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Conferência em Belém

Despreparo, vergonha e poucas medidas concretas: o saldo amargo da COP 30

Indígenas fazem protesto durante a COP 30, em Belém: fora a confusão e o vexame, o que fica do evento?
Indígenas fazem protesto durante a COP 30, em Belém: fora a confusão e o vexame, o que fica do evento? (Foto: EFE/Fraga Alves)

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Afinal, qual é o saldo da COP 30?

Ela chegou ao Brasil com o slogan de “COP da Amazônia”. Foi anunciada como a conferência que mostraria ao mundo a liderança ambiental do Brasil, a força diplomática de Lula e o potencial de Belém como vitrine da agenda ambiental. Saiu, porém, envolta em uma mistura de expectativas frustradas, escândalos diplomáticos, ausência de líderes relevantes e decisões tão modestas que pareceram mais um aceno para os discursos do que para a realidade.

Sobrou de tudo um pouco: embaraços constrangedores, custo bilionário, críticas internacionais e a percepção de que o país gastou mais energia em autopromoção do que em entregar resultados. Aquilo que o governo prometeu — Amazônia no centro do debate, metas claras e protagonismo global —, não foi entregue.

Uma semana após o encerramento do evento, a impressão que fica é a de que a COP30 deixou mais perguntas do que respostas sobre o papel do Brasil na transição climática.

Fiasco diplomático

O início da conferência foi marcado pela ausência dos Estados Unidos, que não enviaram representantes de primeiro escalão para o evento. A falta do principal poder geopolítico e maior emissor histórico de gases de efeito estufa esvaziou o peso diplomático da COP30 logo nos primeiros dias.

Sem Trump à mesa, discussões cruciais (como financiamento climático, metas globais de redução de emissões e pressões sobre combustíveis fósseis) perderam tração. A ausência americana também enviou um sinal negativo ao setor privado internacional, que costuma acompanhar de perto o posicionamento dos EUA antes de assumir compromissos robustos em iniciativas de transição energética.

Além disso, o evento em si foi marcado por uma série de problemas. Para começar, Belém enfrentou problemas estruturais, especialmente em mobilidade e acomodações. Esses problemas já eram conhecidos, mas ainda assim a cidade foi confirmada como sede sem que essas questões fossem tratadas a tempo.

O resultado foi uma conferência marcada por improvisos e atrasos. As obras da chamada “Zona Azul” e da “Zona Verde”, locais para negociadores, mídia e sociedade civil, ficaram prontas quando a conferência já tinha se iniciado, dificultando o trabalho das equipes envolvidas no evento e na cobertura dele. 

Delegações tiveram dificuldade de circular entre os espaços do evento, rotas precisaram ser alteradas às pressas e visitantes relataram longas esperas para transporte, credenciamento e acesso às áreas principais. A cidade, projetada para um fluxo muito menor de visitantes, mostrou-se incapaz de absorver o impacto de uma conferência desse porte sem impactos significativos na rotina urbana e no funcionamento básico da infraestrutura.

E não para aí. A isso se somaram episódios constrangedores que reforçaram a sensação de despreparo. Houve falta de água em banheiros de áreas oficiais, relatos de mau funcionamento do sistema de climatização, incêndio em uma das estruturas temporárias (rapidamente controlado, mas suficiente para levantar questionamentos sobre segurança) e preços exorbitantes de hospedagem e alimentação. 

Alguns observadores citaram ainda problemas com energia elétrica e falhas de comunicação. O secretário da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), Simon Stiell, escreveu uma carta ao governo brasileiro dizendo que “recebeu múltiplos relatos de temperaturas extremamente altas em várias áreas do local, incluindo salas de reunião, escritórios, pavilhões e espaços de trabalho”. Ele disse que “uma intervenção imediata é urgentemente necessária para salvaguardar o bem-estar dos delegados e do pessoal, e para manter as operações essenciais da conferência.”

E olha que o evento teve um orçamento bilionário.

Essas “presepadas” acabaram dominando parte da cobertura do evento e comprometeram a imagem do país como anfitrião. A “cereja do bolo” foi o episódio envolvendo o chanceler alemão. Ele recebeu um voto de censura do Senado brasileiro após comentar ter ficado aliviado por sair de um cenário tão paradisíaco.

