Não existe fórmula para a felicidade. Mas os estudiosos do assunto têm uma boa noção de fatores que tendem a aumentar a satisfação com a vida.
O jornal britânico The Times publicou em 20 de julho um perfil da influenciadora Hannah Neelemen, que reuniu quase 10 milhões de seguidores ao mostrar sua rotina como mãe de oito crianças em uma fazenda no interior do estado de Utah, nos Estados Unidos.
A reportagem dá a entender que Hannah tem uma vida infeliz por ter se dedicar à vida doméstica em vez de ser uma bailarina profissional. Hannah é formada pela Juiliard, de Nova York, a mais famosa escola de artes dos Estados Unidos.
Hannah respondeu em uma publicação no Instagram: "Ficamos surpresos quando vimos o artigo impresso, que nos chocou por ser um ataque à minha família", ela disse. "Para Daniel e eu, nossa prioridade na vida é Deus e a família. Todo o resto vem em segundo lugar", afirmou a influenciadora — que, por acaso, já morou em São Paulo. Hannah disse que, sim, é muito feliz.
A reportagem do jornal britânico talvez se baseie em uma ideia que, embora equivocada, se tornou popular nas últimas décadas: a de que as mães, o melhor atalho para a felicidade é dar as costas para o casamento e a maternidade (ou paternidade).
Mas os estudiosos do tema dizem outra coisa: as mães são mais felizes. Especialmente as casadas.
Especialmente entre as mulheres, casar-se e ter filhos está associado a níveis maiores de bem-estar. As evidências estão em dezenas de estudos feitos nos últimos anos, e podem ter implicações importantes sobre as políticas públicas.
Casamento está ligado à satisfação com a vida
Ao mesmo tempo em que a rota do casamento e da maternidade (ou paternidade) se tornam menos comuns, pesquisadores têm encontrado mais evidências de que as pessoas que optam por ela são mais felizes.
Uma pesquisa divulgada em fevereiro deste ano nos Estados Unidos estimou o bem-estar dos entrevistados por meio de uma pergunta simples: “De 0 a 10, em que 0 é a pior vida que você poderia ter e 10 é a melhor vida que você poderia ter, onde você se colocaria no momento?”
Os resultados do estudo, conduzido pela Gallup em parceria com o Institute for Family Studies [Instituto de Estudos Familiares], foram claros: “Tanto os homens casados quanto as mulheres casadas têm uma vantagem de 20 pontos percentuais em comparação com as pessoas do seu sexo que nunca se casaram”, afirma a pesquisa.
Entre 2009 e 2023, a Gallup entrevistou quase 800 mil americanos. Durante todo período, os casados relataram um nível de satisfação com a vida maior do que os não-casados.
O padrão se amplia a ambos os sexos, mas ele é mais relevante entre as mulheres porque os homens, na média, têm uma saúde mental melhor.
O estudo também mostrou que os benefícios do casamento independem de raça ou religião. “O nível de escolaridade influencia o bem-estar, mas um adulto casado que não frequentou o ensino médio tem, em média, uma avaliação melhor da vida a vida de forma do que um adulto solteiro com pós-graduação, após ajuste para sexo, raça e idade”, diz o estudo da Gallup, um dos institutos de pesquisa mais conceituados dos Estados Unidos.
Pesquisador explica benefícios do casamento
Economista-chefe da Gallup e autor do estudo divulgado em fevereiro deste ano, Jonathan Rothwell conversou com a reportagem da Gazeta do Povo. Segundo ele, o efeito positivo do casamento é evidente.
"As pessoas casadas têm mais emoções positivas e menos emoções negativas diariamente. Elas são mais propensas a classificar sua vida como sendo altamente satisfatória ou próxima de seu ideal. E eles antecipam um futuro melhor para si mesmas quando solicitadas a avaliar como acham que será sua vida nos próximos cinco anos", afirma Rothwell.
Ele acrescenta que pessoas que vivem com seus parceiros sem serem casados não têm um nível de satisfação igual ao de quem se casou. "As pessoas que estão nessa categoria relatam um bem-estar um pouco maior do que as pessoas que são solteiras e nunca se casaram, mas menor que o das pessoas casadas", explica.
