• Carregando...
Estudantes no campus da UnB (da Universidade de Brasília): instituição tem representantes entre vencedores do Prêmio CAPES
Estudantes no campus da UnB (Universidade de Brasília): instituição tem representantes entre autores premiados| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Todo ano, a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) premia os autores das melhores teses de doutorado produzidas no país.

O Prêmio CAPES, que o órgão chama de “O Oscar da ciência brasileira”, existe para reconhecer o que de mais relevante é produzido pelos novos doutores do Brasil.

A lista de ganhadores mais recente saiu no fim de agosto: foram 49 teses premiadas, além de 97 que receberam menções honrosas. Ao todo, 1.632 doutores concorreram ao prêmio.

Boa parte das obras selecionadas atende aos critérios de excelência acadêmica. Mas alguns dos trabalhos na lista do Prêmio CAPES chamam atenção por outros motivos: a linguagem confusa, a temática obtusa e a substituição do rigor científico pela militância ideológica.

Conheça dez teses, dentre as laureadas pelo Prêmio CAPES, que se destacam pelo caráter… incomum.

1) Um estudo da "brodagem"

Nessa tese de doutorado, o autor mergulhou em uma autoetnografia. Em outras palavras: ele relata, em primeira pessoa, a experiência que teve no mundo dos marombeiros da capital baiana. O trabalho tem 236 páginas.
Título: "Brodagem, moral e músculo: a malhação de rua em Salvador"
Categoria: Antropologia/Arqueologia
Instituição: UFBA (Universidade Federal da Bahia)
Autor: Lucas Silva Moreira
Orientador: Moisés Vieira de Andrade Lino e Silva
Trecho: “A resenha é estimulada entre os convivas na Academia dos Brothers e busca geralmente envolver todos os presentes: assim, eu mesmo fui diversas vezes personagem ou tema da resenha. A minha própria masculinidade foi fortemente questionada, tanto em conversas mais abertas, explícitas e brincalhonas(...). Houve, em um número significativo de ocasiões, tentativas de me ridicularizar por certos jeitos corporais e modos de falar. Esse hábito de ridicularizar o outro quando são identificados nele certos traços corporais, atitudes de muita intimidade ou mesmo formas de pensar que não correspondem às expectativas de gênero dos frequentadores faz parte da resenha(...).”
Link da tese de doutorado

2) Saúde antirracista

Aqui, a autora explora o adoecimento pela perspectiva antirracista. As menções ao "racismo estrutural" aparecem aos montes. Sobrou até para o "cisheteropatriarcado".
Título: "Desigualdades raciais na ocorrência de multimorbidade entre adultos e idosos brasileiros: 10 anos do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil)"
Categoria: Saúde coletiva 
Autora: Fernanda Esthefane Garrides Oliveira 
Orientadores: Leonardo Soares Bastos e Rosane Harter Griep
Trecho: “É importante mencionar nesta tese que, assim como o racismo e a discriminação racial podem afetar a saúde por diversos mecanismos, outras formas de opressão e discriminação também podem prejudicar a saúde, não atuando simplesmente de forma aditiva, mas na intersecção das identidades sociais. A interseccionalidade visa dar instrumentalidade teórico-metodológica à inseparabilidade estrutural de opressões, como racismo, machismo e cisheteropatriarcado (AKOTIRENE, 2020).”
Link da tese de doutorado

3) O feminismo aplicado à Bíblia

Nem todo doutorando em Teologia de uma faculdade jesuíta vê a Bíblia como um livro inerrante. Nessa tese, a autora tenta demonstrar o caráter misógino do Cristianismo. O capitalismo tampouco é poupado.
Título: "Efésios 5,21-33: Análise ético-feminista da retórica de submissão da mulher nas obras da Editora Fiel"
Categoria: Ciências da Religião e Teologia
Instituição: FAJE (Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia)
Autor: Karen de Souza Colares
Orientador: Élio Estanislau Gasd
Trechos: “O Estado moderno e a economia do capitalismo surgem como instituições patriarcais. O patriarcado, historicamente anterior ao capitalismo, fez adaptações e tornou-se consubstancial à formação social capitalista.”

