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Escalada autoritária

Como estão os brasileiros da direita que saíram do país para fugir de perseguição judicial

Alexandre de Moraes: a maioria dos inquéritos envolvendo exilados da direita foi conduzida pelo ministro do STF
Alexandre de Moraes: a maioria dos inquéritos envolvendo exilados da direita foi conduzida pelo ministro do STF (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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A lista de brasileiros que deixaram o país alegando sofrer perseguição judicial não para de crescer. Neste ano, esse quadro foi ampliado com os nomes de dois deputados federais da direita: Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Alexandre Ramagem (PL-RJ).

A eles se juntam jornalistas, influenciadores e manifestantes do 8 de janeiro. Estes últimos, segundo a associação que os representa, somam cerca de 500 — espalhados por países como Estados Unidos, Argentina, Polônia, Itália e Paraguai.

A decisão de deixar o Brasil, nesses casos, ocorreu após medidas judiciais que incluíram o bloqueio de contas bancárias e redes sociais, o cancelamento de passaportes, prisões preventivas e condenações. A maior parte das investigações foi conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes em inquéritos do STF.

Veja a seguir algumas das situações mais conhecidas e suas atualizações.

Eduardo Bolsonaro

O deputado federal licenciado deixou o Brasil no dia 18 de março deste ano e passou a morar nos Estados Unidos. Ele afirmou buscar proteção contra um possível “bote” da Procuradoria-Geral da República (PGR) e justificou a viagem como licença sem remuneração para atuar no exterior. O período de afastamento permaneceu válido até 20 de julho.

Em outubro, o Conselho de Ética decidiu arquivar o processo que pedia a cassação de seu mandato. Com isso, a Câmara formalizou a manutenção do cargo, preservando sua remuneração e a estrutura de gabinete. Apesar disso, como sua licença terminou e ele continua fora do país, Eduardo Bolsonaro pode perder o mandato por faltas, conforme prevê o regimento interno da Casa.

Durante sua permanência no exterior, ele tem articulado com autoridades dos EUA sanções contra integrantes do governo e do Judiciário brasileiros, sobretudo contra o ministro Alexandre de Moraes.

Diante dessas iniciativas, a PGR abriu inquérito e o acusa de coação no curso do processo, obstrução de investigação e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito — já que as sanções pedidas atingiriam membros do Judiciário, da Polícia Federal e da própria PGR, incluindo bloqueio de bens e cassação de vistos nos EUA.

O parlamentar exilado chegou a votar na sessão conjunta do Congresso do último dia 27, que analisou a derrubada de vetos presidenciais. No entanto, logo após o registro, os votos lançados por Eduardo Bolsonaro no sistema foram anulados.

Alexandre Ramagem

O deputado federal e ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) deixou o Brasil rumo aos Estados Unidos em setembro, ainda durante o julgamento no qual foi condenado pela suposta tentativa de golpe de Estado.

A condenação — imposta pela Primeira Turma do STF no dia 11 daquele mês — fixou pena de 16 anos, um mês e 15 dias de prisão em regime fechado pelos crimes de organização criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.

Em um vídeo publicado já nos Estados Unidos, Ramagem afirmou estar “seguro” no país e disse ter a “anuência” do governo americano para sua estadia. O STF já o considera foragido.

Além disso, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), proibiu a votação eletrônica por deputados que estejam no exterior, exceto em missões oficiais. Com a vedação, Ramagem pode perder o mandato em 2026.

Eduardo Tagliaferro

Ex-chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Tagliaferro deixou o Brasil após expor mensagens internas e procedimentos adotados no gabinete de Alexandre de Moraes. As divulgações incluíam conversas e relatórios produzidos fora do rito formal, utilizados para perseguir perfis de direita em inquéritos de desinformação.

Depois de revelar o conteúdo, ele partiu para a Itália e decidiu morar no país enquanto avançavam as investigações. Eduardo Tagliaferro foi indiciado por violação de sigilo funcional e denunciado por crimes como obstrução de investigação e coação no curso do processo.

Em seguida, teve o pedido de extradição formalizado e passou a responder ao processo no exterior, onde autoridades locais retiveram seu passaporte e impuseram restrições de deslocamento.

No último dia 13, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal aceitou a denúncia e tornou Tagliaferro réu por unanimidade. Ele permanece na Itália sob medidas restritivas enquanto aguarda a decisão sobre a extradição e o prosseguimento da ação penal no STF.

Réus do 8 de janeiro

A advogada Carolina Siebra, representante da Associação de Familiares e Vítimas do 8 de Janeiro (Asfav), afirma que ainda não há um levantamento preciso sobre quantas pessoas deixaram o Brasil para evitar a prisão. Mesmo assim, a entidade trabalha com a estimativa de “cerca de 500”, espalhadas por países como Argentina, Polônia, Itália, Estados Unidos e Paraguai.

Para Carolina, esses brasileiros podem, sim, ser considerados exilados. Ela afirma que eles “estão com processos em tramitação nos respectivos países”, lembrando que cada governo possui os próprios ritos para analisar pedidos de refúgio ou asilo.

A advogada também diz que alguns desses processos já avançaram em instâncias oficiais. Segundo ela, “há notícias de recebimento formal de asilo na Polônia e nos EUA” — o que indica que essas pessoas não estão em situação migratória irregular.