Rothwell diz que os benefícios do casamento aparecem em diferentes culturas. Na verdade, ele acrescenta, a diferença entre casados e não-casados é ainda maior em países mais igualitários. "O que eu tenho visto nos dados é que os países que são mais desenvolvidos economicamente e provavelmente têm culturas mais modernas em termos de participação feminina na força de trabalho, além de níveis mais baixos de participação religiosa, são os lugares que tendem a ter o maior benefício do casamento sobre bem-estar".
Uma possível explicação, diz ele, é o fato de que em sociedades tradicionais os casamentos arranjados ou forçados são mais comuns.
Embora a pesquisa conduzida por Rothwell tenha dados convincentes, ainda seria possível indagar: como saber se a causa e o efeito não estão invertidas? Talvez as pessoas mais felizes têm mais chances de se casar. Em 2017, um estudo feito no Reino Unido respondeu essa pergunta. Os autores encontram um efeito positivo do casamento sobre a felicidade, mesmo quando se leva em conta o quão felizes eles eram antes de se casar. Quem já era feliz ficou ainda mais; quem não era feliz ficou mais próximo da felicidade.
Dezenas de outros estudos apontam na mesma direção.
As mães são mais felizes - especialmente as casadas
Depois de se casar, ter filhos costuma ser uma boa ideia. Estudos recentes têm mostrado que, na média, as mães são mais felizes.
Na edição de 2020 da American Family Survey (Pesquisa da Família Americana), 25,9% das mães se disseram “completamente satisfeitas”, ante 12,9% das que não são mães. Quando se somam as que se dizem “parcialmente” ou “completamente” satisfeitas, as mães têm uma vantagem de 68,48% ante 60,75% das que não são mães.
O relato também mostrou que as mães casadas são o grupo mais feliz de todos. Já as mães não-casadas não têm uma vantagem visível sobre as mulheres que não têm filhos. Ou seja: a combinação entre casamento e maternidade é, estatisticamente, o melhor caminho para a felicidade.
Um estudo publicado em 2017 concluiu que o nível de felicidade aumenta já durante a gestação. Outro levantamento, feito na Polônia, mediu o efeito de se tornar pai ou mãe: “Nossos resultados revelam um efeito positivo significativo do primeiro filho sobre o bem-estar subjetivo das mães”, concluíram as autoras da Escola de Economia de Varsóvia, a mais antiga faculdade de administração na Polônia.
As pesquisadoras também notaram que, entre os homens, o impacto é temporário. Ou seja: ter um filho afeta mais o bem-estar da mãe do que do pai. Por isso, a diferença entre mães e não-mães é maior do que a entre pais e não-pais.
A maternidade também traz desafios adicionais às mulheres; como as crianças demandam uma grande quantidade de tempo e energia, nem sempre o efeito sobre o bem-estar da mãe vai ser tão visível. Um estudo feito em 22 países descobriu que a existência de políticas públicas de apoio à família (licença-maternidade, subsídios para creche e escala de trabalho flexível) faz a diferença no nível de felicidade dos pais.
Os efeitos nas políticas públicas
Se o casamento e a maternidade aumentam o bem-estar das pessoas, é razoável supor que o Estado deve implementar políticas de promoção de ambos. Mas, para Rothwell, esses incentivos devem ser pensados com cautela. Pessoas que se casam e têm filhos por dinheiro talvez não devessem se casar ou ter filhos.
"Não se deve desencorajar as pessoas de buscar algo que provavelmente as beneficiará, mas não acho que precisamos ir ao outro extremo e pagar as pessoas para se casarem", afirma o pesquisador.
Apesar de o casamento e (provavelmente) a maternidade estarem associados a um nível de felicidade maior, a autora Katy Faust lembra que a prioridade dos governos deve ser o bem-estar da criança. À Gazeta do Povo fundadora do projeto Them Before Us [Eles antes de Nós] lembrou que crianças que vivem com um pai e uma mãe casados têm níveis melhores de saúde emocional, são mais sociáveis e apresentam melhores resultados na escola.
“É verdade que o casamento é importante tanto para a felicidade do homem quanto para a da mulher. Mas o governo não é responsável por manter os adultos felizes”, ela afirma, antes de continuar: “O governo é responsável por proteger os direitos dos mais vulneráveis e incentivar condições que levem ao florescimento das crianças”.
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