Resultados concretos — ou nem tanto

A parte mais delicada da COP30, porém, foi o conteúdo. Ou melhor, a falta dele. A conferência tinha a missão de empurrar o mundo para compromissos compatíveis com a urgência climática, especialmente porque chegava com a aura simbólica de uma “COP amazônica”. Mas, ao final das negociações, o resultado de tanta discussão e alarme foi um texto tímido, pouco específico e distante das grandes expectativas criadas. O contraste entre o discurso grandioso e a entrega modesta foi percebido por praticamente todos os observadores internacionais.

O tema central — a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis — se transformou na maior frustração do encontro. A indústria petrolífera e países dependentes de fósseis fizeram pressão explícita, e o resultado foi um texto final incapaz de propor qualquer compromisso vinculante. O documento aprovado ao final da conferência nem sequer cita “combustíveis fósseis”.

O texto final tenta compensar suas lacunas com reafirmações genéricas do Acordo de Paris e um apelo amplo por cooperação global. Fala em “mutirão climático”, exalta a preservação de ecossistemas e reforça metas já conhecidas — como cortes de 43% nas emissões até 2030 e neutralidade de carbono até 2050. O documento também menciona apoio aos países vulneráveis e a necessidade de fortalecer planos de adaptação, mas sempre em termos vagos, dependentes de financiamento voluntário e sem mecanismos de cobrança. Há, no máximo, um esforço para manter vivo o simbolismo de uma transição energética “irreversível”, ainda que sem instrumentos para torná-la real.

As resoluções aprovadas no documento da COP30 incluem:

  • O Lançamento de um mecanismo voluntário chamado Acelerador Global de Implementação — para apoiar países na execução de suas metas nacionais de redução de emissões (NDCs) e planos de adaptação.
  • A Criação da Missão Belém para 1.5 °C — com o objetivo de fomentar cooperação internacional e investimentos em mitigação e adaptação climática.
  • A decisão de estabelecer um programa de dois anos para mobilização de financiamento climático global, incluindo obrigações para financiamento de adaptação, conforme o artigo 9 do Acordo de Paris.
  • O compromisso de escalar o financiamento para países em desenvolvimento, com meta de mobilizar até US$ 1,3 trilhão anual até 2035 para ações climáticas, com vistas a alcançar o marco de US$ 300 bilhões por ano.

Isso significa que a COP30 não conseguiu sequer repetir o grau de pressão climática observado em outras conferências, deixando escapar uma oportunidade de consolidar uma agenda mais dura contra o petróleo e o gás, como desejava o governo. Em uma conferência realizada em plena Amazônia, o tema mais crítico da crise climática foi tratado com muito cuidado político e mínimo impacto prático — algo que também ocorreu com os temas do desmatamento e do financiamento climático.

“Embora o impulso para a ação climática global seja mais lento do que deveria, o multilateralismo se manteve e continuamos determinados a impulsionar a ambição que a ciência exige”, amenizou Lídia Pereira, presidente da delegação do Parlamento Europeu na COP30. 

E o saldo?

O governo brasileiro apresentou a conferência como uma coroação do seu retorno ao palco internacional. Falou-se em liderança e protagonismo. No entanto, não houve pacto florestal, não houve protagonismo no debate sobre combustíveis fósseis, não houve avanço significativo em financiamento — e a diplomacia ainda colecionou desgastes.

No fim das contas, a COP30 serviu menos para avançar na agenda climática e mais para revelar um desgaste crescente entre promessa política e capacidade de execução.

Não se trata apenas de reconhecer falhas pontuais, mas de admitir que, aparentemente, o país ainda não possui maturidade institucional para sustentar o protagonismo que anuncia.

Isso não significa que o episódio precise ser apenas um constrangimento no currículo diplomático brasileiro. A COP30 deixa lições valiosas — sobre planejamento, prioridades e responsabilidade — que poderiam, se bem assimiladas, fortalecer a capacidade do país de dialogar com o mundo sem recorrer ao marketing como substituto de resultado.

A dúvida é se essas lições serão levadas adiante ou simplesmente esquecidas, como tantas outras promessas grandiosas feitas antes de eventos internacionais. O legado da conferência talvez dependa da disposição do Brasil em trocar autopromoção por consistência e pragmatismo. 

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