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Castelo Hartheim foi usado para um centro de eugenia e eutanásia dos nazistas, um prelúdio e treinamento do que aconteceria nos campos de concentração.
Castelo Hartheim foi usado para um centro de eugenia e eutanásia dos nazistas, um prelúdio e treinamento do que aconteceria nos campos de concentração.| Foto: Liberaler Humanist/Wikimedia Commons

Em uma visita ao Castelo de Hartheim, uma fortaleza renascentista de 400 anos, não muito longe do campo de concentração de Mauthausen (Áustria), me deparei com um dispositivo de medição de crânios de 1940. As sinistras pinças de metal e suas duas escalas de medição são empréstimos do Museu de História Natural de Viena; em frente à vitrine de vidro, há um pôster de 1930 da Sociedade Eugênica do Reino Unido, apresentando um homem alto e forte espalhando sementes em um campo. A legenda diz: “Apenas sementes saudáveis devem ser plantadas: verifique as sementes de doenças hereditárias e aptidão pela eugenia”.

Perto dali, há um pôster de um filme americano de 1927: “A juventude se diverte — e então surge a grande questão — Você está apto para se casar?” [N. do T.: em "aptidão" e "apto", há uma alusão a como esses termos são usados no darwinismo.]

Na primavera de 2022, visitei um dos oito antigos centros de eutanásia nazistas — aqueles que Simon Wiesenthal chamou de “escolas regulares de assassinato”. Cinco estão na Alemanha: Brandenburg, nos arredores de Berlim; Hadamar, entre Colônia e Frankfurt; Sonnenstein, perto de Dresden; Bernburg, na Saxônia; e Grafeneck, perto de Stuttgart. Os outros três estão na Áustria; o Castelo de Hartheim está na pequena aldeia de Alkoven, perto da cidade natal de Adolf Hitler, Linz.

Com exceção de Brandenburg, todos esses centros funcionaram como hospitais psiquiátricos ou lares para pessoas com deficiências antes de serem convertidos em centros de eutanásia pelos nazistas. Hoje, Hartheim abriga uma exposição sobre a eugenia moderna, além de um memorial às dezenas de milhares de pessoas mortas entre as suas paredes.

A ligação entre o nazismo e a eugenia é muitas vezes mencionada apenas de passagem. Mas foi precisamente essa conexão que permitiu a Simon Wiesenthal responder a perguntas que o incomodaram por anos. Como ele escreve em seu livro de memórias de 1967, “Os Assassinos Entre Nós” (Ed. Portugália):

“Como foram selecionadas e treinadas as pessoas para realizar o assassinato de 11 milhões de pessoas, e como mantiveram seus segredos tão bem que não foram descobertos por anos após o fim da guerra? Obviamente, os homens designados para as câmaras de gás, que tiveram que assistir à morte de dezenas de milhares de pessoas dia após dia e semana após semana, precisariam ser treinados técnica e psicologicamente, caso contrário, poderiam colapsar sob o estresse contínuo... Máquinas paravam de funcionar, mas as pessoas que as operavam, nunca.”

Wiesenthal queria entender como essas pessoas podiam se tornar tão insensíveis aos gritos das vítimas a ponto de terem menos chance de sucumbir do que uma máquina. “O Castelo de Hartheim e os outros centros de eutanásia foram a resposta”, concluiu ele.

“Hartheim foi organizado como uma escola de medicina — exceto que os ‘alunos’ não eram ensinados a salvar vidas humanas, mas a destruí-las da maneira mais eficiente possível”, observou Wiesenthal. A morte era estudada clinicamente, com um verniz de autoridade médica; as vítimas eram “precisamente fotografadas, cientificamente aperfeiçoadas”. Antes que os campos de extermínio fossem estabelecidos, os locais de eutanásia serviam como instalações de pesquisa para o que os nazistas chamavam de Gnadentod, ou morte misericordiosa; médicos com cronômetros observavam “pacientes” morrendo através de um olho mágico na porta do porão de Hartheim e mediam a duração da luta pela morte até um décimo de segundo. Como apontou Wiesenthal, “Nada foi deixado ao acaso”.

