Se você defende que as pessoas tenham mais renda, longevidade e educação (desenvolvimento humano), então você também deveria defender que o Estado saia do caminho, ou interfira menos, para que elas sejam livres para oferecer seu trabalho, produtos e serviços umas às outras (liberdade econômica). A conclusão de múltiplas pesquisas é reforçada por um novo estudo feito por Lucas Pedrosa, mestre em economia e especialista em gestão pública, para o Instituto Millenium, divulgado na última semana. Em suma, a análise concluiu que mais da metade do desenvolvimento humano de um país pode ser creditada à promoção da liberdade econômica. Por outro lado, a relação com a desigualdade social, embora exista, é fraca.
O pesquisador aponta que, se um país quer ser mais generoso para melhorar a vida de seus cidadãos, o foco das políticas públicas deve estar em assegurar a propriedade privada, a segurança jurídica, menos impostos, menor gasto público e melhor ambiente de negócios. “O debate a respeito de redução de desigualdades, a despeito de seus méritos no quesito de justiça social, deixa a desejar nos seus fins — ele é pouco eficiente na consecução do desenvolvimento humano, tendo baixo impacto”, conclui o mestre em economia. “Em contraposição, a liberdade econômica, pouco debatida, tem um efeito muito mais forte no incremento do desenvolvimento humano.”
Renda, longevidade e educação são fatores levados em conta no cálculo do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) utilizado pelas Nações Unidas. Pedrosa coletou uma série histórica do IDH mundial, bem como do índice Gini, que estima a desigualdade econômica. Como existem diferentes cálculos da liberdade econômica de um país, o autor escolheu o Índice de Liberdade Econômica (ILE) da fundação americana Heritage. Ele também tomou outras estatísticas como o PIB per capita, que é a riqueza produzida por um país dividida pelo número de habitantes. Ao todo, a análise juntou 80 a 90 países, a depender do teste.
Resultados
Embora confirme a crença dos “progressistas” e da “esquerda” de que desenvolvimento humano não caminha junto com a desigualdade (de fato, quanto maior é a desigualdade material de um país medida pelo Gini, menor tende a ser o IDH local), o autor pondera que essa relação “é fraca”. Somente 11,4% do status de desenvolvimento humano de um país pode ser explicado pelo nível de desigualdade.
Enquanto países europeus têm baixa desigualdade e alto desenvolvimento, a América Latina, incluindo o Brasil, desmente o padrão por ter tanto IDH quanto Gini relativamente altos no cenário global. Sem surpresa, o IDH alto caminha junto com PIB per capita alto: quem tem mais dinheiro vive melhor.
O estudo investigou, também, se a quantidade de riqueza nas mãos da quinta parcela mais rica da população teria um impacto negativo no desenvolvimento humano. A resposta é sim, porém, mais uma vez, o impacto é baixo: a concentração de renda explica apenas 15,5% do status de desenvolvimento humano. Tomando o um quinto da população que é o mais pobre, no entanto, nenhuma relação pode ser inferida. Quanta renda está na mão dos mais pobres, portanto, não parece ser relevante para o IDH de um país. Disso, o pesquisador conclui que “a desigualdade social impacta negativamente, mas de forma fraca, o desenvolvimento humano”.
O índice de liberdade econômica é complexo e leva em conta vários fatores como liberdade de investimento, crescimento do PIB, saúde das contas públicas, segurança jurídica, liberdade trabalhista, liberdade comercial e direitos de propriedade. Investigando cada um desses fatores isoladamente, a análise aponta que é importante a relação entre os dois últimos — liberdade comercial e direitos de propriedade — com a redução da desigualdade. Porém, também é relativamente fraca a relação entre liberdade econômica e desigualdade (uma explica somente 13,1% da outra).
