Fenômeno das redes sociais (tem quase 2,5 milhões de seguidores apenas no Instagram), o pastor e especialista em aconselhamento familiar Rafael Nery acaba de estrear no mercado editorial.
Em ‘Famílias Indestrutíveis: O que Não lhe Ensinaram Sobre a Construção de um Lar‘, lançado pela editora Vida, ele propõe — por meio de versículos bíblicos, contextos teológicos e pensamentos filosóficos —, uma reflexão detalhada sobre o simbolismo do casamento.
Também explora as origens históricas do matrimônio e e seus fundamentos essenciais, como você lê no texto a seguir.
Desde tempos antigos, civilizações têm reverenciado o matrimônio como um alicerce fundamental na construção da sociedade; ele garante a perpetuação de gerações e a transmissão contínua de valores e costumes.
A partir de um casamento, forma-se uma nova família, e o próprio conceito de “formação” evoca a analogia de que, assim como a edificação de uma casa requer fundações firmes, a união matrimonial prospera sobre uma base robusta.
Diante disso, a passagem de Provérbios 24.3 passa a fazer ainda mais sentido: “Com sabedoria se constrói a casa [ou o matrimônio], e com discernimento se consolida” (grifo nosso).
Nas Escrituras Sagradas, deparamo-nos com famílias que deixaram uma marca na história humana e serviram como modelo e alicerce para a concretização do desígnio celestial sobre a Terra.
Observemos, por exemplo, a família de Abraão, o qual ascendeu ao estatuto de patriarca das nações e pai da fé; a linhagem de Jacó, cujo legado desabrochou nas doze tribos de
Israel; e Maria, agraciada com a inestimável missão de gestar o Filho de Deus e, junto a José, ter a honra de participar dos anos cruciais de formação do Cristo.
Relatos como estes, permeados por adversidades, conquistas e ensinamentos, salientam a centralidade do corpo familiar no grandioso plano do Senhor.
Uma reflexão acurada sobre o matrimônio chama-nos a discernir nosso papel nessa aliança. Não devemos ter como objetivo uma busca individual por felicidade e satisfação, afinal, uma vez que tal mentalidade egocêntrica instala-se em nossas relações, dá-se a gênese de inúmeras desilusões e até divórcios.
Em contraste, as Escrituras nos ofertam uma percepção esclarecedora sobre a unidade e generosidade que deve haver em cada lar, ao mesmo tempo em que sublinha a importância da confluência de almas e destinos.
O matrimônio ostenta uma dualidade propositiva: há uma dimensão íntima de interação entre os consortes e outra que se irradia ao universo exterior.
A primeira concentra-se na evolução conjunta e consolidação do vínculo; qualquer resquício de egoísmo é suprimido, à medida que o parceiro é estimado como uma joia preciosa e singular.
A dimensão externa, por sua vez, revela-se por intermédio da forma como o casal se entrelaça com o tecido social que o envolve. Desse modo, a aliança torna-se uma declaração pública de dedicação, afeto, compromisso e cooperação.
Ou seja, os pares são agraciados com a chance de se constituírem como exemplos para outrem e, dessa maneira, beneficiam gerações futuras e contribuem para a construção de comunidades mais coesas.
Em meio a tais dimensões de conexão pessoal e modelo social, o casamento acolhe a responsabilidade de procriar. E basta iniciarmos uma reflexão acerca da geração de descendentes para inevitavelmente sermos conduzidos à estrutura espiritual e emocional da maternidade.
Na epístola de Paulo a Timóteo, o significado de tal termo é desvendado da seguinte
maneira: “[…] a mulher será salva dando à luz filhos […]” (Timóteo 2.15).
É impressionante como, enquanto espera por um filho, a mulher repensa sua existência, reorganiza suas prioridades, renova seus desejos e reflete acerca dos cuidados que o pequeno demandará, além das alegrias e demais sentimentos que se revelarão com sua chegada.
Recordo-me de quando minha esposa deu à luz nosso primeiro filho. Ao longo do puerpério, eu pude constatar como todos os sofrimentos e renúncias — desafios emocionais e modificações fisiológicas — inerentes àquele período não representavam grande coisa para ela.