Em uma seção de suas memórias, focada em sua própria visita a Hartheim, Wiesenthal juntou uma série de fatos aparentemente desconexos. Christian Wirth, o notório líder da Operação Reinhard — o programa para exterminar os judeus poloneses — começou sua carreira supervisionando o programa de eutanásia do Reich. A partir de 1939, Wirth “solucionava problemas” nas técnicas de extermínio nos centros de eutanásia. Ele atraía “pacientes” mentalmente doentes ou deficientes para os chamados chuveiros ou vestiários, trancando-os e expondo-os a diferentes combinações de gases fatais, numa tentativa de observar quais eram os mais eficientes. Após sua passagem como chefe de Hartheim, Wirth tornou-se comandante do campo de concentração de Belzec, que se tornou totalmente operacional em março de 1942.

Outros oficiais da SS seguiram o mesmo caminho; depois de liderar Hartheim, Franz Stangl tornou-se comandante do campo de Treblinka. Gustav Wagner dirigiu Hartheim antes de liderar Sobibor. Muitos dos homens da SS que trabalharam nas câmaras de gás e crematórios dos campos de concentração começaram sua carreira em clínicas de eutanásia. Durante suas últimas semanas em Mauthausen, Wiesenthal recordou que “especialistas de Hartheim” foram chamados para consertar fornos quebrados ou outras máquinas.

As perguntas que me motivaram a visitar esses locais estavam relacionadas, mas eram distintas das de Wiesenthal: como as vítimas da eutanásia nazista são lembradas? Como devemos estudar e ensinar sobre sua desumanização, que era diferente da forma como os judeus foram desumanizados? Por um tempo, os judeus foram formalmente proibidos de serem “tratados” nos locais de eutanásia nazista. Pelo menos no princípio, entendia-se que a eutanásia era reservada não para os inimigos judeus, mas para os cidadãos alemães cuja morte seria uma misericórdia, tanto para eles quanto para o país.

Só recentemente os museus foram estabelecidos nos locais de eutanásia nazistas. Meu trabalho frequentemente me leva à Europa e, ao longo de alguns anos, fiz viagens solitárias a três deles: Hartheim, Hadamar e Sonnenstein. O que segue não é uma história completa da eutanásia nazista nos programas Aktion T4 e Aktion 14f13, mas um diário de viagem, motivado por perguntas que continuam a me atormentar.

Os memoriais da eutanásia não recebem nem de longe o volume de visitantes que acorrem aos campos de extermínio mais conhecidos; a maioria das pessoas desconhece as ligações entre eles. Mas as vítimas da eutanásia muitas vezes passaram por vários campos de concentração antes de serem deportadas e finalmente mortas nos centros de eutanásia; e, como já foi mencionado, muitos dos funcionários dos centros de eutanásia foram posteriormente designados para cargos elevados nos campos de extermínio. Como a eugenia e a eutanásia foram ao mesmo tempo instrumentais e constitutivas da campanha mais ampla de desumanização dos nazistas merece ser melhor compreendido.

Primeiro, Hartheim

No dia em que viajei para o Castelo de Hartheim, fiquei impressionada com o contraste entre a paisagem bucólica e a sombria história do local. O castelo parecia deserto, mas, felizmente, uma recepcionista na entrada estava presente. Ela me deu um folheto explicando que, em 1940, pessoas com doenças crônicas e deficiências — os chamados “comedores inúteis” na linguagem nazista — começaram a chegar a Hartheim para serem mortas aos milhares. Mais tarde, de 1941 a 1944, milhares de prisioneiros e condenados a trabalhos forçados de Mauthausen, Dachau, Ravensbruck e Gusen também foram assassinados ali.

Subi para a exposição permanente “Valor da Vida”, que ocupa grande parte do segundo andar. Uma placa na entrada contava uma história perturbadora:

“O assassinato de dezenas de milhares de pessoas aqui, neste castelo, durante o período nazista, foi o ponto de partida para reflexões sobre o valor da vida. Isso foi reduzido às questões de como aqueles considerados ‘inúteis’ foram tratados: quais são os critérios usados para definir as pessoas como ‘inúteis’? Quem define os critérios? Quais foram as consequências desse julgamento para os afetados?”

A exposição não responde definitivamente a essas perguntas, mas começa com uma história interessante, embora superficial, sobre ideias que vão do cristianismo — cuja perspectiva é resumida como “ninguém é inútil” — à racionalidade industrial, utilitarismo e capitalismo, com painéis explicando como cada ideologia contribuiu para que os pobres, fracos e deficientes fossem considerados inúteis.

