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Décadas perdidas: pobreza mental e o legado dos governos Lula e Dilma

Lula e Dilma: um legado desastroso para o Brasil.
Lula e Dilma: um legado desastroso para o Brasil. (Foto: EFE/André Coelho)

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A retórica do "Brasil que avança" e da "inclusão social" marcou a era dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011 e 2023-presente) e Dilma Rousseff (2011-2016). No entanto, por trás do aparente brilho do boom das commodities e da expansão de programas sociais, escondeu-se uma miopia estratégica e uma série de equívocos estruturais que, longe de pavimentar um caminho de desenvolvimento robusto, gestaram o embrião de uma crise socioeconômica sem precedentes e perpetuaram as vulnerabilidades crônicas do país.

A análise fria dos fatos e dos dados estatísticos revela que as políticas implementadas, embora tenham, de forma paliativa, aliviado a pobreza imediata, sacrificaram a resiliência econômica, a produtividade, a competitividade e, fundamentalmente, a capacidade de o Brasil superar sua intrínseca "pobreza mental" e a dependência da "mentalidade da escassez".

A prisão invisível: a pobreza mental e o contexto brasileiro

Para além dos indicadores de renda e consumo, a pobreza tem uma dimensão psicológica profunda. Viver sob escassez contínua e incerteza gera um "modo mental" de urgência que condiciona comportamentos e expectativas: decisões são tomadas no curto prazo, a tolerância ao risco é baixa e a capacidade de planejamento estratégico é severamente comprometida. 

 Os economistas austríacos Eugen von Boehm-Bawerk e Carl Menger elaboraram sobre o conceito de preferência temporal para descrever, em termos gerais, o gradiente decisório de curto e longo prazos: a alta preferência temporal é indicativa de decisões que descontam o futuro em benefício do presente, ou seja, priorizam o imediatismo; a baixa preferência temporal, por sua vez, caracteriza o desconto do presente em benefício do futuro, e é comumente observada em construções sociais, econômicas e políticas que planejam visando ao longo prazo. 

Contemporaneamente, o economista jordaniano Saifedean Ammous argumenta, em seu Principles of Economics, que a baixa preferência temporal é indissociável da ideia de avanço civilizacional, já que a armadilha curto-prazista da alta preferência temporal impede que os agentes escapem às premências imediatistas da subsistência, e permaneçam, portanto, em um estado de privação material, cultural e intelectual.  

Estudos em neurociência social indicam que o estresse financeiro crônico pode causar queda na capacidade cognitiva (em até 13 pontos de QI), afetando funções executivas como o controle de impulsos e o pensamento de longo prazo. No Brasil, essa "pobreza mental" não é uma falha individual, mas uma resposta adaptativa a um ambiente sistêmico de restrição e risco, que se torna ainda mais arraigado pela fragilidade das instituições e pela falta de perspectivas duradouras.

Este é o pano de fundo de um país que, com um índice de Gini – que varia de 0 (igualdade perfeita) a 100 (desigualdade extrema) – em torno de 53,4 pontos em 2025, figura entre os nove mais desiguais do mundo, ao lado de potências econômicas como República Centro-Africana, Zâmbia e Eswatini, anteriormente conhecida como Suazilândia.

A concentração de renda em terras tupiniquins é obscena: enquanto o 0,1% mais rico dobrou seus ganhos nos últimos três anos, os 95% mais pobres mal viram sua renda superar a inflação. A informalidade no mercado de trabalho, que atinge cerca de 40% da força de trabalho, significa milhões de pessoas sem proteção social, vivendo à mercê das flutuações econômicas.

A situação não para de piorar. Dados da Universidade Federal de Minas Gerais revelam que, entre dezembro de 2023 e agosto de 2025, o número de moradores de rua mais do que dobrou, saltando de 160 mil para 345 mil pessoas, um aumento de 116%. Da mesma forma, indicador de Inadimplência levantado pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) aponta que 42,01% dos brasileiros adultos estavam negativados em março de 2025, o que representa mais de 69 milhões de consumidores, índice recorde que registra salto de quase 4% em relação ao já elevadíssimo índice anotado em março de 2024.

Esse ambiente de insegurança permanente atua como solo fértil para a perpetuação da "mentalidade da escassez" e para a primazia da alta preferência temporal, no âmbito das quais a energia mental é consumida pela sobrevivência diária, impedindo a visualização e a construção de um futuro melhor.

A ilusão do crescimento e a "nova matriz" que desmantelou o futuro e a psicologia coletiva

Os anos Lula-Dilma foram impulsionados por um vento favorável externo: o superciclo das commodities. O Brasil, grande exportador de matérias-primas, surfou na alta demanda global e nos preços inflacionados. Este cenário, no entanto, foi interpretado como um atestado de sucesso das políticas internas, e não como uma janela de oportunidade para profundas transformações. Em vez de capitalizar esses ganhos para diversificar a economia, modernizar a indústria e investir maciçamente em inovação, os governos optaram por uma estratégia baseada na expansão do consumo via transferências de renda e crédito subsidiado, acompanhada de um intervencionismo estatal crescente.