Diante da sagrada missão de bem criar aquele pequenino ser humano, tais sacrifícios pareciam diminutos. Posto isso, arrisco dizer que o amor materno é o que mais se parece com o que chamamos de divino, sobretudo por ser dotado de uma entrega sacrificial, esquecida de seuspróprios interesses.
Tanto a maternidade quanto a paternidade evocam entrega e abdicação profundas; os filhos são bênçãos do Céu que lapidam nossa humanidade e figuram como vínculos com
o porvir.
A posteridade de um indivíduo tende a refletir os valores e características de seus antecessores, bem como a projetar a memória deles para além de sua existência.
De fato, o casamento solidifica alicerces para as futuras gerações, afinal, quando os cônjuges dignificam a aliança que fizeram entre si, consequentemente provém a instrução e o modelo que seus filhos necessitam para também serem frutíferos e honrosos.
Portanto, quando reconhecemos e valorizamos a união conjugal como uma instituição sagrada, reafirmamos sua relevância nos âmbitos espiritual, social e cultural.
Essa aliança tem operado historicamente como um verdadeiro farol, que orienta a trajetória humana e instrui-nos acerca do amor abnegado, da fidelidade e do compromisso contínuo.
Ela nos serve como um eterno lembrete a respeito da forma com que somos convocados a interagir com o próximo e para com Deus.
O matrimônio estabelece uma ponte entre linhagens pretéritas, contemporâneas e futuras; ele representa um incessante apelo à transformação pessoal e ao desenvolvimento conjunto, tendo como inspiração o sagrado elo entre Cristo e a Igreja.
A busca paralela e complexa pela felicidade.
A felicidade é uma jornada e deve ser cultivada
Há uma busca paralela e complexa que permeia o mosaico da constituição familiar: o anseio pela felicidade.
As pessoas sempre procuraram ser felizes, e contrariando a concepção popular de que este é o destino ao qual se chega após determinadas conquistas, a felicidade se desvela na verdade como uma jornada, da qual um dos aspectos fundamentais é o apreço pelo próximo.
Em um mundo frequentemente marcado pelo individualismo exacerbado, torna-se fácil esquecer a importância da conexão humana.
Entretanto, é inegável que a interação e convivência com outras pessoas diferentes de nós e repletas de particularidades tem o poder de aperfeiçoar nosso caráter e renovar nossa visão de mundo, por mais desafiador que seja.
A felicidade, assim sendo, em vez de ser um mero troféu, é um estado d’alma a ser delicadamente cultivado por meio da empatia e do amor.
Na sua obra ‘A Descoberta do Outro’ (1944), Gustavo Corção [escritor e intelectual conhecido por sua influência no pensamento católico brasileiro] guia o leitor pelos mistérios da psique humana e revela que a compreensão do outro é um espelho para a descoberta de nosso próprio ser interior.
Corção discerniu que, até mesmo entre casados, a procura pela felicidade é uma constante. Contudo, muitos, de forma equivocada, vislumbram o matrimônio sob o prisma do benefício pessoal e geram expectativas irrealistas que culminam em insatisfação.
Jamais podemos demandar que alguém nos faça feliz. Esse estado é volátil e evanesce ao menor indício de tentativa de coação. No entanto, um caminho mais sutil e, paradoxalmente, mais eficiente para a sua conquista reside na abnegação.
[…] Há maior felicidade em dar do que em receber (Atos 20.35).
Em nosso cenário contemporâneo, repleto de imagens e retóricas que nos instigam a acreditar que a felicidade reside na acumulação material, bem como em outras aspirações egocêntricas, inúmeras pessoas sucumbem a tal ilusão e acabam encontrando-se à beira de um precipício de melancolia e vazio.
Não por acaso, a verdadeira felicidade é, frequentemente, encontrada naqueles cuja alegria está no ato de servir ao seu semelhante.
O conceito de “uma só carne”
Por essa razão, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e eles se tornarão uma só carne (Gênesis 2.24).
Como se sabe, as bodas simbolizam o momento a partir do qual duas vidas assumem o comprometimento de caminharem juntas, buscando uma harmonia em que a individualidade de um se entrelaça com a do outro. Cada parte deve ceder seu espaço autônomo para abraçar uma vivência compartilhada.
Na tradição hebraica, a terminologia “basar” [uma só carne] é um reflexo eloquente dessa concepção. Ao aludir à carne e à alma do ser, o termo evoca a intimidade física entre os cônjuges e ressalta a fusão espiritual e emocional que o matrimônio pode gerar.