A sala seguinte da exposição Valor da Vida traça a ascensão do movimento da eugenia moderna. Pioneiros como os cientistas do século XIX Charles Darwin e seu primo Francis Galton fizeram com que a eugenia rapidamente ganhasse destaque em países desenvolvidos como os Estados Unidos, Canadá e Inglaterra. Ela assumiu várias formas; em exibição, por exemplo, estão medalhas do concurso “Bebês Melhores”. Essas medalhas, desenhadas pela famosa escultora americana Laura Gardin Fraser, começaram a ser distribuídas em 1913 em feiras estaduais para os bebês mais “científicos”, com o objetivo de reduzir a mortalidade infantil e melhorar a saúde das crianças em geral. A revista nacional americana Woman’s Home Companion explicou os concursos desta forma: “Por trás do charme convidativo da ideia, há um propósito científico sério — bebês saudáveis, bebês padronizados e, sempre, ano após ano, Bebês Melhores.”

Com o tempo, isso deu origem aos “Concursos de Famílias Mais Aptas” da década de 1920, que tinham como objetivo mais explícito melhorar o estoque genético americano. Também em exibição está uma cópia da obra de 1929 de Margaret Sanger, “Maternidade Escravizada”, uma coleção de cartas de mães pobres urbanas e rurais destinada a ilustrar a “racionalidade socioeconômica para o controle de natalidade.”

Mais adiante, havia uma grande reprodução de uma tabela atuarial nazista de 1941, detalhando a economia para o governo caso um determinado número de pessoas com deficiência fosse impedido de viver mais dez anos. Os custos diários e anuais de cuidar desses cidadãos eram meticulosamente calculados em marcos do Reich, justificando que o Estado se sairia melhor se eles não existissem. Esse tipo de desumanização formalizada, sob o pretexto de ciência médica ou atuarial, contribuiu para a dessensibilização generalizada e a degradação moral da “classe educada”. Aos poucos, isso encorajou as pessoas a desumanizar os judeus sob o pretexto da higiene racial.

A exposição Valor da Vida destaca a “normalidade” dos funcionários responsáveis pela esterilização e assassinato daqueles enviados a Hartheim: cozinheiros e funcionários administrativos, seguranças, motoristas, atendentes, técnicos e, claro, médicos e enfermeiros. Até onde se sabe, eles geralmente trabalhavam para os programas de eutanásia voluntariamente e sem coação. No entanto, uma vez enraizados, eram juramentados ao segredo e não podiam sair facilmente. Mas o pagamento era bom, havia muitos benefícios, e muitos eram motivados ideologicamente para realizar seu trabalho letal, acreditando que era benéfico.

Também é importante observar que a campanha de eutanásia nazista envolveu várias fases. Primeiro veio a matança de crianças com deficiências físicas e intelectuais, depois uma gama mais ampla de pacientes com doenças mentais e, mais tarde, o assassinato sob o “Tratamento Especial” de prisioneiros políticos. Embora os judeus inicialmente fossem mantidos afastados dos ambientes mais “profissionais” das instalações de eutanásia, eles por fim foram incluídos entre as vítimas da eutanásia nazista. No centro de eutanásia de Brandenburg, pacientes psiquiátricos judeus foram sistematicamente mortos. Algumas crianças judias foram mortas em Hadamar, e judeus também estavam entre os prisioneiros assassinados no programa de “Tratamento Especial”. A tentativa de distinguir os centros médicos de eutanásia dos campos de extermínio tornou-se confusa.

Em suas memórias, Simon Wiesenthal cita Bruno Bruckner, um fotógrafo responsável por tirar fotos das “dificuldades ao morrer” e autópsias dos pacientes. Bruckner admitiu abertamente que gostava da comida e da abundante bebida alcoólica em Hartheim e se sentia feliz em ganhar “300 marcos por mês e... um dinheirinho por fora.” Ele também mencionou que “havia muitas festas. Todo mundo dormia com todo mundo.”

A atitude de Bruckner parece ter sido mais a norma do que a exceção. Poucos na Alemanha ou na Áustria resistiram ao empreendimento de eutanásia nazista; como uma placa afirmou: “Demorou muito para que essa resistência fosse reconhecida pela sociedade. Foi apenas na década de 1990, quando a história da eutanásia nazista foi pesquisada com mais profundidade também na Áustria, que ganhou maior reconhecimento.”

