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Inteligência artificial: não tente dominar a tecnologia sem dominar a si mesmo

Inteligência Artificial: tecnologia ajuda a ser mais produtivo, mas não é solução para a infelicidade humana.
Inteligência Artificial: Inteligência Artificial ajuda a ser mais produtivo, mas não é solução para a infelicidade humana. (Foto: EFE/Ballesteros)

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Em 1969, o homem se orgulhava de ter pisado na Lua, o que parecia simbolizar a superação do próprio destino. A Revolução Tecnológica anunciava um futuro luminoso. Nas décadas de 60 e 70, cultivava-se uma fé quase religiosa na ciência, como se ela pudesse instaurar um paraíso terrestre. Não faltavam livros e séries que prometiam robôs obedientes, planetas habitáveis e viagens intergaláticas. Foi a era de Jeannie é um gênio, Perdidos no Espaço, O Túnel do Tempo, Terra de Gigantes e Os Jetsons.

Mas, em um de seus livros, a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa pergunta: o que aquela atmosfera de otimismo realmente escondia? Três astronautas aceitaram a missão Apollo 11 de ir à Lua: Neil Armstrong, Edwin Aldrin e Michael Collins. No retorno à Terra, porém, a glória deu lugar ao silêncio e ao desconforto. Armstrong evitava falar sobre a experiência e se retirou para uma pequena fazenda em Ohio. Aldrin entrou em depressão, enfrentou o alcoolismo e passou por vários divórcios. Collins, por sua vez, falou da experiência uma única vez: “O melhor da comemoração é não dar entrevistas.” Não parece estranho que os homens celebrados como heróis, os supostos Ulisses da modernidade, tenham ficado assim?

Quatro meses depois, a história se repetiu com a missão Apollo 12, tripulada por Charles Conrad, Alan Bean e Richard Gordon. Foi este último quem deixou à humanidade uma das entrevistas mais assustadoras: “Depois de uma viagem dessa natureza, todos os seus valores pessoais são questionados. De toda aquela excitação, guardei apenas uma imagem: a do nosso planeta, tão frágil. Senti a mesma sensação de quando perdi meu filho, aos 22 anos, em um acidente de automóvel: solidão. Fora da Terra, é como se não estivéssemos vivos.”

A declaração de Richard Gordon revela algo profundo: a vulnerabilidade humana. Enquanto muitos depositavam na ciência a esperança de um futuro capaz de garantir segurança e proteção absolutas, como se a ciência fosse uma nova religião da salvação, os dramas humanos permaneciam os mesmos. Os astronautas entenderam isso, ainda que a propaganda moderna tentasse ocultar essa verdade.

Os cientistas continuavam a alimentar o sonho de proporcionar ao homem uma sensação ininterrupta de felicidade e de instaurar uma civilização de paz absoluta. O efeito psicológico dessa propaganda, porém, foi inevitavelmente doentio e alienante. A esse respeito, Ana Beatriz comenta que o homem moderno passou a viver na expectativa de um momento em que todos os seus problemas seriam resolvidos, suas dores anestesiadas, seus desejos plenamente satisfeitos e suas inseguranças eliminadas... Mas os índices de depressão e ansiedade só aumentavam.

Isso acontece porque, no campo da saúde mental, não existem conquistas coletivistas: cada um precisa ordenar sua própria mente. Também não se alcança a virtude mudando de lugar ou de planeta, sem o devido trabalho interior. A promessa de felicidade instantânea não passa de um delírio que, cedo ou tarde, gera sofrimento e angústia. Nenhuma ciência é capaz de garantir um estado permanente de felicidade.

Os sentimentos são cíclicos, como as fases da lua, as estações do ano ou o movimento do mar... Desejamos o fim de suas variações negativas porque nos iludimos como se fôssemos apenas cientistas, observadores externos da natureza. No entanto, ao contrário do que pregava a propaganda cientificista, não dominamos o universo como senhores absolutos, pois somos parte dele. De nada adianta “dominar a natureza” se não formos capazes de dominar a nós mesmos.

Hoje, a atmosfera de otimismo se repete em torno da inteligência artificial. Só que, se tentarmos entregar a ela toda a nossa atividade mental, o resultado será um vazio crescente, uma incapacidade de pensar por conta própria. Não se trata, evidentemente, de rejeitar a tecnologia, mas de compreender que nada do que é “humano, demasiado humano” pode ser substituído por engenhocas. Acreditar que a felicidade virá da entrega total às máquinas é a mesma ilusão que já se vendeu em nome da ciência: uma fantasia coletivista que dispensa o trabalho interior. Felicidade e sabedoria não se fabricam em laboratório, são conquistas da alma. A tecnologia muda, mas os dramas humanos, as virtudes humanas e a própria condição humana permanecem, essencialmente, os mesmos.

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