O estado americano do Kansas está processando desde a segunda-feira (17) a farmacêutica Pfizer. No entendimento do procurador-geral Kris Kobach, a empresa enganou o público a respeito de sua vacina para Covid-19 ao afirmar que o produto era “seguro e eficaz”, violando a lei de proteção ao consumidor.
A petição acusa a Pfizer de saber que sua “vacina de Covid-19 estava conectada a eventos adversos sérios, incluindo a miocardite (inflamação do coração) e pericardite (inflamação do revestimento do coração), abortos espontâneos e mortes”; e de “esconder essas informações de segurança críticas do público”.
Outras condutas enganosas da farmacêutica seriam afirmar eficácia enquanto sabia que a proteção conferida pela vacina decaía com o tempo e não protegia contra variantes da Covid-19, que impediria a transmissão (assunto que a Pfizer teria falhado em pesquisar), além de incentivar a censura nas redes sociais contra questionamentos.
Em nota para o site The Hill, a Pfizer disse que o processo “não tem mérito” e que vai responder na Justiça em breve. A farmacêutica afirmou que tem “orgulho de ter desenvolvido a vacina da Covid-19 em tempo recorde em meio a uma pandemia global e salvo inúmeras vidas”. A empresa disse que sua mensagem a respeito de sua vacina foi “precisa e baseada em ciência”.
O processo do Kansas é similar ao do procurador-geral do Texas, Ken Paxton, aberto no ano passado. Ambos os procuradores são afiliados ao Partido Republicano. Mais de 366 milhões de doses da vacina de mRNA original da Pfizer foram administradas nos Estados Unidos. A farmacêutica lucrou US$ 75 bilhões (R$ 408 bilhões na cotação atual) com as vendas do produto em dois anos de pandemia.
Examinando as acusações
Estudos estabeleceram que a inflamação do coração e seu revestimento é de fato um efeito colateral das vacinas de nanopartículas de mRNA que ocorre a uma taxa de cerca de um caso em três ou cinco mil vacinados que sejam homens jovens. Essas inflamações podem deixar cicatrizes no coração que podem perdurar até um ano depois do sintomas.
Na população em geral, os inoculados com duas doses da vacina da Pfizer têm quase o triplo do risco de desenvolver miocardite na comparação com a taxa base do problema não relacionada a vacinas, revelou um estudo envolvendo 100 milhões de pessoas em fevereiro. Esse incremento de risco, contudo, é baseado em números pequenos — poucas pessoas são afetadas com e sem a vacina.
É verdade que a vacina de mRNA tem eficácia limitada em impedir transmissão. Um estudo com presidiários da Califórnia descobriu que a eficácia é de no máximo 40%, porém, somente se a proteção vacinal for auxiliada pela proteção conferida por imunidade natural adquirida de infecção prévia (as duas juntas são chamadas de “imunidade híbrida”). Sozinha, a imunidade vacinal tinha eficácia de 22%, e a imunidade natural, 23%.
Também é verdade que houve um incentivo de executivos da Pfizer pela censura de críticas a seu produto, como revelaram os Twitter Files. Ao menos Scott Gottlieb, membro do conselho diretor da Pfizer, pediu um canal exclusivo com a rede social para denunciar usuários que fizessem publicações do tipo.
Menos amparada entre as acusações do Kansas é a de risco de aborto espontâneo. Uma revisão de estudos publicada na revista Human Reproduction em 2023, que examinou 21 estudos (cinco com alto padrão de rigor e 16 observacionais), com um total de quase 150 mil mulheres, concluiu que “as vacinas da Covid-19 não são associadas a um aumento do risco de aborto espontâneo”.
As vacinas contra Covid-19 aumentaram mortes?
Quanto a mortes, enquanto são um risco associado à miocardite e cicatrizes no coração, não está claro que haja um sinal de incremento em óbitos por causa da vacina. Há documentários e influenciadores que apregoam que a inoculação com as vacinas de mRNA levou a uma onda de mortes súbitas e outros problemas fatais, mas cientistas médicos do campo crítico às políticas da pandemia e à Pfizer, como o hematologista e professor universitário Vinay Prasad, não estão convencidos.
Em artigo de janeiro de 2023 no site The Free Press com coautoria do médico John Mandrola, Prasad afirmou que “fazer a conexão entre a vacina, entre um caso de inflamação do coração, e um ataque cardíaco é muito difícil”. Os dois especialistas também disseram que não há clareza nos dados a respeito de um aumento nas mortes súbitas. Para eles, as más decisões durante a pandemia levaram instituições a perderem a confiança do público: “uma vez perdida, a confiança é difícil de reaver. As pessoas sentem que seus líderes médicos estão escondendo fatos básicos, negando a realidade, desconsiderando novas informações ou, pior ainda, ferindo-as. Quando as pessoas se sentem assim, elas procuram por outras fontes, até as estranhas”.
Um estudo publicado no início deste mês pela revista BMJ Public Health analisou mortes excedentes em 47 países e concluiu que seu maior número foi em 2022, “quando a maioria das medidas de contenção foram encerradas e as vacinas de Covid-19 continuaram”. Essa conclusão motivou uma manchete no jornal britânico The Telegraph: “As vacinas da Covid podem ter ajudado a aumentar as mortes excedentes”.
Na sexta-feira (14), contudo, a própria revista em que foi publicado emitiu uma nota de “expressão de preocupação” a respeito do estudo, mencionando que a instituição à qual três dos quatro autores estavam afiliados se distanciou do trabalho, e afirmando que “os leitores devem estar alertas para más reportagens e desentendimentos a respeito do trabalho. Foi alegado que o trabalho implica uma ligação causal direta entre a vacinação contra Covid-19 e a mortalidade. Este estudo não estabelece tal ligação. Os pesquisadores somente examinaram tendências no excesso de mortalidade ao longo do tempo, não suas causas. A pesquisa não apoia a alegação e que as vacinas são um fator contribuidor importante para as mortes excedentes desde o começo da pandemia”.
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