A principal figura de resistência reconhecida em Hartheim é Clemens von Galen, o bispo católico de Münster durante os anos nazistas. Sua resistência também é mencionada no Yad Vashem (memorial do Holocausto em Israel), onde uma exibição observa que as igrejas foram instrumentais para o fechamento de uma primeira versão do programa: “Quando as instituições de eutanásia foram fechadas, seus funcionários médicos e operacionais foram enviados para a Polônia, onde se envolveram no estabelecimento e no comando dos campos de extermínio de judeus.”

Outra figura de resistência comemorada em Hartheim é Franz Sitter, um enfermeiro que deixou Hartheim quase imediatamente após ser contratado. Ele não sofreu repercussões por se afastar, e seu exemplo condena todos os que fizeram escolhas diferentes. Sitter e um pequeno punhado de outros são apresentados pelo museu como exemplos éticos para os visitantes, convidando-os a examinar seu próprio caráter e consciência enquanto refletem sobre o que aconteceu ali.

A exposição Valor da Vida termina com uma seção chamada “Rupturas e Continuidades”, contendo itens ou imagens relacionados ao aborto, contracepção, fertilização in vitro, barrigas de aluguel, testes genéticos, instrumentos auxiliares para deficiência, próteses, entre outros. Esses são apresentados sem muito comentário; cabe ao visitante refletir até que ponto algum deles se relaciona à ideologia eugênica e o que isso pode significar para a prática médica atual.

Voltei ao andar térreo e à exposição fundamental de Hartheim, que inclui as “salas de execução” originais. Olhei para fotografias das vítimas e uma seleção de seus pertences. Quando entrei na câmara de gás e no crematório, senti o vazio de um mundo no qual tantos inocentes foram injustamente eliminados.

Mais tarde, do lado de fora do pátio do castelo, comecei uma conversa com um grupo de estudantes do ensino médio austríacos durante o intervalo do almoço. Perguntei se achavam que há circunstâncias em que a eutanásia é apropriada. Para concordância geral, um dos alunos respondeu: “Somente se a pessoa pedir por isso.”

Continuei refletindo sobre essa e outras perguntas persistentes e desconfortáveis. Os alunos, percebi, concordavam livremente que ninguém está qualificado para determinar o valor da vida de outra pessoa. Claramente, os nazistas fracassaram profundamente ao reconhecer o valor da vida de seus vizinhos. Mas corremos o risco de avaliar erroneamente o valor de nossas próprias vidas ou de nos convencermos de que nossas vidas são menos dignas devido a algum déficit percebido, seja de ordem médica ou de outras normativas? Se os profissionais médicos puderam errar tão profundamente em seus julgamentos sobre o valor da vida, eu, qualquer um de nós, também não poderia errar de maneira semelhante? Será que o “consentimento” não poderia apenas corroborar uma avaliação do valor de uma vida que é fundamentalmente imprecisa ou falsa? E outras pessoas, que apoiam uma avaliação falha, talvez por uma compaixão equivocada, poderiam incentivar erroneamente alguém a acabar com a própria vida?

Os médicos, enfermeiros e outros funcionários do Castelo de Hartheim parecem ter sido movidos por convicções pessoais; suas opiniões haviam se tornado uma questão de consenso profissional generalizado. Durante anos, o julgamento dos avaliadores e dos provedores de eutanásia foi considerado além de qualquer crítica. Agora, reconhecemos que sua desvalorização da vida humana era abominável e injustificável. Mas com base em quê podemos escrutinar essa avaliação do valor da vida e considerá-la falsa?

Frequentemente penso em como cerca de 30.000 pessoas sofreram eutanásia dentro daquele elegante castelo europeu. Muitas pessoas participaram acreditando que isso era para o bem das vítimas e da sociedade em geral. O Castelo de Hartheim é um lembrete de que a ideologia insidiosa do nazismo incluiu uma forma específica de desumanização que tornou mais fácil para países modernos, tecnocráticos e prósperos fazerem coisas horríveis.

