Ouça este conteúdo
Alexandre de Moraes achou que estava mandando um recado atrevido a Donald Trump quando afirmou, franzindo a testa, que “deixamos de ser colônia em 7 de setembro de 1822”.
Mas o recado foi outro: o de que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) talvez não conheça a história do próprio país.
A declaração de Moraes foi dada nesta quinta-feira (27), depois de o Departamento de Estado americano demonstrar preocupação com as violações à liberdade de expressão no Brasil.
Ao dar sua resposta, durante uma sessão do STF, Moraes cometeu um erro: em 1822, o Brasil já não era colônia havia (pelo menos) sete anos.
O Rio de Janeiro como sede do trono
Em 1808, com a vinda da família real portuguesa para o Brasil, o Rio de Janeiro se tornou a sede — ainda que temporária — do trono.
A relação foi formalizada em 1815, quando o Brasil ganhou o status de reino unido a Portugal e Algarve (região no sul português, na época tratado como um território separado). Era um país só, sob o mesmo escudo e a mesma bandeira.
A proclamação foi feita em 16 de dezembro pelo rei Dom João VI:
- “ I. Que desde a publicação desta Carta de Lei o Estado do Brasil seja elevado à dignidade, preeminência e denominação de Reino do Brasil.
- II. Que os meus Reinos de Portugal, Algarves e Brasil formem d'ora em diante um só e único Reino debaixo do título - Reino Unido de Portugal e do Brasil e Algarves.”
Outros territórios sob domínio português, como Angola, mantiveram o status secundário.
Brasil e Portugal tinham, assim, um caráter semelhante ao Reino Unido comandado pelo atual rei Charles I: a Escócia está unida à Inglaterra, e não é colônia dela.
A família real portuguesa ficaria no Brasil até 1821, e o país jamais voltaria a ser colônia. Em 1822, o princípio do Reino Unido continuava a valer. Foi quando Dom Pedro I proclamou a Independência brasileira, que seria reconhecida por Portugal em 1825.
O Brasil foi colônia mesmo?
A depender do critério, a era do “Brasil Colônia” teve fim antes de 1815. O Atlas Histórico da Fundação Getúlio Vargas, por exemplo, afirma que o período colonial teve fim em 1808. A chegada da família real portuguesa teria dado fim à subordinação do Brasil a Portugal.
Para alguns historiadores, a designação de colônia é imprecisa até mesmo para se referir ao Brasil, mesmo no período pré-1808. Eles afirmam que, na verdade, o Brasil nunca foi colônia. Em vez disso, o Brasil era visto como uma extensão de Portugal, e os moradores do território brasileiro eram regidos pelas mesmas leis da metrópole.
O argumento é o de que o Brasil, já no século 16, foi reconhecido por Portugal como uma província de ultramar: ou seja, simplesmente parte do território português, assim como o Havaí é parte do território dos Estados Unidos.
O historiador Tito Lívio Ferreira (1894-1988), que foi professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, era um dos defensores dessa tese. Em 1967, em uma célebre conferência, ele lembrou que a origem do termo “colônia” é o Império Romano, e que lá os colonos não tinham a mesma liberdade dos habitantes da metrópole.
“Não se aplica ao Brasil, Estado do Império de Portugal, a palavra colônia, nem tão pouco os portugueses da Europa ou da América eram colonos. O colono romano vivia na condição de servo da gleba. Preso ao solo, não podia abandoná-lo, nem ser expulso dele. Com a terra passava ao novo dono dela. Esse regime de colonato jamais existiu nas terras da América Portuguesa”, comparou.
Ferreira acrescentou que a expressão “colônia” só passou a ser usada para se referir ao Brasil na metade do século 18, “por deficiência de vocabulário ou ignorância dos escritores”.
“Os portugueses de Portugal eram povoadores do Brasil-Lusitano, vinham povoá-lo e não o colonizar, porque o Brasil não era colônia. Todos os documentos, sem excepção, empregam o verbo povoar e o substantivo povoador ou morador da terra”, Ferreira resumiu.