No último dia 7 de setembro, Mario Nawfal, influenciador no X/Twitter, publicou em seu perfil na rede social que Elon Musk teria desativado a rede de comunicações dos satélites da Starlink na região em que drones ucranianos estavam a caminho do bombardeio de uma frota da marinha russa.
Caso o ataque fosse bem-sucedido, Musk temia que uma possível contra ofensiva nuclear da Rússia pudesse dar início à escalada maior do conflito, que poderia se tornar a 3ª Guerra Mundial.
Em resposta a Nawfal, o próprio Musk, que adquiriu e passou a dirigir o Twitter desde novembro do ano passado, explicou que a Starlink nunca havia sido ativada na Crimeia e que, portanto, não houve qualquer desativação das comunicações para os drones:
“Houve um pedido de emergência das autoridades governamentais [da Ucrânia] para ativar o Starlink até Sebastopol. A intenção óbvia era afundar a maior parte da frota russa ali ancorada. Se eu tivesse concordado com o pedido deles, a SpaceX seria explicitamente cúmplice de um grande ato de guerra e escalada de conflitos”.
A Ucrânia não viu as decisões de Musk com bons olhos. O conselheiro presidencial da Ucrânia Mikhail Podoliak afirmou que a ação facilitou o assassinato de civis e crianças.
"Às vezes, um erro é muito mais do que um erro. Ao não permitir, com interferências nos Starlink, que os drones ucranianos destruíssem uma parte da frota militar russa, Elon Musk permitiu que essa frota lançasse mísseis Kalibr contra cidades ucranianas", disse Podoliak.
Deturpação e marketing
A informação divulgada por Nawfal teve por base uma reportagem da rede CNN, também publicada no dia 7 de setembro. Por sua vez, a reportagem se sustentava nas informações da nova biografia de Musk, lançada nesta terça-feira (12).
A autoria do livro é do professor, jornalista e autor Walter Isaacson, que já relatou as vidas de Leonardo Da Vinci, Steve Jobs e Albert Einstein, entre outras. No dia seguinte às primeiras postagens, o próprio Isaacson explicou o caso:
“Para esclarecer a questão do Starlink: os ucranianos acharam que a cobertura estava habilitada até a Crimeia, mas não estava. Eles pediram a Musk que a habilitasse para o sub-ataque de drones à frota russa. Musk não permitiu isso, porque pensou, provavelmente com razão, que isso causaria uma grande guerra.”
No entanto, Nawfal destacou que a reportagem e outras entrevistas realizadas sobre o tema na CNN e em outros grandes jornais dos EUA distorcem a informação da biografia. Segundo o influenciador, as histórias contam o incidente como se Musk tivesse deliberadamente ordenado a supressão da cobertura da Starlink na Crimeia, o que, de acordo com os relatos do livro e os testemunhos de Musk, não ocorreu.
Em vídeo compartilhado por Nawfal, um dos apresentadores da CNN chega a questionar o secretário de Estado dos EUA, Anthony Blinken, sobre a “sabotagem de Musk a uma operação ucraniana”. Blinken diz que não tem informações precisas sobre o caso, mas reitera a importância dos serviços da Starlink para a Ucrânia.
Em outra reportagem da CNN, publicada no dia 10 de setembro, Kyrylo Budanov, chefe da Diretoria Principal da Inteligência Ucraniana, afirma que os sistemas Starlink não funcionaram durante um determinado período de tempo perto da Crimeia. “Percebemos imediatamente que simplesmente não havia cobertura ali. Provavelmente é tudo o que posso dizer”, disse.
Na segunda-feira (11), em uma entrevista realizada com o autor da biografia, o jornal inglês Financial Times confirma a versão do desligamento dos serviços da Starlink na Crimeia e afirma que tanto Musk quanto Isaacson estão dando novos tons ao ocorrido.
A chegada da Starlink à Ucrânia
Em fevereiro de 2022, um ataque cibernético atribuído à Rússia cortou os sistemas de satélite operados pela empresa de comunicação de alta velocidade Viasat, que era utilizada pelos militares ucranianos.
Com o início da invasão russa e as tropas e os comandantes ucranianos sem comunicação, Mykhailo Fedorov, o então ministro de Transformação Digital da Ucrânia, postou um pedido de ajuda a Musk. Em poucas horas, o bilionário retornou, dizendo que o Starlink havia sido ativado no país. Dias depois, os terminais de terra do sistema chegaram à Ucrânia.
O Starlink é uma tecnologia de internet via satélite desenvolvida pela SpaceX, a empresa de foguetes de Musk. Atualmente, o número total de satélites Starlink operacionais em órbita ultrapassa 4.600 unidades, de acordo com o site Space.com.
Praticamente todas as semanas, a SpaceX envia foguetes ao espaço para colocar diversos satélites em órbita. Eles são menores que os satélites convencionais e orbitam em uma altitude mais baixa. Após ativados, os satélites se comunicam com terminais portáteis da Starlink na Terra, que transmitem internet de alta velocidade para praticamente todos os lugares do planeta.
Desta forma, os terminais da Starlink permitiram que as forças ucranianas permanecessem conectadas, mesmo com a destruição das redes de telefonia celular e de Internet no país.
