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Vencedora mexicana

Fraude no Miss Universo? Possível favorecimento gera crise no concurso de beleza

A mexicana Fátima Bosch, eleita Miss Universo 2025 (Foto: EFE/EPA/RUNGROJ YONGRIT)

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A vitória da candidata mexicana no Miss Universo 2025 virou um escândalo político. Antes de ser eleita na última sexta-feira (21), Fátima Bosch havia viralizado na internet por causa de um aceno ao público no qual expressava “¡Viva Cristo Rey!” ainda durante o concurso. Católicos do mundo inteiro se emocionaram. Afinal, a frase é símbolo da resistência contra a perseguição do governo mexicano contra a Igreja Católica nos anos 1920.

Logo que foi anunciada vencedora, Fátima traçou um sinal da cruz e apontou para cima. Parecia que a combinação de carisma, espontaneidade e religiosidade tinha tudo para dar à vitória de Fátima um brilho especial.  

Mas a vitória da mexicana deu indícios de não ter sido natural — assim como a aparência das candidatas em tempos de intervenções estéticas.

A “marmelada” anunciada 

Três membros do júri deixaram seus cargos antes da votação final. O pianista e compositor franco-libanês Omar Harfouch apresentou sua renúncia três dias antes de dar seu veredito, alegando que um suposto comitê de seleção “clandestino” já havia escolhido as trinta semifinalistas fora do processo oficial de avaliação.  

Segundo ele, esse grupo improvisado seria formado por pessoas com conflitos de interesse e vínculos pessoais com algumas competidoras, e os jurados oficialmente anunciados não teriam participado dessa reunião. Pior: ele alegou ter sido pressionado a favorecer a candidata mexicana, sendo informado de que “seria importante para os negócios” que ela vencesse. 

A Organização do Miss Universo negou a existência desse comitê e afirmou que seus protocolos formais permaneceram em vigor, embora tenha confirmado a saída de Harfouch.

Poucas horas depois, o ex-jogador de futebol e técnico francês Claude Makélélé também renunciou ao posto. O outro nome a renunciar foi o da aristocrata italiana Camilla di Borbone delle Due Sicilie, a qual não se pronunciou sobre o motivo do afastamento.

As três baixas obrigaram a organização a recompor o painel de jurados de última hora. Em nota breve, a organização do evento declarou respeitar as decisões individuais e garantiu que o concurso seguiria conforme o planejado, com um júri revisado e operacional para a noite da final. 

Além de todo o bafafá, Fátima, a miss eleita, também havia discutido com Nawat Itsaragrisil, presidente do Miss Tailândia durante uma reunião antes do evento. Ele exigiu que ela participasse de uma sessão promocional obrigatória para a Tailândia, perguntando-lhe “por que ainda está de pé” e mandando que ela se sentasse se pretendia continuar no certame.

Em seguida, ele disse que se ela “obedecesse ao seu diretor nacional” então “seria uma dummy (tonta)”. Bosch respondeu de pronto: “Porque eu tenho voz. Você não me respeita como mulher”, e saiu da sala sendo acompanhada de várias misses. 

O conflito inicialmente parecia apenas um desentendimento de bastidor, mas levantou suspeitas de encenação para aumentar a adesão do público à candidatura da mexicana. Os insultos do tailandês contra Fátima chegaram até mesmo à coletiva de imprensa de Claudia Sheinbaum, presidente do México, que parabenizou Bosch por levantar a voz e não ficar calada diante das injustiças.

A essa altura, a organização do Miss Universo não demonstrou qualquer irregularidade. Mas o estrago estava feito. A percepção de que o concurso poderia ter sido manipulado ganhou o debate público e, assim que Fátima Bosch venceu a premiação, aí todos os fatores que poderiam motivar a “marmelada” vieram à tona. 

