Embora todas as pesquisas de opinião sobre aborto realizadas nos últimos anos mostrem sem a menor sombra de dúvida que a maioria dos brasileiros se opõe à legalização da prática, a posição da maior parte dos grandes veículos de comunicação no país é implícita ou explicitamente favorável à interrupção voluntária da gravidez, algumas vezes defendendo o aborto livre até em editoriais e chegando ao nível de militância pelo tema. Essa discrepância não chega a ser novidade para nenhum analista ou interessado pelo assunto, mas não são muitos os que conhecem o amplo leque de causas que geram o efeito de coberturas majoritariamente hostis à posição pró-vida.
Somadas às razões mais óbvias, como o aparelhamento ideológico das faculdades de jornalismo ou a cultura de “espiral do silêncio” que impera em muitas redações, pressionando para que discordantes não se manifestem, há o sedutor incentivo dos recursos nada desprezíveis provenientes de organizações estrangeiras interessadas em expandir a cultura do aborto por todo o Ocidente. Essas entidades milionárias sabem que a imprensa, quando age de modo homogêneo, é capaz de produzir a ilusão do consenso social, levando muitas pessoas a crerem que um ato objetivamente hediondo, como o de matar um bebê em gestação no útero materno, pode se tornar aceitável.
É claro que a liberdade de expressão na internet tem dificultado o êxito dessa estratégia, ao menos na opinião pública, mas, mesmo assim, a rica indústria de promoção do aborto nunca deixou de tentar e o dinheiro nunca parou de vir.
O Instituto Patrícia Galvão, por exemplo, é uma das entidades mais engajadas para que a legalização do aborto seja defendida e adotada como padrão pela imprensa brasileira. A ONG se apresenta como uma “organização feminista que desde 2001 atua de forma estratégica na articulação entre as demandas pelos direitos das mulheres e a visibilidade e o debate público sobre essas questões na mídia”. Sua rotina profissional seria a de dar “suporte para jornalistas e comunicadores na divulgação dos direitos das pautas das mulheres”. O instituto envia frequentemente sugestões de pautas, promove pesquisas de opinião e organiza eventos.
Em setembro do ano passado a ONG lançou a publicação ‘Saúde sexual e reprodutiva das mulheres: um guia para compreender e comunicar melhor’, material produzido em parceria com o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), entidade apresentada no material como “a agência de saúde sexual e reprodutiva das Nações Unidas”.
O guia é destinado principalmente a profissionais de comunicação e pretende ajuda-los a “comunicar com qualidade sobre saúde sexual e reprodutiva”, incluindo o aborto nesse conceito. A publicação traz um capítulo inteiro dedicado ao tema, no qual é revelada a preocupação do instituto com a imagem ruim que o aborto tem na sociedade brasileira. Em determinado trecho, o texto alerta aos jornalistas que “o uso de linguagem e imagens estigmatizantes e inadequadas contribui para perpetuar e fortalecer o estigma do aborto na sociedade”. Nesse ponto não há especificação do que seria “inadequado”, mas a tabela que vem em seguida é de uma clareza ímpar.
O que evitar e preferir
Nele, é recomendado aos jornalistas que evitem termos como “bebê” ou “criança não nascida” ao falar de aborto. Ao invés disso, os profissionais aprendem que devem preferir o uso de “embrião” – termo que para o instituto deve ser usado até a décima semana de gestação – ou “feto”, quando a gravidez passar das 10 semanas. Na justificativa, a ONG é enfática ao afirmar que “o embrião ou feto não é um bebê”. Em seguida, ao ensinar os jornalistas a escreverem sobre os bebês que acabaram de ser abortados por suas mães, o guia pondera que “ao se tratar do tecido examinado após um aborto cirúrgico, o termo apropriado é ‘produto da concepção’.
Quem segue o guia do Instituto Patrícia Galvão também aprende a evitar o uso de “imagens de mulheres visivelmente grávidas” ao falar de aborto. Segundo a ONG, “se a intenção é mostrar uma gravidez”, o preferível seria “uma imagem de um teste de gravidez positivo”.
Outros termos inclusos na lista dos que devem ser evitados pela imprensa ao tratar de aborto são “mãe”, que nessa circunstância pode ser substituído por “mulher grávida”, e “pai”, cujo substituto adequado seria “genitor ou companheiro de uma mulher grávida”. A explicação para essa inusitada substituição é a de que o uso de “pai” e “mãe” incorreria no erro de “informar incorretamente que o feto é uma criança” – como se só fosse possível ser pai e mãe de crianças. Além disso, diz a ONG, durante a gravidez o uso dessas palavras “é carregado de valores e impõe papéis para essa mulher ou homem, que podem não ser condizentes com suas decisões”.