A chamada "nova matriz econômica" do governo Dilma Rousseff, que explicitamente flexibilizou o tripé macroeconômico (câmbio flutuante, metas fiscais e metas de inflação), não foi um projeto inovador, mas uma receita para o desastre. O controle artificial dos preços da energia, os subsídios generalizados, incluindo a política das empresas "campeãs nacionais", e a intervenção excessiva em setores estratégicos desvirtuaram a lógica de mercado e geraram distorções massivas.

A expansão descontrolada dos gastos públicos, sem as contrapartidas de reformas estruturais essenciais, corroeu a sustentabilidade fiscal. O resultado foi um déficit primário alarmante e uma dívida pública crescente, que lançaram o país à beira da insolvência, revertida na gestão Jair Bolsonaro, mas retomada desde 2023 com a mais absoluta irresponsabilidade fiscal sob a batuta da dupla Lula-Haddad.

Essa instabilidade macroeconômica, com a alternância brusca entre períodos de euforia e de crise fiscal e inflacionária, tem um impacto direto na "mentalidade da escassez". A imprevisibilidade econômica e a quebra de expectativas criam um ciclo vicioso de desconfiança e de foco no curto prazo. Um ambiente inflacionário, convém destacar, não apenas fomenta como também premia comportamentos de alta preferência temporal, pois a desvalorização causada pelo aumento da massa monetária compromete o planejamento de longo prazo. Além disso, contextos inflacionários quase sempre são acompanhados de controle de capitais, e tais restrições afetam principalmente os estratos menos favorecidos da sociedade, que, sem meios de escapar à desvalorização da moeda, recorrem a expedientes curto-prazistas para viabilizar a própria sobrevivência.

Sobretudo, os beneficiários de programas sociais, embora amparados – ou melhor seria dizer, acorrentados – pelo aparato estatal, acabam por internalizar uma cultura de dependência ou de expectativa limitada, pois a ausência de um projeto de país coeso e a alternância de “esperança” e “crise” prolongam o ambiente psicológico de insegurança, dificultando a construção da autonomia.

Não é à toa, portanto, que, após 17 anos de governos do PT, cerca de 94 milhões de brasileiros, aproximadamente 43% da população, permanecem completamente dependentes de algum tipo de auxílio estatal, como o vale-gás, o que evidentemente gera benefícios eleitorais e comprova a falta de compromisso dessas lideranças em promover uma mobilidade socioeconômica genuína.

A tragédia da produtividade, a estagnação educacional e a pobreza mental enraizada

Enquanto os holofotes se voltavam para a redução da pobreza extrema (que, é importante notar, foi em grande parte um efeito direto do crescimento do PIB via setores produtivos e não de políticas sociais assistencialistas), as fundações da economia brasileira se desmantelavam. A produtividade permaneceu estagnada. A participação do Brasil em cadeias globais de valor manteve-se restrita, sem qualquer salto tecnológico consistente, como já apontado em artigo de minha autoria aqui nesta mesma Gazeta. O baixo investimento em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), um dado crucial que persistiu em patamares baixíssimos comparado a economias emergentes, e a pouca articulação entre universidades, transformadas em centros de doutrinação esquerdista, e empresas, condenaram o país a uma permanente posição de coadjuvante tecnológico.

Os dados educacionais são um espelho cruel dessa falha estrutural e um motor da pobreza mental. O Brasil continua vergonhosamente abaixo da média da OCDE no PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) em leitura, matemática e ciências. Mais grave ainda: cerca de 70% dos alunos saem do ensino médio sem o domínio pleno de leitura e escrita, um índice que não apenas compromete a mobilidade social e a capacidade de competir no mercado de trabalho moderno, mas reforça a "pobreza mental" ao privar os jovens de ferramentas básicas para o pensamento crítico, a tomada de decisões informadas e o planejamento de longo prazo.

A ineficiência do gasto público é gritante: o país gasta mais que a média da OCDE com educação e saúde, mas entrega resultados pífios, evidenciando gestões que priorizaram o volume ao invés da qualidade e do impacto, falhando em libertar a mente de milhões.

O descaso com a infraestrutura e a carga tributária regressiva: reforços da fragilidade

A visão de longo prazo foi substituída pelo imediatismo eleitoral. O investimento em infraestrutura, crucial para a competitividade e o crescimento sustentável, permaneceu lamentavelmente baixo, em cerca de 2% do PIB, quando o mínimo seria acima de 4%. A falta de rodovias, portos, saneamento e energia eficientes sufoca o potencial produtivo e eleva os "custos Brasil", tornando qualquer tentativa de reindustrialização ou atração de Investimentos Estrangeiros Diretos (IED) em manufatura um desafio hercúleo. A ausência de um ambiente infraestrutural robusto contribui para a incerteza e a percepção de falta de oportunidade, alimentando o ciclo da pobreza mental.

