Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Envelhecer bem

Campo ou cidade? O que a ciência diz sobre o melhor lugar para se aposentar

Estudo e especialistas explicam se é melhor viver no campo ou na cidade.
Estudo e especialistas explicam se é melhor viver no campo ou na cidade. (Foto: Ale | Unsplash)

Ouça este conteúdo

O Censo Demográfico de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que muitos brasileiros têm trocado o barulho do trânsito pelo canto dos pássaros. Pela primeira vez, mais pessoas saíram de São Paulo do que mudaram para o estado. Enquanto isso, a região Centro-Oeste, conhecida pela atuação agrícola, recebeu boa parte do fluxo migratório paulista.

Embora o centro econômico e financeiro continue no eixo Rio-São Paulo, a escolha de estados como Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul para morar pode ter relação com a busca por maior qualidade de vida. Esse é o caso da dona de casa Elizabeth Michelan Braga, de 60 anos, que decidiu sair de São Paulo e morar em Mato Grosso.

“A gente mudou do conforto da cidade, que tinha tudo perto, rodovias melhores, médicos mais próximos, por causa da qualidade de vida. Também pensamos muito no meu filho, que se sentiu melhor aqui”, explica Elizabeth.

Campo ou cidade? Especialistas explicam onde é melhor para viver.Elizabeth Michelan Braga e seu marido, Pedro Sergio Braga, que escolheram o campo para viver e encontraram tranquilidade. (Foto: Arquivo Pessoal)

Atualmente, Elizabeth mora no município de Água Boa (MT). A decisão de mudar para o interior mato-grossense surgiu por iniciativa do marido, o comerciante Pedro Sergio Braga. Ele conheceu a cidade durante uma viagem de pesca com os amigos.

VEJA TAMBÉM:

Casal sentiu os benefícios de morar no campo

Em busca de qualidade de vida, Braga decidiu mudar de setor e comprou uma fazenda para morar em Água Boa. Há mais de cinco anos no estado, a família sentiu benefícios em viver no campo.

“A qualidade de vida melhorou bastante desde a mudança, porque aqui tem muito verde. Na fazenda que moramos dá para caminhar próximo às árvores, não tem aquele tumulto, correria de gente e estresse, foi ótimo”, contou.

Apesar do sentimento de Elizabeth, não há consenso entre pesquisadores sobre a escolha entre a cidade ou o campo.

Dois grandes estudos internacionais apontam conclusões opostas, e especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo afirmam que o segredo da longevidade não está apenas no CEP, mas no estilo de vida e no acesso a cuidados de saúde.

Um levantamento publicado na International Journal of Environmental Research and Public Health, analisado pela emissora PBS, mostra que homens de 60 anos que moram em áreas rurais dos Estados Unidos vivem, em média, dois anos a menos se comparados aos que moram nas cidades. Entre as mulheres, a diferença é de seis meses.

Porém, a doutora Thais Ioshimoto, geriatra do Hospital Israelita Albert Einstein, explica que os idosos do local onde foi realizado o estudo não se preocupavam com a saúde.

“As pessoas que viviam nessas áreas rurais tinham maior prevalência de tabagismo, obesidade, pressão alta e doenças do coração. Então, provavelmente essas pessoas viveram menos devido a esses fatores de risco”, disse Ioshimoto.

Estudo compara campo com cidade

A mesma pesquisa indica que, se os níveis educacionais nas áreas rurais se igualassem aos das cidades, quase metade dessa diferença desapareceria — o que reforça a importância da educação e da renda como determinantes de saúde. Isso ocorre porque uma pessoa com diploma de bacharel pode estar mais disposta a seguir recomendações médicas, como malhar 150 minutos por semana e comer vegetais.

Por outro lado, uma pesquisa publicada na plataforma ScienceDirect mostra que viver em bairros mais verdes está associado a comportamentos mais saudáveis e maior estimativa de vida. O estudo foi realizado com mais de 18,8 mil adultos em 18 países.

Um levantamento do governo britânico diverge ainda mais do estudo norte-americano: pessoas nascidas em áreas rurais tendem a viver 2,5 anos a mais do que as nascidas em áreas urbanas. Porém, os hábitos desses moradores se opõem aos dos ruralistas norte-americanos.

“No estudo da Inglaterra, quem vivia no campo tinha 13% menos propensão a ser fumante e 31% menos propensão a ingerir bebidas alcoólicas diariamente, que são dois fatores de risco importantes para o aumento da mortalidade”, destaca Thais Ioshimoto.

Campo tem mais benefício à saúde física

Entre os benefícios do campo, a geriatra cita o ar mais limpo e a menor exposição à poluição atmosférica, já comprovadamente associada a doenças respiratórias e cardiovasculares.

