Getsêmani, acusada por Pedro de receber dinheiro público em troca de apoio político ao governador Romeu Zema (Novo-MG). A Justiça o condenou por difamação e injúria e determinou o pagamento de R$3 mil em compensação por danos morais, além da remoção das publicações que citava a religiosa.
Segundo Rousseff, ele foi “perseguido judicialmente” por Daniela, que abriu vários processos para intimidá-lo. “Mas eu não tenho medo, e vocês podem ter certeza de que não vou parar de denunciar as falcatruas da extrema direita em Belo Horizonte”, afirmou.
Pablo Marçal, empresário e ex-candidato a prefeito de São Paulo, também moveu uma ação contra o petista. Marçal pede R$ 100 mil por danos morais, alegando que Pedro disseminou “informações inverídicas” nas redes sociais sobre sua atuação no Rio Grande do Sul após as enchentes que atingiram o estado.
O dado curioso é que Marçal ajuizou, por engano, a ação contra o pai do vereador, também chamado Pedro Rousseff — o que acabou paralisando o processo. O parlamentar, no entanto, afirma que não se tratou de um erro, e sim de uma tentativa de coação contra sua família.
O vereador ainda foi denunciado pelo Ministério Público de Minas Gerais por incitação ao crime, após declarar que “daria uma cadeirada” no deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG). A denúncia foi motivada por uma queixa formal apresentada pelo próprio Nikolas.
Segundo o MP, Pedro ultrapassou os limites da liberdade de expressão ao estimular comportamentos violentos. O órgão chegou a propor um acordo de prestação de serviços comunitários por três meses, mas Rousseff o recusou (e o caso segue para julgamento em Belo Horizonte).
Doações de petistas históricos
Filho de um médico e de uma enfermeira, Pedro Rousseff cursou Administração de Empresas no Ibmec. A formação em gestão, no entanto, ficou em segundo plano devido a sua atuação política, iniciada ainda na adolescência.
Mais especificamente, “no dia em que a Dilma sofreu o golpe”, como ele costuma contar. “Percebi que, se a gente que é jovem, com novas ideias e com mais energia não entrar de fato na política, os maus vão destruir o Brasil”, disse ao jornal O Tempo.
Pedro começou a militar no movimento estudantil, participando de organizações como a União da Juventude Socialista (vinculada ao PCdoB) e o Levante Popular (associado ao PT). Mas foi como membro do Conselho Municipal de Juventude Belo Horizonte, entre 2022 e 2024, que ele deu os primeiros passos formais na política institucional.
Filiado ao PT e membro da tendência interna Construindo um Novo Brasil — de figuras como Lula, José Dirceu e Edinho Silva, atual presidente da legenda —, Rousseff fez campanhas para candidatos do partido até concorrer ele mesmo a vereador na capital mineira.
Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral, Pedro Rousseff recebeu em 2024 um total líquido de recursos no valor de cerca de R$ 500 mil. Além da direção nacional do PT e do próprio pai, três petistas “históricos” de Minas Gerais aparecem na relação de seus principais doadores.
O deputado federal Rogério Correia contribuiu com R$ 22,8 mil. Um pouco mais generoso, o ex-deputado Virgílio Guimaraes, hoje assessor especial do Ministério de Minas e Energia, deu R$ 30 mil.
Mão-aberta mesmo foi Walfrido dos Mares Guia, ex-ministro do Turismo e da Secretaria de Relações Institucionais, que entrou com R$ 100 mil.
Para quem não está ligando o nome à pessoa, Mares Guia chegou a ser acusado de desviar de dinheiro público no esquema conhecido como “mensalão mineiro” — e, pressionado, pediu demissão do governo Lula 2, em 2007.
Mas e Dilma? Irmã de Igor Rousseff, avô paterno de Pedro, a ex-presidente participa da carreira do vereador por meio do sobrenome famoso e de sua rede de contatos.
“A Dilminha [ele a chama assim em várias entrevistas] sempre foi e continua sendo a minha maior conselheira”, diz.
Vereador viajante
Para os críticos, o mandato de Pedro Rousseff na Câmara de Belo Horizonte mais parece uma extensão de sua atividade militante nas redes sociais — marcada, principalmente, pela defesa do governo Lula e por críticas a Nikolas Ferreira, Romeu Zema e Jair Bolsonaro.
Seus projetos mais conhecidos refletem esse estilo performático. Além do já citado “ensino anti-fake news” nas escolas (inspirado numa ideia da Finlândia), há o “bônus aos guardas municipais que recuperarem celulares roubados” (de aplicação questionável) e a proposta que autoriza a permanência de animais de rua em abrigos municipais (de forte apelo emocional).
Fora da Câmara, Pedro coleciona viagens pelo interior de Minas e até por outros estados — num movimento interpretado como um ensaio para sua candidatura a deputado federal em 2026. Segundo a imprensa mineira, esse trânsito vem causando ciúmes e incômodo em parlamentares petistas, que veem a presença dele em outras bases eleitorais como uma invasão.
Essa atuação para além das divisas mineiras só comprova que Pedro Rousseff é mesmo um político da era digital. Dublê de influencer e legislador, o vereador circula em âmbito nacional, domina os novos formatos e não recua diante do confronto (característica que conquistou Lula).
Mas sua marcha rumo a Brasília, percorrida entre polêmicas e questionamentos legais, também é movida pelo mesmo combustível que, ironicamente, pode fazê-lo derrapar: a desinformação que ele jura combater.
A reportagem da Gazeta do Povo entrou em contato com a assessoria do vereador Pedro Rousseff para solicitar uma entrevista, mas não obteve retorno até a conclusão deste texto.
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