Portanto, a compreensão do conceito “uma só carne” desvenda uma série de implicações práticas.
No estado de “basar”, as concepções de “eu” e “você” fundem-se em “nós”. Aspirações individuais se transformam em objetivos comuns, e decisões passam a ser tomadas visando o bem-estar conjunto.
O matrimônio instiga uma reinterpretação dos padrões da vida autônoma. Gradualmente, ideias como “meu dinheiro” ou “meu tempo” transmutam-se para “nosso dinheiro” e “nosso tempo”.
Além do mais, o espectro emocional torna-se comunitário: ambos celebram quando um se alegra; e, se um lamenta, ambos compartilham do pesar. Com o tempo, é natural que o casal alinhe seus gostos, aversões e valores fundamentais.
Tal ligação, que após anos de convivência pode culminar na escolha do mesmo restaurante ou até na defesa de valores semelhantes, é a manifestação de uma sincronia na interpretação do mundo ao redor; afinal dois não caminham juntos a menos que estejam de acordo (cf. Amós 3.3).
Em outras palavras, não é viável que casais apresentem grandes divergências em suas aspirações e perspectivas. Pelo contrário, é crucial chegarem a um denominador comum, ou seja, que suas bases se encontrem bem ajustadas.
Mais do que meramente coexistir, marido e mulher necessitam de alinhamento quanto à percepção do que é esteticamente belo, moralmente puro e intrinsecamente bom.
A noção de transformar-se em “uma só carne”, conforme citada em Gênesis 2.24, expressa uma profundidade afetiva e realça a necessidade de se desvincular, ainda que parcialmente, de laços familiares anteriores, o que não sugere um corte abrupto ou total dessas conexões, mas um reajuste de prioridades.
A partir do momento em que um homem e uma mulher se unem sob a aliança do casamento, é vital que estabeleçam sua própria identidade conjugal, a qual requer certamente a criação de novos limites, em especial com os familiares que
antes eram os mais próximos, como pai e mãe.
Esse processo, longe de ser uma renúncia, é na verdade um fortalecimento da nova relação, que passa a ser construída sobre um fundamento sólido e independente.
Muitos casais, mesmo estando intimamente ligados, preservam resquícios palpáveis de suas conexões precedentes, o que pode relegar o elo matrimonial a um plano secundário.
Essa dinâmica torna-se perceptível, por exemplo, quando um homem mantém um vínculo mais estreito com sua mãe do que com sua esposa.
A dependência, seja de cunho emocional ou financeiro em relação à família de origem, pode comprometer as decisões conjuntas de um casal, submetendo-o a interferências externas.
Embora pai e mãe sejam fontes imprescindíveis de afeto e orientação na vida, é importante que cada nova família reconheça a necessidade de estabelecer suas próprias prioridades e obterem autonomia.
Essa priorização não se restringe apenas às relações mencionadas, mas estende-se à interação com os próprios filhos.
Quando observamos o amor incondicional que pais nutrem por suas crianças, torna-se plenamente justificável a dedicação, de corpo e alma, ao bem-estar e crescimento delas. No entanto, o cônjuge nunca deve ser deixado em segundo plano, visto que ambos, juntos, constituem a base do lar.
Podemos imaginar a relação marital como o alicerce inabalável de uma árvore, ao passo que os descendentes representam os frutos que ela produz. É necessário que o sustentáculo receba os devidos cuidados para que o todo não se debilite ou, em situações extremas, sucumba.
Os filhos, por sua natureza, amadurecerão e trilharão caminhos com as novas gerações que edificarão; quando esse momento chegar, o que permanecerá é o laço entre o casal, a raiz que os originou.
O casamento, portanto, demanda uma recalibração meticulosa de prioridades em que marido e mulher são consagrados como uma entidade central e autônoma, sem insinuar reclusão ou marginalização de vínculos significativos preexistentes.
A união entre os cônjuges deve resplandecer, ocupando uma posição elevada, e ambos precisam respeitar o mandamento sagrado de se tornarem “uma só carne”.
É por essa razão que faz todo o sentido encararmos a aliança matrimonial como uma jornada de purificação, na qual ambos os cônjuges cooperam para um refinamento recíproco, espiritual e emocional.
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