O resultado mais forte do estudo está na relação entre a liberdade econômica e o desenvolvimento humano. Quanto mais livres são os indivíduos, melhor eles vivem. O desenvolvimento humano pode ser explicado em 52,1% pela liberdade econômica, conforme os dois índices envolvidos (IDH e ILE, respectivamente). Em ciências sociais, a relação pode ser considerada forte, como comenta o autor. “Mais da metade do aumento no nível de desenvolvimento humano pode ser explicado pela elevação da liberdade econômica de um país”, escreveu ele.
Uma crítica comum a esse tipo de pesquisa é que o fato de duas coisas andarem juntas (a existência de correlação) não implica que, necessariamente, uma causou a outra. Em entrevista à Gazeta do Povo, Pedrosa reconhece isso, mas argumenta que “a causalidade entre essas variáveis já foi verificada em vários trabalhos anteriores, conforme se pode observar nas pesquisas” que cita no estudo.
Preocupação com os pobres ou aversão aos ricos?
O filósofo Harry Frankfurt concorda com Pedrosa sobre o erro de colocar o foco na redução de desigualdades materiais. Em seu livro “On Inequality” (“Sobre a Desigualdade”, em tradução livre), de 2015, ele especula que um dos motivos das obsessões por distribuição equitativa de recursos é que “a própria ideia de ter uma parcela igual [à dos outros] é em si consideravelmente mais transparente e inteligível que a ideia de ter o suficiente”. Ou seja, é mais fácil entender o que é ter a mesma quantidade que o outro do que entender qual quantidade mínima é a suficiente, abaixo da qual a pessoa sofre por pobreza objetiva.
“A condenação igualitária da desigualdade como algo inerentemente ruim perde muito de sua força”, comenta o filósofo, “quando reconhecemos que aqueles que estão em pior situação que os outros podem mesmo assim estar em boa situação”. Para Frankfurt, o que deve nos preocupar “é se as pessoas têm boas vidas, e não como as suas vidas se comparam às vidas dos outros”. Pobreza é o problema, não desigualdade.
Mas há uma barreira psicológica para que muitos defensores de políticas de “redistribuição” de renda acompanhem o raciocínio do filósofo e do economista. Um estudo de Chien-An Lin e Timothy Bates, ambos do Departamento de Psicologia da Universidade de Edimburgo, Escócia, descobriu que os adeptos da ideia da redistribuição para combater a desigualdade são distinguíveis não só pela compaixão, mas também, importantemente, pela inveja maliciosa. É o tipo de inveja que quer a queda dos bem-sucedidos, em vez da elevação dos mal-sucedidos. Fica difícil, de fato, transformar em preocupação com pobres algo que é uma aversão a ricos.
As descobertas do Instituto Millenium são corroboradas por muitos outros estudos. Em um deles, considerado por especialistas como Bryan Caplan um dos melhores em economia dos últimos anos, Justin Callais, da Universidade da Luisiana em Lafayette, e Vincent Geloso, da Universidade George Mason, testaram os impactos diretos e indiretos da liberdade econômica sobre a mobilidade de renda entre gerações. Eles concluíram que componentes da liberdade econômica como os direitos de propriedade são mais importantes que a desigualdade como determinantes da mobilidade social, ou seja, da oportunidade que os pobres têm de subir na vida.
“Costumo dizer que o Brasil é um país em que a sociedade não gosta dos políticos, mas ama o Estado”, diz Lucas Pedrosa à Gazeta do Povo. “Em qualquer problema que haja, é o primeiro ente a quem recorrem. Sempre estão pedindo uma lei contra isso ou aquilo; ou investimento público em tal e tal área”. Ele não nega que a atuação do Estado é fundamental em segurança e infraestrutura, “mas a atuação dele em todos os âmbitos da vida humana é sovietismo”. Quanto à volta de Lula ao poder, ele pensa que as coisas não vão mudar muito. O Brasil “flerta com o abismo”, reflete, “mas na ‘hora H’ damos um passo para trás”. Assim, nosso país fica “condenado à mediocridade”, não chegando a ser Venezuela ou Argentina, mas também passando longe de ser Suécia, Reino Unido ou Estados Unidos.
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