A lista é extensa e pode ser conferida em sua totalidade nas imagens a seguir:
Para o filósofo, colunista da Gazeta do Povo e autor do livro ‘Contra o Aborto’ (Record, 2017) a lista de recomendações com “evite” e “prefira” se assemelha em muito à novilíngua descrita na obra 1984, de George Orwell, configurando uma espécie de engenharia da linguagem. “É uma bizarrice, como se estivessem criando o dicionário de uma novilíngua para mudar a forma do pensamento. Tentam empobrecer a linguagem, como se a linguagem empobrecesse a realidade, mas no fundo o que a mudança de linguagem empobrece é só o pensamento, que permite contradições dessa natureza”. Para Razzo, os autores do documento se preocupam em lapidar as palavras, mudar os efeitos que o idioma tem, de forma que se aceite o aborto como liberdade. “Tratam do aborto como se ele não fosse algo necessariamente pernicioso e perverso, como se não se tratasse da interrupção consciente de uma vida em gestação, de alguém que morrerá”, destaca Razzo.
Financiamento estrangeiro
Outro estudioso do tema a analisar o material foi Marlon Derosa, organizador do livro ‘Precisamos falar sobre aborto: mitos e verdades’ (Estudos Nacionais, 2020) que reúne artigos de médicos, juristas e outros profissionais que lidam com o assunto. Para ele, a cartilha é um instrumento do lobby internacional pelo controle populacional. Derosa explica que o UNFPA, parceiro do instituto, investe mais de 80% de seu capital em ações de 'direitos reprodutivos' e 'gênero', pautas que geram menor natalidade. “O nome do fundo já diz que o problema é a "população" e não os direitos das mulheres. A narrativa de direitos é apenas o slogan que oculta o objetivo de reduzir a natalidade dos países pobres".
De fato, conforme consta no site do UNFPA, só em 2020, por exemplo, foram investidos 45,4 milhões de dólares em programas na América Latina e Caribe, 80% deste nos programas de 'saúde sexual e reprodutiva' e 'gênero' que incluem políticas públicas para facilitação do acesso ao aborto. Para Derosa, é nesse contexto que deve ser lida a publicação do Instituto Patrícia Galvão, que pretenderia “guiar os jornalistas de setores da mídia para evitar a humanização do bebê, a partir de eufemismos, palavras mais palatáveis ao público leigo, e assim, tornar o aborto uma agenda aceita. Ou seja, desejam obscurecer as coisas”.
A UNPFA não é a única entidade estrangeira promotora do aborto a firmar parceria com o Instituto Patrícia Galvão no Brasil. Em reportagem publicada em julho de 2021, a Gazeta do Povo revelou que a ONG recebeu da norte-americana Fundação Ford o valor de aproximadamente US$ 1,3 milhão, equivalente a R$ 6,43 milhões na cotação atual.
A Fundação Ford tem notória predileção pelo financiamento de projetos ideologicamente progressistas, como a legalização do aborto. No Brasil, além do Instituto Patrícia Galvão, a entidade também já financiou a ONG Católicas Pelo Direito de Decidir, entidade que, apesar do nome, não tem nenhum vínculo formal com a Igreja Católica e age de modo diretamente contrário àquilo que a doutrina católica ensina sobre o aborto. A entidade recebeu doações em quatro anos distintos (2007, 2008, 2010 e 2015), totalizando US$ 900 mil o total de recursos recebidos da fundação norte-americana.
Outra instituição intensamente envolvida com a ampliação das clínicas de aborto no mundo a manter parceria com o Instituto Patrícia Galvão é a International Planned Parenthood Federation (IPPF). A Planned Parenthood ganhou manchetes em sites de todo o mundo em 2015 devido a um escândalo no qual foram divulgadas gravações em que representantes da instituição vendiam clandestinamente órgãos de fetos abortados.
Reportagens pró-aborto
Em 2018, com apoio de mais uma organização internacional, dessa vez a Global Health Strategies, o Instituto Patrícia Galvão promoveu uma espécie de prêmio de jornalismo para pautas que apresentassem de modo positivo a legalização do aborto no Brasil. A linguagem escolhida pela ONG para explicar a proposta foi a de que se tratava do apoio a “propostas de reportagens investigativas sobre a problemática do aborto no Brasil com ângulos ainda pouco explorados, oferecendo a jornalistas oportunidades para investigar, pesquisar a fundo, apurar dados, consultar especialistas e desenvolver conteúdos instigantes e de interesse público sobre o tema.”.
O edital prometia financiar o projeto de reportagem, ou seja, daria dinheiro para que fossem produzidas. As cinco melhores propostas receberiam o valor de até R$ 10 mil reais cada. Posteriormente, o instituto noticiou ter recebido em torno de 200 propostas de jornalistas de todo o país. Os jornalistas que tiveram suas propostas selecionadas teriam assinado um contrato de entrega de produto no qual estariam definidos os direitos e responsabilidades das partes envolvidas.
Na manhã do dia 28 de abril a reportagem entrou em contato com o Instituto Patrícia Galvão, informando que o mesmo seria citado nessa matéria e convidando algum representante da instituição a participar, respondendo a perguntas da Gazeta do Povo. Não houve retorno por parte da entidade até o fechamento do texto.
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