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O Wall Street Journal mostrou recentemente como os consumidores estão fazendo “cada centavo valer” nas compras de supermercado. Alguns passaram a diluir produtos de limpeza doméstica, outros estão reduzindo a quantidade de creme dental usada na escova.
Isso se deve, em grande medida, à devastação inflacionária resultante dos lockdowns adotados durante a pandemia de Covid-19. O protecionismo crescente da última década — especialmente nos EUA, onde tarifas e barreiras comerciais voltaram a ganhar força — acrescentou ainda mais pressão de alta sobre os preços.
Existe aí uma cruel ironia.
Formuladores de políticas públicas, economistas midiáticos e acadêmicos não escondem, neste século, seu desejo por inflação mais alta. Esse anseio decorre tanto do medo da deflação associada à Grande Depressão dos anos 1930 [na crise, a queda geral dos preços levou empresas à falência e agravou o desemprego] quanto da crença de que um nível de preços em ascensão estimula a produção.
É apenas mais um exemplo do quanto esse grupo se afastou da economia básica em direção a uma mentalidade de planejamento central — e, com isso, perdeu contato com o cidadão comum.
"Achando ouro" com a inovação
De fato, um gráfico elementar de oferta e demanda mostra que preços altos, ou em ascensão, atraem mais produção. Em condições normais, porém, isso costuma ser fruto de alguém “achando ouro” com um novo produto — e não do ato de algum burocrata em Washington apertar um botão.
Por um tempo, esse inovador detém um monopólio de nicho, sendo o único produtor daquele novo item. Como as operações provavelmente são relativamente pequenas no início, ele aumenta o preço para evitar ser sobrecarregado pela demanda. O valor mais alto também ajuda a identificar quem realmente atribui mais importância ao produto.
A demanda elevada deve ainda levá-lo a pensar, no longo prazo, em expandir sua capacidade e alcançar economias de escala. Isso acabará reduzindo o preço ao consumidor. Inevitavelmente, outros empreendedores atentos verão ali uma chance de abocanhar parte do mercado.
O exemplo que sempre uso é o das hoje onipresentes TVs de tela plana.
A primeira que comprei, há pouco mais de 20 anos, era uma de plasma, de 42 polegadas, que custou cerca de US$ 2,5 mil. No filme “Um Duende em Nova York” (2003), o personagem Miles Finch se gabava de possuir uma — elas realmente não eram baratas.
Com o tempo, mais concorrentes entraram no jogo, oferecendo o mesmo por menos. Ou oferecendo mais recursos pelo mesmo preço — como alta definição, conectividade e sistemas operacionais integrados (as chamadas smart TVs). Ou ambos.
Voilà! Hoje, qualquer consumidor consegue comprar o que me custou US$ 2,5 mil por um décimo desse valor. Ontem, vi funcionários do Wal-Mart empurrando uma TV de 98 polegadas que custa US$ 1,5 mil — mais que o dobro do tamanho da minha antiga, por cerca de 60% do preço original!
Esse ciclo virtuoso é o modo orgânico que faz o preços caírem.
Poder de fogo
A maioria dos consumidores provavelmente acolheria esse tipo de deflação. O establishment econômico, porém, não — por alguns motivos.
No extremo oposto, quando as pessoas esperam que o nível de preços suba, tendem a comprar bens assim que recebem o dinheiro, antes que seu poder de compra se deteriore. Basta ver exemplos extremos como Venezuela ou Zimbábue.
Não é ilógico supor o contrário em um cenário de deflação. Se os consumidores acreditam que os preços continuarão a cair, eles podem adiar suas compras. Por que adquirir algo hoje se será quase certo que custará menos amanhã?
Mas somos americanos: gostamos de comprar coisas — e quanto antes, melhor. Há até quem diga que já está praticamente comprovado pela ciência. Queremos tantos gadgets, brinquedos e quinquilharias que precisamos alugar boxes de armazenamento para tudo isso.
Quantos carros já não perderam espaço na garagem exatamente por esse motivo?
E, mesmo que esperemos, e alguma forma de deflação se estabeleça, isso traria consigo um aumento no valor do dólar, conferindo literalmente “mais poder de fogo” à moeda. Uma correção firme nessa direção está atrasada há muito tempo.
Estamos mais pobres
Para que isso se sustente, porém, precisamos de uma liderança capaz de parar de brincar com o público e fixar um valor estável para nossa moeda.
A última vez em que o dólar teve apoio firme em Washington — sobretudo nas décadas de 1980 e 1990, após a ruptura final com o padrão-ouro em 1971 [quando os EUA acabaram com a obrigação de trocar dólares por ouro, mudando para o sistema atual de moeda “de confiança”] —, o país experimentou um crescimento sólido e relativamente contínuo. Os resultados desse período falam por si.
Mas aqui estamos: tão pressionados por preços em alta que, mesmo entre os “genéricos mais baratos”, não se observou um aumento correspondente na demanda. Estamos exatamente no cenário que os especialistas temiam — só que mais pobres por causa dele.
Embora o conceito de “excedente do consumidor” dificilmente apareça em explicações rápidas sobre economia, vale mencioná-lo: trata-se, em essência, do que cada pessoa pode fazer com o dinheiro que sobra quando os preços caem — como ocorreu com as TVs de tela plana.
Mas, se uma pessoa está economizando a ponto de reduzir até o uso de sabão em pó, ela sabe que uma TV nova não cabe no orçamento por enquanto.
©2025 FEE. Publicado com permissão. Original em inglês: A dream of a deflation
Conteúdo editado por: Omar Godoy