Budanov confirmou que os satélites da Starlink se provaram efetivos nas linhas de frente. “Você pode dizer o que quiser se [os sistemas Starlink] são bons ou ruins, mas fatos são fatos. Absolutamente todas as linhas de frente estão usando”.
O militar ainda afirmou que “eles desempenharam e continuam a desempenhar um papel significativo, porque muitos sistemas utilizam as antenas, utilizam os próprios sistemas Starlink, para comunicações, para transmissões de drones, especialmente em termos de um posto de comando remoto e assim por diante.”
Para o entretenimento, não para a guerra
Musk, no entanto, se questionou sobre o uso dos terminais em operações ofensivas contra a Rússia. Conforme relatado em sua biografia, o bilionário afirmou que a “Starlink não foi feita para se envolver em guerras. Foi para que as pessoas pudessem assistir Netflix e relaxar, ir à escola e fazer coisas boas e pacíficas, não ataques de drones”.
Isaacson afirma em seu livro que, quando a Ucrânia endereçou o pedido para que os serviços do Starlink fossem ligados na Crimeia, Musk falou ao telefone com Jake Sullivan, o conselheiro de segurança nacional do presidente Joe Biden, com o general Mark Milley, chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas americanas, e com o embaixador russo nos EUA para abordar as ansiedades entre Washington e Moscou.
O autor ainda descreve que, ao mesmo tempo, Fedorov pediu a Musk para restaurar a conectividade dos drones submarinos via mensagem de texto. “Eu só quero que você – a pessoa que está mudando o mundo por meio da tecnologia – saiba disso”, disse Fedorov, ao relatar a capacidade dos artefatos.
O bilionário também foi acusado de favorecer a Rússia, o que ele nega, ao dizer que sua responsabilidade seria significativamente diferente se tivesse feito uma mudança deliberada no Starlink para impedir a Ucrânia.
“Em nenhum momento eu ou alguém da SpaceX prometemos cobertura sobre a Crimeia. Além disso, nossos termos de serviço proíbem claramente o Starlink para ações militares ofensivas, já que somos um sistema civil, então eles estavam novamente pedindo algo que era expressamente proibido”.
Musk ainda disse que “ambos os lados deveriam concordar com uma trégua. A cada dia que passa, mais jovens ucranianos e russos morrem para ganhar e perder pequenos pedaços de terra, com fronteiras quase inalteradas. Isto não vale suas vidas”.
Ucrânia solicita avaliação de custos e de Musk
O episódio da Crimeia ocorreu em 2022, mas Musk e a Starlink seguem na mira das autoridades ucranianas e americanas. Conforme reportagem publicada pelo jornal The New York Times, em março deste ano, o general Mark Milley conversou com o general Valeriy Zaluzhnyi, líder das forças armadas da Ucrânia, sobre a Starlink. O país queria garantir o acesso ao sistema e discutir as formas de custear o serviço.
Ao todo, cerca de 42 mil terminais Starlink estão sendo usados na Ucrânia por forças armadas, hospitais, empresas e organizações assistenciais. Em razão de apagões causados por ataques russos, até os órgãos públicos ucranianos já precisaram recorrer ao Starlink para permanecer online.
Em um primeiro momento, arrecadações da comunidade ucraniana no Vale do Silício, bem como contratos com a Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional e com governos europeus e contribuições pro bono da SpaceX facilitaram a transferência de milhares de unidades Starlink para a Ucrânia, segundo reportagem da revista The New Yorker.
No entanto, em setembro do ano passado, a SpaceX enviou uma carta ao Pentágono na qual dizia que a empresa não estava mais em condições de “doar mais terminais à Ucrânia, ou financiar os terminais existentes por um período de tempo indefinido”.
Em outubro, Musk afirmou que, até então, os custos com o fornecimento dos serviços da Starlink para a Ucrânia totalizavam US$ 80 milhões [R$ 394 milhões, na cotação de 12 de setembro] e que seriam bem maiores até o fim de 2022.
Em meio a negociações com o Pentágono, Musk inclusive chegou a publicar em seu perfil no então Twitter que cortaria os serviços da Starlink na Ucrânia e, diante de uma chuva de críticas, recuou.
“Para o inferno com isso. Mesmo que a Starlink ainda esteja perdendo dinheiro e outras empresas estejam recebendo bilhões de dólares dos contribuintes, continuaremos financiando o governo da Ucrânia de graça”.
Em junho deste ano, o Pentágono e a SpaceX chegaram a um acordo sobre o fornecimento do Starlink para a Ucrânia, segundo o qual o Departamento de Defesa dos EUA fica responsável pelos custos da operação. Os detalhes do acordo, no entanto, não foram revelados.
Fontes se questionam se as ações de Musk teriam o objetivo de não levantar os ânimos russos contra si, mesmo com o suporte do Starlink à Ucrânia. A estratégia não seria necessariamente agradar a Putin, mas aos chineses. Musk mantém amplas relações com a nação asiática, incluindo fábricas de veículos da Tesla.
Musk também já foi criticado por fazer piadas em seu perfil no X/Twitter com líderes russos. O conselheiro presidencial ucraniano criticou a atitude de Musk em relação à Ucrânia e a atribuiu à "ignorância e a um ego enorme".
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