Guerra contra a Disney. Parece ser a decisão tomada pelo bilionário Elon Musk nesta terça-feira (6). Primeiro, ele publicou na rede social X uma tabela com “padrões de inclusão” a serem usados pelo conglomerado do entretenimento em produções audiovisuais que estabeleceriam, entre outras políticas, cotas de “50% ou mais” de personagens recorrentes que sejam de “grupos sub-representados”. A mesma cota seria aplicada em atores contratados pela Disney, além de diretores, roteiristas e produtores.
“É racismo e sexismo obrigatórios e institucionalizados!”, exclamou Musk. Ele disse ter recebido o documento de uma fonte anônima e prometeu cobrir os custos legais de quem tiver sido “discriminado pela Disney ou suas subsidiárias (ABC, ESPN, Marvel etc.)”. A atriz Gina Carano, demitida em 2021 da série The Mandalorian do serviço de streaming Disney+, foi a primeira personalidade notória a aceitar o auxílio oferecido.
Com origem no mundo das artes marciais mistas (MMA) e atuando em personagens que são mulheres fortes, ela foi punida por suas opiniões críticas às medidas autoritárias defendidas por muitos progressistas durante a pandemia, como as máscaras obrigatórias, e por ridicularizar a declaração de pronomes, moda identitária entre os perfis da tribo política. Carano também comparou o ambiente cultural atual à perseguição dos judeus na Alemanha nazista, e declarou que Jeffrey Epstein, milionário que mantinha uma ilha onde ocorria abuso sexual de menores, “não cometeu suicídio”. Figura influente entre celebridades e políticos dos Estados Unidos na virada do milênio, Epstein fez fortuna no setor financeiro e foi condenado em 2008 e 2019 por abuso e tráfico sexual de menores. As autoridades do país acreditam que ele cometeu suicídio no cárcere logo após a segunda condenação. Uma autópsia indicou lesões consistentes com o enforcamento.
Lucasfilm, a subsidiária da Disney responsável pela franquia Star Wars, em que a série é desenvolvida, disse em nota na época da demissão que Gina Carano fez publicações nas redes sociais que “denegriam as pessoas com base em suas identidades culturais e religiosas”, o que seria “repugnante e inaceitável”.
Em nota anunciando que iniciou uma ação contra a Lucasfilm e a Disney, a atriz comentou as acusações de 2021: “nada poderia estar mais longe da verdade”. Na interpretação dela, o que aconteceu foi que ela “não estava alinhada com a narrativa aceitável na época”. “Minhas palavras foram repetidamente distorcidas para me demonizar e desumanizar como uma extremista da direita alternativa. Foi uma campanha de difamação e bullying com o objetivo de me silenciar, destruir e me usar de exemplo [de dissuasão para outros]”, completou.
Carano também explicou que procurou o auxílio legal da plataforma X meses atrás, quando Musk fez uma oferta similar para quem teve seu direito de livre expressão tolhido pelo uso da rede social (antes chamada Twitter), e que ficou positivamente surpresa quando recebeu e-mail de um advogado. “Quero expressar minha mais profunda gratidão ao Elon Musk e X por me dar a oportunidade”, concluiu.
A origem do documento da Disney que revoltou Elon Musk
A tabela explica que o contexto é crucial para estabelecer que alguém é de um grupo “sub-representado” e que é proibido nas decisões de contratação perguntar a candidatos a respeito de sua raça, religião, cor, orientação sexual, gênero, identidade de gênero, status militar, idade, deficiência, sejam essas características “reais ou percebidas”. Não fica claro como as cotas serão cumpridas sem essas perguntas.
Em busca reversa da imagem da tabela, a Gazeta do Povo descobriu que o documento não é novo. Um documento idêntico, mas com a marca da ABC, rede de canais de televisão comprada pela Disney em 1996, apareceu simultaneamente em reportagens similares nas revistas The Hollywood Reporter e Variety em setembro de 2020. Não foi possível determinar se a alteração da marca com o logo da Disney foi oficial ou feita pela fonte anônima, mas é um documento real ao menos para uma de suas empresas subsidiárias, portanto.
Críticos da onda do identitarismo no entretenimento como Gary Buechler, ex-proprietário de loja de quadrinhos que mantém o canal do YouTube Nerdrotic, acusam essas revistas de parcialidade e cumplicidade ideológica com a indústria do entretenimento, de modo que seriam lenientes ou simpáticas a programas que “lacram” e excessivamente críticas a produtos culturais mais associados à direita do espectro político.
Ambas as revistas pertencem à Penske Media Corporation (PMC), também dona de veículos como Rolling Stone e Billboard. Há ao menos uma conexão entre a PMC e a Disney, que por uma série de aquisições se tornou o segundo maior conglomerado de mídia do mundo. Em 2014, a PMC comprou uma lista de veículos de comunicação que pertenceram até 2003 à Disney, mas as revistas mencionadas não estão entre eles.
No site da Disney é possível encontrar declarações de compromisso com as metas da tabela de cotas identitárias e termos da moda no ativismo corporativo como “diversidade, equidade e inclusão” (DEI). A empresa publica relatórios anuais de quantos de seus funcionários são mulheres ou “pessoas de cor” — 50,9% e 46,7%, respectivamente, no relatório de 2022. “Direcionamos mais de 50% das nossas doações anuais de caridade para programas que servem comunidades sub-representadas e temos a intenção de gastar no mínimo US$ 1 bilhão [R$ 4,96 bilhões] anualmente com fornecedores diversos até 2024”, declara. No contexto, “diverso” é usado em referência a pessoas que não são brancas ou heterossexuais.
Motivos da inimizade entre Musk e Disney
Musk já manifestou divergência com o identitarismo usando termos como “vírus mental woke” para descrever a guinada de abordagem dos movimentos sociais que tratam de preconceito e discriminação na última década. Mas ele também tem interesses comerciais feridos pelo conglomerado do entretenimento.
No final do ano passado, Musk comprou briga publicamente com o diretor executivo da Disney, Bob Iger, após os dois terem dado entrevistas separadas em vídeo ao New York Times. “Ao tomar a posição que ele tomou de uma maneira bem pública, sentimos que a associação [da Disney] com aquela posição e Elon Musk e o X não era necessariamente positiva para nós, e decidimos que interromperíamos os nossos anúncios”, disse Iger, se referindo a um caso em que Musk concordou com um usuário da rede social que alegou que os judeus têm um “ódio dialético” de pessoas brancas — mais tarde, ele manifestou arrependimento e disse que foi mal interpretado: “meus esclarecimentos foram ignorados pela imprensa e eu essencialmente dei uma arma carregada para aqueles que me odeiam e, pode-se dizer, para aqueles que são de fato antissemitas. E por isso eu sinto muito, não foi minha intenção”, disse. Outras grandes empresas como IBM, Apple, Comcast, Paramount e Warner Bros tomaram a mesma decisão da Disney.
Musk reagiu em sua participação subsequente alegando que o boicote dos anunciantes no X “mataria a empresa, e o mundo todo vai saber que os anunciantes mataram a empresa”. Em fala que repercutiu mais, o bilionário foi mais chulo. “Se alguém vai tentar me chantagear com anúncios? Me chantagear com dinheiro? Vá se f****. Ei, Bob, se você está na plateia, é isso o que eu sinto. Não faça os anúncios.”
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