Próximo, Hadamar

Em fevereiro de 2023, alguns meses após minha visita a Hartheim, fui a um segundo memorial da eutanásia nazista, Hadamar, localizado entre Colônia e Frankfurt. Normalmente, museus públicos são construídos em centros urbanos para facilitar o acesso; campos de concentração e centros de eutanásia, por outro lado, foram deliberadamente remotos.

Anteriormente um hospital psiquiátrico público comum, Hadamar foi convertido pelos nazistas em seu sexto centro de eutanásia no final de 1940. A partir de janeiro de 1941, pacientes com deficiências e doenças mentais eram regularmente levados de ônibus para Hadamar, conduzidos ao edifício principal, orientados a se despir, registrados pelo pessoal administrativo e, em seguida, encaminhados para o porão, onde havia uma câmara de gás, onde eram mortos. Assim como em Hartheim, os corpos eram incinerados; a fumaça podia ser vista de longe e os moradores locais relataram sentir o cheiro. Alguns em Hadamar receberam injeções letais ou foram mortos por inanição. Os parentes dos eutanasiados recebiam “cartas de conforto”, contendo informações falsas sobre as circunstâncias e o momento da morte e, às vezes, o local. Se solicitassem, recebiam urnas com cinzas — embora não fossem necessariamente as cinzas de seus entes queridos.

A partir de 1942, uma gama mais diversificada de “pacientes” foi enviada a Hadamar: trabalhadores forçados com tuberculose, ex-soldados da SS com traumas de guerra, crianças “mestiças” com mãe ou pai judeu. Mais de 15 mil pessoas foram eutanasiadas em Hadamar entre 1941 e 1945, e muitas outras haviam sido esterilizadas ali ao longo dos anos.

Os médicos de Hadamar aparentemente estavam entusiasmados com seu trabalho; a equipe celebrou a morte da 10.000ª vítima com cerveja e festa, com um funcionário imitando sarcasticamente um padre. Os funcionários de Hadamar recebiam benefícios semelhantes aos dos trabalhadores de Hartheim: passeios, ingressos para concertos e até casas de férias. No final, foram os funcionários de Hadamar que ajudaram a construir o campo de extermínio de Treblinka.

As fotos das vítimas me chamaram particularmente a atenção. Uma jovem identificada como Selma K. [Klein] tinha o cabelo curto, repartido de lado, e encarou a câmera com um leve sorriso e o braço direito dobrado sobre o esquerdo. De acordo com o painel da exposição, a mãe de Selma morreu quando ela era jovem, e ela foi criada em um lar para meninas judias. Aos 21 anos, ela engravidou e, de acordo com seus registros médicos, foi considerada “destituída”. Apesar de uma ordem proibindo Hadamar de receber pacientes judeus, Selma foi enviada para lá em 1936 e submetida a uma ordem de esterilização, antes de Hadamar se tornar um centro de eutanásia. Depois que Selma foi esterilizada com base em “não ser capaz de satisfazer as expectativas da vida”, seu pai lutou em vão para obter sua libertação. Mais tarde, Selma foi deportada para o campo de concentração de Ravensbrück, onde provavelmente morreu em 1942.

Também havia Minna Heinze, uma mãe de meia-idade de aparência elegante, que ajudou uma família judia a fugir do país após a Noite dos Cristais. Submetida a interrogatório sobre seu envolvimento com os refugiados judeus, Minna começou a ter crises de ansiedade e insônia e foi institucionalizada. Por fim, ela foi enviada a Hadamar em 1943 e morreu em março de 1944, aos 50 anos, devido à privação severa ou a uma injeção letal. Sua família foi impedida de visitá-la e não recebeu notícias até ser informada de sua morte por “gripe”. Pensei na família judia que fugiu e em como, talvez, tivesse descendentes vivos hoje por causa da coragem de Minna.

Apesar de os judeus terem sido ocasionalmente proibidos de serem admitidos em Hadamar, havia exceções. Foi também em Hadamar que os nazistas designaram “um Lar Educacional para mestiços judeus menores de idade”. Crianças que tinham um dos pais judeu eram enviadas a Hadamar sob o pretexto de receberem educação social e assistencial.

