A coisa ganhou ares de oficialidade quando mandei um zape para a prima de Jacarepaguá, dizendo: “Você está vendo o BBB? Me explique! O Paulo Polzonoff Jr. quer que eu escreva sobre o assunto”. Prestimosa, a prima se solidarizou e tentou explicar. Ela tinha no currículo explicações não solicitadas dos feitos de Jojô Todynho em A Fazenda, então a julguei qualificada para me informar.
Além de Paulo, havia atrás de mim um amigo desde a época de escola que dizia que eu tinha porque tinha que fazer um texto sobre Lumena, a típica milituda da UFBa que estava no BBB. “Mulher, nunca te pedi nada!”, rogava ele. Ao mesmo tempo, um advogado-tuiteiro encontrava mais outros mil motivos para eu escrever sobre o BBB. Um era que o público do BBB estimulava a criminalização da – digamos assim – homenagem solitária que os homens prestam às mulheres. Feministas querem que isso seja considerado estupro.
Pelos links e apelos, eu vinha entendendo que Karol Conká, Lumena e Fiuk eram clichês ambulantes. O ex-colega e o advogado-tuiteiro discordaram, disseram que Karol Conká era apenas muito malvada. A prima disse que Lucas (hoje conhecido como vítima da Conká) era um chato e lembrava o nosso parente terraplanista. A Conká não tinha chamado muito a atenção dela. Informação importante: a prima via por pay per view, que não tem a edição de novelinha. A minha avó já teve pay per view e ficava lá olhando o povo roncar depois do almoço.
Moral da história: existe a novelinha do BBB editado, o BBB sem sal do pay per view e o BBB da internet.
Quem é Karol Conká?
O consenso da internet era o de que Karol Conká é malvada e arrogante. Fui então me inteirar de quem é Karol Conká. Primeira descoberta: não é uma funkeira carioca, senão uma rapper curitibana. Vejo então a sua magnum opus, intitulada Tombei. Seu rebolado tem leveza e a graça de um ataque epiléptico. A despeito do título, ela não tem pretensões de substituir o IPHAN, nem se estabacou no chão. Todo o clipe consiste em alegar que é perigoso bater de frente com ela, que ela faz e acontece, tudo isso enquanto se tremelica e faz cara de vilã de novela. Fiquei impressionada: de onde a legião de fãs tirou a ideia de que ela era uma pessoa legal? Conká não deixava o tal do Lucas falar e o refrão dessa sua música de 2015 era: “Enquanto mamacita fala, vagabundo senta/ Mamacita fala, vagabundo senta”.
Para contrastar, fui ver a magnum opus da campeã popular Jojô Todynho, Que tiro foi esse. O teor da letra é parecido: a turma dela é melhor que as outras e quem se meter com ela vai se dar mal. Pelo menos o clipe tem bons dançarinos e ninguém faz cara de vilão de novela. A moral do clipe é que o chefe gay dança melhor que todos na festa. Jojô aparece cantando risonha. A despeito da letra, dá para dizer que o clipe é bem humorado e Jojô Todynho, ao contrário de Karol Conká, parece alguém com quem se pode passar uma tarde agradável.
Acredito que Jojô Todynho faça uma música legal para quem gosta de funk (tem uma voz potente para acompanhar a melodia, a letra é o que menos importa). Mas não acho que quem gosta de rap gosta da música de Karol Conká. Acho que ela é como aquelas artistas que apareceram depois da Madonna, para as quais a música é mero acessório de uma imagem cenográfica.
Diz o meu amigo de escola, que é gay, que os gays estão desolados com a Conká. Bateu com a minha impressão. Para minha agradável surpresa, Jojô Todynho fez um vídeo se pronunciando sobre a Conká e disse que ela é uma militante de 35 anos, que deveria ser uma pessoa madura e, no entanto, tratava mal um rapaz que aparentava ter problemas mentais, o tal do Lucas, aquele que lembrava o parente terraplanista. Dado que o parente terraplanista tem problemas mentais, julguei Jojô Todynho uma pessoa sensata e merecedora do prêmio de A Fazenda. E, afinal de contas, embora Conká não fosse “a” lacradora da casa (posto ocupado por Lumena), ela era conhecida como figura de militância.