“Viver no campo traz um fator protetor, que é o ar mais puro. Hoje sabemos que a poluição do ar é um fator de risco para doenças, inclusive para o desenvolvimento de demências. Além disso, há também o estresse gerado pelas grandes cidades, como o trânsito e a poluição sonora”, detalha a geriatra do Hospital Albert Einstein.

O contato com a natureza, segundo ela, tem efeitos biológicos mensuráveis. “Caminhar em meio a uma floresta reduz a inflamação no organismo. Ainda não sabemos qual o mecanismo exato, mas os benefícios são comprovados”, explica.

Os mesmos fatores que tornam o campo mais tranquilo podem se tornar armadilhas na velhice. A dificuldade de acesso a médicos, hospitais e exames preventivos compromete o diagnóstico precoce de doenças crônicas — uma das razões pelas quais a expectativa de vida rural é menor em alguns países, inclusive apontada pelo estudo norte-americano.

“A falta de acesso a médicos e hospitais pode limitar a longevidade. Hoje muitas doenças podem ser prevenidas com exames de rastreio. Um estilo de vida saudável é importante, mas não substitui a necessidade de exames preventivos”, alerta Ioshimoto.

Acesso a cuidados médicos no campo

A geriatra do Albert Einstein recomenda que idosos com doenças graves ou que demandam acompanhamento especializado vivam próximos aos grandes centros, onde há maior oferta de serviços médicos e cuidadores.

Outros fatores determinantes para a escolha entre a cidade ou o campo são a saúde mental e emocional. Idosos que moram próximos da família e de amigos podem sofrer mais com uma possível mudança para o interior.

E o que pode ser libertador e relaxante para alguns pode ser desafiador para outros. A psicóloga Bianca Batista, do Espaço Einstein de Saúde Mental, explica que a qualidade de vida emocional pesa mais que a geografia.

“Depende menos do lugar e mais do modo de viver. O contato com a natureza pode reduzir o estresse, mas se a mudança for acompanhada de isolamento social, falta de propósito ou ruptura de vínculos afetivos, o efeito pode ser o oposto”, analisa Bianca Batista.

Segundo a psicóloga, a aposentadoria é uma transição de identidade. “A pessoa deixa papéis profissionais e precisa reconstruir uma rotina de sentido. Quando há uma mudança de ambiente junto, o cérebro enfrenta um duplo desafio: se adaptar ao novo espaço físico e redefinir hábitos diários.”

Nos primeiros meses, é comum sentir ansiedade, vazio e perda de pertencimento, até que uma nova rede social seja criada, com novas amizades, atividades e objetivos.

Batista destaca que os estudos sobre as chamadas Blue Zones, regiões do planeta onde as pessoas vivem mais e melhor, têm um ponto em comum: a força dos vínculos comunitários.

“Mais do que o local, é a qualidade dos vínculos sociais que protege a saúde mental e física. Pertencer a um grupo, sentir-se útil e ter com quem compartilhar o dia a dia reduz o risco de depressão, melhora a imunidade e até aumenta a expectativa de vida”, diz Bianca Batista.

Isolamento do campo pode ser prejudicial

A Universidade de Cambridge publicou um relatório da Suécia que mostra que idosos com mais de 65 anos apresentaram melhor funcionamento cognitivo ao participar ocasionalmente de atividades culturais. O estudo indica que o estímulo cultural - como fácil acesso a museus, galerias e exposições - melhora a saúde emocional.

“O isolamento é tão prejudicial à saúde quanto fumar 15 cigarros por dia, segundo estudo clássico da Universidade de Harvard. O fator central é a conexão, não o CEP”, explica a psicóloga.

Segundo Thais Ioshimoto, escolher onde envelhecer exige ponderar não só qualidade ambiental, mas também infraestrutura, acesso à saúde e rede de apoio.

A geriatra sugere um checklist:

  • Acesso a serviços médicos e de emergência;
  • Proximidade de cuidadores e familiares;
  • Acessibilidade da moradia (sem escadas, com pisos antiderrapantes); e
  • Espaços para atividade física e lazer.

“Quem tem doenças graves precisa estar perto dos grandes centros, onde o atendimento é mais rápido e especializado”, reforça a geriatra.

Ioshimoto destaca que não há, cientificamente, uma resposta sobre onde é melhor viver, no campo ou na cidade. Porém, o consenso entre os especialistas é claro.

“O envelhecimento saudável está muito mais em como viver do que em onde viver. O segredo está nas pequenas práticas sustentáveis do dia a dia: comer com moderação e de forma natural, cultivar vínculos e propósitos, manter a curiosidade e a esperança, viver com ritmo, e não com pressa”, completa a psicóloga.

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.