Entre eles estavam os irmãos Wolfgang e Günther. De acordo com os arquivos médicos dos meninos, eles foram considerados “incapazes de serem educados”, “propensos à criminalidade” e “moralmente negligenciados”. Os meninos haviam crescido sem o pai; os nazistas o torturaram e mataram por ser metade judeu e alegadamente comunista. Os irmãos foram admitidos como “mestiços judeus” na instituição educacional de Hadamar. Ambos foram mortos no verão de 1943, e as causas da morte foram falsificadas. Sobre Wolfgang, que tinha cerca de 13 anos, os registros médicos diziam: “Habilidoso, pode ser usado para trabalho doméstico e jardinagem leve. Como seu irmão, perturba o dormitório à noite e conta as histórias mais absurdas.”

Há uma foto de Wolfgang e Günther com sua mãe, Helene, cujo olhar protetor revela que ela sabia que algo terrível aguardava seus filhos. Como de costume, o médico de Hadamar inventou causas de morte fictícias. Mas Helene também relatou que o médico lhe disse diretamente: “Sra. H., você deve aceitar que nunca mais verá seus filhos, pois o judaísmo deve ser eliminado.” Das 43 crianças inscritas no “lar educacional”, 38 foram mortas.

Desci até a antiga câmara de gás de Hadamar com a sombria percepção de que essas paredes foram a última coisa que as vítimas, cujas histórias eu estava aprendendo no andar de cima, viram.

O memorial de Hadamar foi aberto ao público em 1983. Em 1991, criaram uma exposição permanente. Aos poucos, o número de visitantes, seus países de origem e os idiomas em que o material é oferecido estão aumentando. Os principais visitantes parecem ser estudantes alemães, mas também há profissionais, como enfermeiros, médicos e policiais.

De acordo com um panfleto de Hadamar, “O Museu Memorial de Hadamar é um local de lembrança, esclarecimento histórico e educação política e é voltado para crianças, jovens e adultos. Sua tarefa é fornecer aos visitantes informações sobre os crimes de eutanásia nazista e discutir questões atuais e educação política.”

Embora as causas das mortes fossem frequentemente fabricadas, minha visita me fez perceber até que ponto os critérios aparentemente científicos e a autoridade médica foram usados para racionalizar o fim da vida de inocentes “inconvenientes”. A lógica subjacente era que esses critérios qualificavam os pacientes para serem mortos.

Os registros médicos das vítimas da eutanásia listam coisas como: “imbecilidade congênita”, “não conformidade social”, “psicose relacional ansiosa”, “incapacidade de trabalhar”, “incurável”, “perigo para o público”, “instável e desonesto”, “melancólico e inabordável”, “demência senil” etc., como condições que obviamente justificariam a morte.

Por mais ambíguos que esses critérios fossem, eles eram usados para reduzir as pessoas a condições que as desqualificavam de pertencer ao mundo. A pessoa com um nome tornava-se apenas uma instância de um tipo. Os médicos referiam-se aos pacientes pela doença, deficiência ou luta interior como uma espécie de abreviação que eclipsava a pessoa. Essa é uma forma particularmente insidiosa de desumanização, quando toda a identidade de uma pessoa é reduzida a um diagnóstico, prognóstico ou auxílio de acessibilidade.

Em resumo, surgiu um consenso em torno de uma avaliação social da vida, que se tornou difícil de contestar. A justificativa para matar pessoas tornou-se enraizada sob o pretexto de acordo geral. O precedente tornou-se parte do argumento. Se a presunção geral for de que a justificativa é lógica, se houver a sensação de que critérios variáveis são legítimos, as pessoas tornam-se suscetíveis de serem classificadas dentro deles, independentemente de se colocarem nessa categoria.

Hoje, podemos instintivamente considerar os critérios nazistas para a morte como completamente infundados, mas, na época, profissionais médicos experientes os viam como razoáveis. Ter um senso de história é compreender a arbitrariedade de tais critérios. Quando se trata de matar pacientes, não há como acertar os critérios porque a aprovação médica envia uma mensagem social de que há uma categoria de pessoas que não deveriam existir.

Finalmente, Sonnenstein

Em dezembro de 2023, visitei um terceiro centro de eutanásia nazista: Sonnenstein, no leste da Alemanha, não muito longe de Dresden, numa pequena cidade chamada Pirna. Mais cedo naquela manhã, eu havia feito uma caminhada nas proximidades da antiga casa de Victor Klemperer, o cronista judeu de Dresden, que guardava seu diário em uma casa na Rua Maxim Gorki, nº 16. No diário, ele cita uma amiga chamada Annemarie Kohler, uma médica de Pirna:

“O Sonnenstein não é mais o asilo psiquiátrico estatal. A SS o assumiu. Eles construíram seu próprio crematório. Pessoas desagradáveis são trazidas aqui em uma espécie de carro de polícia. Aqui é geralmente chamado de ‘carro do sussurro’. Os parentes então recebem a urna. Recentemente, uma família recebeu duas urnas ao mesmo tempo.”