De acordo com Carolina Siebra, o retorno seguro dos manifestantes depende de mudanças jurídicas no Brasil. “A esperança para eles”, ela diz, seria uma eventual anistia, revisão das penas ou mesmo a “abolição dos crimes”.

A advogada explica que a Asfav reúne “600 famílias associadas”, todas de réus, e atua em três frentes — “política, jurídica e social” —, oferecendo assistência apenas para quem solicita e não tem condições de pagar.

Monark

Para tentar asilo político, o influenciador e youtuber Bruno “Monark” Aiuv deixou o Brasil em setembro de 2023 e foi para os Estados Unidos. Ele era alvo de dois inquéritos no STF conduzidos por Alexandre de Moraes e de um processo criminal movido por Flávio Dino, à época ministro da Justiça.

Depois de quase dois anos no exterior, Monark voltou ao país em julho deste ano. Atualmente mora em São Paulo e tenta comprovar judicialmente que as acusações contra ele violam a lei e a liberdade de expressão, já que todas envolvem falas públicas na internet.

Em um dos processos, Monark foi condenado em primeira instância a um ano de prisão por chamar Flávio Dino de “gordola autoritário” em um podcast. A defesa recorreu, e o caso segue em tramitação.

Ele também permanece investigado por suposta incitação aos atos violentos do 8 de janeiro devido uma publicação no X (embora o relatório final da Polícia Federal não cite seu nome). Em outro inquérito, o influenciador responde por supostamente disseminar fake news sobre o processo eleitoral de 2022, ao questionar a lisura das urnas eletrônicas e criticar ministros do STF e do TSE.

Durante sua temporada no exterior, Monark teve todos os seus canais digitais bloqueados por ordem de Moraes e foi multado em R$ 300 mil, o que afetou diretamente sua renda. Somando multas e custos jurídicos, ele afirma ter gasto mais de R$ 1,3 milhão para se defender.

O influenciador conta que decidiu retornar após ter o pedido de Green Card negado e por não ter conseguido se adaptar à vida nos EUA. Segundo Monark, as ações judiciais continuam prejudicando sua rotina e vida profissional.

Jornalistas

Allan dos Santos vive nos Estados Unidos desde julho de 2020. O fundador do “Terça Livre” deixou o Brasil após virar alvo de inquéritos abertos por Alexandre de Moraes — que o acusa de calúnia, difamação, incitação ao crime e organização criminosa por críticas feitas ao Tribunal nas redes sociais.

Em outubro de 2021, Moraes determinou sua prisão preventiva, pediu sua extradição e solicitou sua inclusão na lista da Interpol, mas a organização recusou o pedido.

Representantes do FBI informaram autoridades brasileiras que a extradição não seria possível, pois as falas do jornalista estão protegidas pela legislação americana. A posição irritou autoridades brasileiras e reforçou a diferença de interpretação sobre liberdade de expressão. Em 2023, Allan também virou réu por críticas ao ministro Luís Roberto Barroso.

Situação semelhante atingiu os jornalistas Rodrigo Constantino e Paulo Figueiredo, que já viviam nos EUA quando foram alcançados por decisões de Moraes no inquérito das fake news, em janeiro de 2023. Ambos tiveram passaportes cancelados, contas bancárias bloqueadas e perfis nas redes sociais banidos. Durante meses, sequer tiveram acesso ao motivo das punições, já que o processo estava sob sigilo.

O jornalista Oswaldo Eustáquio também deixou o Brasil após sucessivas decisões do STF. Ele fugiu em dezembro de 2022, após um mandado de prisão, e hoje vive na Espanha, onde pediu asilo político.

Sua primeira prisão ocorreu em 2020, quando Moraes o apontou como responsável por impulsionar o “extremismo de polarização” contra o STF e o Congresso no inquérito dos atos antidemocráticos.

Ludmila Lins Grilo

Aposentada compulsoriamente, a juíza Ludmila Lins Grilo vive nos Estados Unidos desde 2022. Citando decisões disciplinares, pressões institucionais e investigações sobre suas manifestações públicas, ela afirma ter se tornado alvo de perseguição política e jurídica no Brasil.

Neste ano, Ludmila voltou ao noticiário após o Conselho Nacional de Justiça confirmar sua aposentadoria compulsória pela segunda vez. O julgamento, conduzido por Luís Roberto Barroso em sessão virtual, apontou que ela havia se tornado “revel” (quando a pessoa não é localizada ou deixa de responder ao processo).

O caso tratava de comentários públicos feitos sobre autoridades do Judiciário, especialmente críticas ao STF e ao sistema disciplinar da magistratura.

Mesmo no exterior, Ludmila manteve forte atuação pública e ampliou sua presença digital. Passou a relatar a rotina do exílio, denunciar o que considera uma escalada autoritária no Judiciário e afirmar que colegas juízes e membros do Ministério Público vivem sob medo de represálias. Em suas declarações, diz que seu caso se tornou um exemplo usado para intimidar vozes dissidentes.

Nos Estados Unidos, sua vida profissional tomou novos rumos. Ela abriu uma empresa voltada ao setor de imigração, oferecendo suporte a processos de vistos para brasileiros, portugueses e espanhóis, além de ministrar cursos online sobre temas jurídicos e liberdade de expressão.

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Conteúdo editado por: Omar Godoy

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