O pai da miss faz parte do governo socialista do México 

O segundo capítulo desse enredo envolve Bernardo Bosch Hernández, pai da Miss Universo 2025. Bernardo trabalha há 27 anos na estatal petrolífera Petróleos Mexicanos (Pemex) e, segundo registros públicos, já ocupou cargos importantes na área de Segurança, Saúde, Energia e Gestão Ambiental da empresa. A Pemex é como se fosse a Petrobras do México, a gigante estatal do petróleo, controlando a extração, o refino e boa parte da energia do país.  

O detalhe por si só não levantaria suspeitas. O problema é que o presidente do Miss Universo, Raúl Rocha Cantú, é dono de uma empresa (Soluciones Gasíferas del Sur) que recebeu em 2023 um contrato da Pemex avaliado em quase 750 milhões de pesos, o que equivale a R$ 217,5 milhões de reais. 

A coincidência dos fatos chamou a atenção porque o contrato milionário foi firmado em 2023. Em janeiro de 2024, Rocha Cantú comprou 50% da organização Miss Universo e, no ano seguinte, Fátima Bosch, cujo pai trabalha na estatal que firmou contrato com a empresa de Cantú, ganhou o concurso.  

A partir daí, a hipótese de fraude fez mais sentido e passou a ter o comprovante do pagamento como prova. E a imprensa mexicana começou a investigar possíveis intersecções entre essas peças.  

A corrupção no ventilador 

A estatal do petróleo, por meio dos canais oficiais nas redes sociais, fez uma publicação parabenizando a conquista da mexicana. Mas, logo em seguida, percebendo a repercussão, divulgou comunicado negando qualquer interferência nos resultados do concurso e dizendo que a postagem celebrando a vitória da “filha de um de seus funcionários” foi motivada apenas por “entusiasmo popular”. 

Rocha Cantú também se manifestou, negando favorecimento, alegando que só conheceu a família Bosch “dois meses antes do concurso” e dizendo que o contrato com a Pemex havia encerrado em 31 de dezembro de 2023 — portanto, antes de ele comprar parte do Miss Universo. 

Mesmo assim, a suspeita continua, especialmente porque o país enfrenta descrédito da população, tendo sido alvo de grandes manifestações populares que repercutiram internacionalmente. 

A Pemex é uma das empresas que mais aparecem em escândalos de desvio de verba, contratos superfaturados e má gestão. A estatal, inclusive, já protagonizou tantos episódios de irregularidades que virou símbolo de tudo aquilo que os mexicanos desejam superar na política pública.

A ligação entre Rocha Cantú, Pemex e a família Bosch gerou tanto burburinho sobre a legitimidade do concurso que a própria presidente do México precisou responder a perguntas sobre isso em coletiva oficial. 

Sheinbaum negou qualquer complô, classificou as suspeitas como “desespero” de críticos e pediu que o país não desse importância a teorias sem comprovação. Mas o debate já estava instalado e, dependendo do desdobramento, pode seguir vivo por muito tempo. 

Jogaram a toalha

Assim que a edição de 2025 do Miss Universo apresentou a vencedora e apareceram todas as supostas irregularidades, duas candidatas desistiram oficialmente de seus títulos.

A renúncia mais impactante foi por parte da representante da Costa do Marfim Olivia Yacé, de 27 anos. Quinta colocada no concurso, ela era uma das favoritas para levar o prêmio. Na segunda-feira (24), Yacé divulgou nas redes sociais que renunciava ao posto de Miss Universo África & Oceania, além de encerrar “todo vínculo com a organização”. Ela explicou que a decisão se baseava no compromisso com seus valores: “respeito, dignidade, excelência e oportunidades igualitárias”.

Poucas horas antes, ainda no domingo (23), a estoniana Brigitta Schaback, 28 anos, já havia anunciado que deixaria de representar a Estônia no Miss Universo. Ela apontou “desalinhamento de valores e ética de trabalho” entre ela e sua diretoria nacional, afirmando que manteria sua trajetória de empoderamento feminino de forma independente, sem vínculo com o título.

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