Polêmicas e mais polêmicas
Vocês veem então que eu fui aos – cof, cof, – meandros da música pop brasileira a fim de descortinar os eventos do BBB. Avisei ao Polzonoff. Falei até que solicitei informações à prima para atender, vejam só, à uma demanda importantíssima.
Faltavam ainda as polêmicas do momento. Muito bem, pensava eu, vou me inteirar dessa polêmica aqui e depois escrevo. Eis que nem bem eu ia pensar na morte da bezerra, ou fazer a sesta, ou ler uma coisinha e outra, e lá vinha mais uma polêmica. E depois mais outra. E depois mais outra.
Quando saiu o texto “Desce da torre de marfim, Bruna Frascolla”, saiu também a novissíssima polêmica de que não sei quem chamou não sei quem de desbotado e não confiável. Essa era, até então, a melhor polêmica sobre a qual escrever. Mas eu nem me lembro de quem xingou quem e falta-me coragem para abrir o Twitter e descobrir que já há uma novississíssima polêmica de BBB.
Assim, só me resta considerar que o Sr. Paulo Polzonoff está me oprimindo do alto de sua condição de homem, branco, cis, hétero e sulista. (Ciro Gomes já disse que no Sul o discurso nazista é muito forte). De modo que vou fazer um abaixo-assinado pedindo a cabeça dele. O abaixo assinado, creio eu, contará com as assinaturas de 100% das colaboradoras mulheres, nascidas e residentes na região Nordeste, que possuem um bonito diploma de doutorado em filosofia outorgado pela universidade pública, gratuita e de qualidade, que capacita qualquer um a se opor às hostes do obscurantismo.
Ou seja, eu mesma.
Proposta
Para provar que meu intelecto, não obstante a dificuldade em apreender o BBB, é potentíssimo, vou apresentar um plano para lidar com a questão “polêmicas do BBB” doravante.
A pós-graduação brasileira, por causa de uma diretriz aí de Brasília, forma gente de baciada, e não há vazão para tantos acadêmicos no mercado. Ficam quase todos desesperados juntando-se em gangues acadêmicas, tomando conta das bancas de concursos para garantir o emprego da turma. Mas os concursos estão minguando e simplesmente não há vagas para todo mundo. Ao mesmo tempo, artistas sem talento investem em militância para conseguir uma vaguinha com base em carteirada identitária: me dê emprego porque sou mulher, porque sou negro, etc. A coisa está preta. Ou melhor, está branca e desbotada.
Olhando por essa perspectiva, a casa do BBB é um paraíso. Lá dentro eles têm casa, comida e, se não têm roupa lavada, material para lavar a roupa. Ainda por cima, lá dentro estão livres do machismo, do racismo e da homolesbotransfobia estruturais que assolam este Brasil varonil (portanto, feminicida) e fazem todo mundo morrer. Assim, proponho que botem uma cerca elétrica de arame farpado protegendo-os do mundo exterior e os deixando muito bem seguros lá dentro. Não eliminem ninguém. Ao contrário, recebam mais gente.
A julgar pelo nível do debate ocorrido dentro da casa, vemos que o BBB alcançou o nível de excelência dos programas de pós-graduação em gênero, relações raciais, comunicação, etc., de modo que um BBB, hoje, é indiscernível de muito professor de federal. Precisamos premiar essas pessoas com uma casa daquelas cercada por arame farpado. Lá, o acadêmico ficará produzindo altas teses e problematizações sobre o BBB, sendo ele próprio o BBB. O artista, a seu turno, ficará fazendo performances escatológicas contra a branquitude, contra o neoliberalismo, o patriarcado, e coisa e tal.
Performance, desconstrução, problematização. E muito arame farpado, claro.
Bolsonaro e mais 36 indiciados por suposto golpe de Estado: quais são os próximos passos do caso
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
A gestão pública, um pouco menos engessada
Projeto petista para criminalizar “fake news” é similar à Lei de Imprensa da ditadura
Deixe sua opinião