O centro de eutanásia de Pirna estava localizado nos terrenos do Castelo de Sonnenstein. Assim como Hadamar, o local funcionava como um hospital psiquiátrico comum desde 1811, antes de ser convertido pelos nazistas. Ali, estima-se que 13.720 pessoas com deficiências e doenças mentais foram eutanasiadas sob a Aktion T4. Em 1941, mais de mil prisioneiros de campos de concentração de Auschwitz, Buchenwald e Sachsenhausen foram mortos ali.

Entre os locais mais recentes a se tornarem um memorial, Sonnenstein foi inaugurado como tal em 2000. O local documenta as maneiras pelas quais o movimento eugênico distorceu os objetivos fundadores do Asilo de Sonnenstein, que uma vez serviu como um modelo para o cuidado e tratamento de pacientes.

Na exposição memorial, há uma cópia da primeira edição do livro de 1920 “A Destruição da Vida Indigna de Ser Vivida”, dos professores e eugenistas alemães Karl Binding e Alfred Hoche; um registro da Lei de Prevenção da Prole Hereditariamente Doente, promulgada pelos nazistas, também conhecida como a Lei de Esterilização, de 1933; e uma cópia da carta privada assinada por Hitler e enviada ao seu médico, Karl Brandt, desencadeando a Aktion T4 — a fase inicial do projeto de eutanásia nazista, autorizando o assassinato daqueles com deficiências.

A equipe do memorial de Sonnenstein preparou uma série chamada “Devolvendo os Nomes às Vítimas”, com livretos biográficos em homenagem a algumas das pessoas assassinadas. Entre eles está o perfil do rabino e acadêmico Arnold Grünfeld, nascido em 1887 e morto em Sonnenstein em 1941. Prisioneiro de um campo de concentração, deportado para Pirna para ser eutanasiado, Arnold foi um dos 85 judeus de Buchenwald assassinados em 14 ou 15 de julho de 1941.

Nascido em uma cidade da Morávia que abrigava uma comunidade judaica significativa desde o século XIV, Arnold perdeu ambos os pais aos 15 anos de idade. Presume-se que ele tenha vivido com outros familiares até terminar a escola; há um registro de uma viagem escolar que ele fez a Viena para conhecer Theodor Herzl (intelectual austro-húngaro considerado pai do sionismo), durante a qual os alunos doaram fundos arrecadados a Herzl.

Arnold serviu à sua comunidade como rabino e escreveu sua tese de doutorado sobre a vontade divina. Sua filha Edith conseguiu fugir da Europa em uma Aliá (jornada judaica para Israel) juvenil. Arnold foi deportado primeiro para Dachau e depois para Buchenwald, antes de ser levado diante de uma comissão médica e deportado para Sonnenstein, onde provavelmente foi direto para a câmara de gás ao chegar.

Após seu assassinato, ele recebeu uma falsa causa de morte, e sua esposa em Praga foi informada de que poderia receber sua urna mediante uma taxa.

Se suas cinzas realmente estavam na urna, ninguém sabe, mas a urna foi enterrada no cemitério judaico em Praga. Assim como em Hadamar, as famílias recebiam urnas que podiam conter as cinzas de qualquer pessoa e não tinham como saber se eram de seus entes queridos. Diz-se que a única diferenciação feita pelos nazistas era a quantidade de cinzas colocada em uma urna de criança em comparação com a de um adulto.

Quanto às causas de morte fabricadas, meu guia informou que os parentes começaram a suspeitar ao receber, por exemplo, um atestado de óbito que listava apendicite como a causa para um “paciente” cujo apêndice já havia sido removido anos antes.

Em um panfleto do museu, li que cerca de “um terço dos funcionários empregados no centro de extermínio de Sonnenstein foram designados, na maioria para cargos mais altos, aos campos de extermínio de Belzec, Sobibor e Treblinka em 1942 e 1943. Esses campos foram responsáveis pelo assassinato de cerca de 1,75 milhão de judeus.”