A carga tributária – apesar dos arremedos de reforma realizados – além de ser uma das mais altas do mundo em relação ao PIB, manteve-se regressiva, penalizando o consumo e, portanto, os mais pobres, e aliviando a tributação sobre renda e patrimônio. A inação em promover uma reforma tributária justa e eficiente é uma das maiores omissões desses governos, perpetuando a desigualdade e minando a capacidade de investimento e poupança da população e das empresas. A percepção de um sistema injusto e de um Estado ineficiente fragiliza a confiança e o senso de pertencimento, pilares importantes para a superação da mentalidade de escassez. 

A estrutura tributária brasileira penaliza também o investimento produtivo, já que o Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica (IRPJ) incide sobre o lucro corporativo independentemente de este ser reinvestido na própria empresa. A irracionalidade da tributação corporativa brasileira trata do mesmo modo, portanto, o lucro distribuído entre os acionistas e aquele reinvestido na ampliação do capital fixo. 

Políticas sociais paliativas, não estruturantes, e o reforço da dependência

Embora programas como o Bolsa Família tenham tido um impacto positivo na redução da fome e da pobreza extrema no curto prazo, essas iniciativas atuaram, em sua essência, como paliativos, sem serem acompanhados de políticas robustas que gerassem mobilidade social sustentada e, crucialmente, uma mudança na mentalidade. A ausência de educação de qualidade que realmente capacitasse, de qualificação profissional alinhada às demandas do mercado e de um ambiente econômico que gerasse empregos formais e de maior valor agregado, deixou um legado de dependência e fragilidade. Em vez de empoderar para o futuro, muitas políticas apenas mitigaram o presente, mantendo o indivíduo preso à lógica de sobrevivência característica da alta preferência temporal.

Os escândalos de corrupção sistêmica (Mensalão, Petrolão), a instabilidade institucional e a corrosão da governabilidade política, especialmente no segundo mandato de Dilma, foram o epítome da falência de um modelo. A incapacidade de formar maiorias coesas e de enfrentar reformas impopulares, mas necessárias, revelou uma fragilidade política que se somou à debilidade econômica, aprofundando a percepção de caos e imprevisibilidade que alimenta a "pobreza mental".

Conclusão: a contundência de duas décadas perdidas – e a captura da mente

Os quase vinte anos sob as administrações de Lula e Dilma não se configura meramente como um período de falhas isoladas, mas como décadas perdidas para a transformação estrutural do Brasil. A oportunidade histórica de utilizar a bonança externa para edificar as bases de uma nação verdadeiramente desenvolvida foi tragicamente desperdiçada em favor de um modelo insustentável de crescimento via subsídios, consumo sem lastro e intervencionismo estatal.

O resultado é um país onde a pobreza mental e a mentalidade da escassez não são apenas sintomas da privação material, mas produtos de um arcabouço político-econômico que perpetuou a dependência, minou a produtividade e negligenciou o capital humano. O legado mais sombrio dessas gestões não reside apenas nos desequilíbrios fiscais ou na estagnação da produtividade – que, por si só, são graves –, mas na consolidação de uma cultura de improviso e de uma percepção de futuro limitado que ainda assombra a sociedade brasileira.

A "pobreza mental", a "mentalidade da escassez", a alta preferência temporal e a desigualdade estrutural não foram combatidas em suas raízes, mas, em grande medida, reforçadas por políticas que privilegiaram a aparência sobre a substância, o assistencialismo sobre a autonomia e o populismo sobre o planejamento estratégico.

Sob essa liderança anacrônica, um país com imenso potencial se mostra incapaz de dar o salto qualitativo que a sua gente merece e que a sua economia exige. É uma lição dolorosa sobre a imperiosa necessidade de reformas estruturais, de responsabilidade fiscal e de uma visão de longo prazo que priorize a produtividade, a educação de qualidade e a inovação como pilares de um desenvolvimento verdadeiramente sustentável e inclusivo. Só assim poderemos libertar não apenas os corpos da privação material, mas também as mentes da captura pela escassez crônica, permitindo que a ambição, a autonomia e o planejamento de futuro floresçam em toda a sociedade brasileira.

Somente assim, com a coragem de abraçar reformas estruturais profundas e uma visão de longo prazo inegociável, não factíveis sob o governo atual, o Brasil poderá finalmente transcender sua condição de eterno potencial e construir uma prosperidade que seja não apenas material, mas também intelectual e autonomizadora, libertando-se de uma vez por todas da armadilha do subdesenvolvimento.

Marcos Degaut é doutor em Segurança Internacional, pesquisador sênior na University of Central Florida (EUA), ex-secretário especial adjunto de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, ex-secretário de Produtos de Defesa do Ministério da Defesa e ex-secretário executivo da Câmara de Comércio Exterior do Brasil (CAMEX).

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