O livreto também inclui uma fotografia de dois funcionários do centro de extermínio de Sonnenstein tomando uma cerveja no campo de concentração de Belzec. Relata-se como fato histórico que a insensibilidade moral dos assassinatos por eutanásia e a dessensibilização correspondente contribuíram para os assassinatos em massa nos campos de concentração. Mas também foi notado que havia entre sessenta e setenta pessoas no local o tempo todo e que nem todas eram ideologicamente nacional-socialistas. Outras motivações para sua participação incluíam aspirações de carreira, salários mais altos, um senso de autoridade e prestígio, e a proteção contra serem convocados para o serviço militar na linha de frente.

Em conversa com uma jovem educadora, perguntei-lhe sobre as reações dos alunos que visitam o memorial. “O que realmente os impacta?”, perguntei. Minha guia explicou que o que mais afeta os alunos é quando percebem que eles próprios poderiam ser selecionados para a morte. “Oh, uau, eu poderia ser um daqueles que foram mortos.”

Quando ouvi isso, fiquei satisfeita. Acho que é uma percepção que faz uma suposição saudável: a de que o mundo estaria em perda sem você, porque o mundo é melhor com você nele. Sempre que descartamos alguém, mesmo em nossos pensamentos, prejudicamos inconscientemente nosso próprio senso de valor, porque teremos tornado nossa própria existência mais precária com essa exclusão.

Como mencionado, a eutanásia, que já é um eufemismo, às vezes era chamada pelos nazistas de “morte misericordiosa”. No entanto, como muitas coisas, os nazistas entenderam isso terrivelmente mal. Ter misericórdia é ser paciente com nós mesmos e com os outros em nossas fraquezas. A eutanásia encerra prematuramente a vida de uma pessoa; é uma expressão de impaciência. A crueldade pode ser demonstrada rapidamente; demonstrar misericórdia leva tempo.

Tendo visitado esses três memoriais, sou grata por agora ser possível prestar homenagem a essas vítimas menos conhecidas da eutanásia e da eugenia nazistas. Esses locais merecem ser visitados; essas vítimas merecem nossa lembrança e comemoração.

Explorar esses locais revelou-me as maneiras pelas quais os centros de eutanásia existiam em um espaço bizarro e liminar: às vezes eram considerados instalações de saúde, outras vezes centros de extermínio. Judeus geralmente eram proibidos de acessá-los, mas, às vezes, eram enviados para lá; muitos médicos e enfermeiros eram verdadeiros crentes na “morte misericordiosa”, mas também operavam sob estrito sigilo, falsificando atestados de óbito e enganando os parentes das vítimas; a morte era às vezes racionalizada como sendo do interesse do paciente, outras vezes era uma necessidade de guerra no interesse do Estado; filmes e pôsteres de propaganda sugeriam que o público precisava ser convencido, mas a impotência e o medo prevalentes em meio à guerra naturalmente limitavam a resistência.

Essa névoa de motivações e percepções obscurece o estudo da eutanásia e da eugenia nazistas. E é por isso que essa história é tão crucial para ser confrontada: os nazistas certamente esperavam que a esquecêssemos, mas as vítimas da eutanásia nazista não são apenas uma nota de rodapé; a desumanização contra a qual devemos nos precaver é qualquer instância em que uma pessoa seja considerada “indigna de viver”. Estudar ou visitar esses locais, penso eu, é tornar-se responsável nesse sentido.

Ao mesmo tempo, minhas viagens a esses locais mostraram-me que os fatos históricos por si sós não podem nos ensinar moralidade. Em vez disso, esses fatos devem ser enfrentados e interpretados por meio de um verdadeiro confronto com nossos próprios medos, inseguranças, ideais e esperanças.

Amanda Achtman é pós-graduada em filosofia pela Universidade Católica João Paulo II em Lublin, Polônia, e em estudos do judaísmo e relações judaico-cristãs pela Universidade Pontifícia Gregoriana em Roma. Ela trabalha para o grupo de Médicos Canadenses pela Vida nas áreas de educação ética e engajamento cultural.

©2024 Public Discourse. Publicado com permissão. Original em inglês.

Conteúdo editado por:Eli Vieira
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