“O sexismo e misoginia presentes na história do Cristianismo se encontram bem documentados e as pretensas bases bíblicas do discurso antropológico que afirma a inferioridade feminina seguem sendo problematizadas, bem como suas inevitáveis consequências. “
Link da tese de doutorado

Sede da Capes: premiação anual como “Oscar da ciência”
Sede da Capes: premiação anual como "Oscar da ciência"| Marcello Casal Jr/Agência Brasil

4) Cruzada contra a desinformação

O objetivo desta tese é analisar a divulgação de informações falsas sobre ciência nas redes sociais. Até aí, tudo bem. Mas, como era de se esperar, o trabalho se perde nas críticas à "extrema-direita". O termo "Bolsonaro" aparece 205 vezes no trabalho de 243 páginas.
Título: "Sobre a propagação de desinformações científicas nas redes sociais: Uma pesquisa etnográfica no Twitter para reflexões sobre a educação em ciências"
Autora: Gabriela Fasolo Pivaro
Instituição: UNICAMP
Orientador: Gildo Girotto Junior
Trecho: "Discursos populistas tendem a ganhar força em tempos de incertezas econômicas e de mudanças culturais e sociais. A extrema direita, utilizando dessa fragilidade para recriar a realidade em seus próprios termos, vende uma realidade alternativa de que brancos sofrem racismo e homens são oprimidos por mulheres, cujos pressupostos são então generalizados em frases de efeito ('Torne a América Grande Novamente', 'Reassuma o Controle') que remontam a um período anterior aos movimentos civis feministas, LGBTs e negro".
Link da tese de doutorado

5) A favor da "eurofobia"

Finalmente uma "fobia" socialmente aceitável: a "eurofobia". Nesta tese, a pesquisadora ecoa o argumento de uma filósofa nigeriana, segundo a qual talvez o preconceito contra os europeus (a "eurofobia") nem seja tão ruim assim. Pontos extras pelo uso de neologismos como "corpo-orí-idade".
Título:  "Corpo-orí-idade: uma investigação filosófica sobre ontologia relacional no pensamento de Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí" 
Categoria: Filosofia
Instituição: UnB (Universidade de Brasília)
Autora: Aline Matos da Rocha
Orientador: Wanderson Flor do Nascimento
Trechos: “Toda vez que (d)escrevemos Oxum como mulher ou deusa confirmamos a vitória da colonização e sua hierarquização de Deus(es)99 e deusas. Alguns exemplos são a colocação de Oyá, Obá e Oxum como esposas subordinadas de Xangô, assim como o fato de Olodumarê ser descrito como um homem, um Deus cristão Todo-Poderoso. Mas por que Deus é necessariamente um homem?”
Link da tese de doutorado

6) "Possibilidades de territorializações e apropriações"

Aqui, feminismo e urbanismo se encontram. Quem se aventurar a ler as 213 páginas dessa tese vai encontrar uma mistura de conceitos vagos como "desenraizamentos" e "experiências microescalares e subalternizadas". Quanto mais sílabas, melhor.
Título: "Territórios De (Re)existência: cidades, mulheres e as Redes de cuidado como subversão da política pública habitacional"
Categoria: Planejamento Urbano e Regional / Demografia
Instituição: Unisc (Universidade de Santa Cruz do Sul)
Autor: Tuize Silva Rovere Hoff
Orientador: Cláudia Tirelli
Trecho: “Assim, o corpo se torna a primeira das múltiplas escalas de análise que aqui se apresentam para chegar ao vivido, é a partir dele que se ampliam as possibilidades de territorializações e apropriações espaciais, possibilitando a recuperação das formas do todo da cidade desde as práticas individuais, como aponta Lepetit (1998) sobre a multiplicidade de escalas de análise."
Link da tese de doutorado

7) Um genocídio em andamento?

A tese parte do falso, pressuposto, nunca questionado pelo autor, de que existe um genocídio da população negra no Brasil. O jargão pós-moderno recheia as 391 páginas dessa tese.
Titulo: "Quando o luto é luta, mobilização é ato criativo: experiências coletivas de jovens e mães em luta contra o genocídio da juventude negra"
Categoria: Comunicação e Informação
Instituição: UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais)
Autora: Rafaela Pereira Lima
Orientador: Márcio Simeone Henriques 
Trecho: “O mesmo podemos dizer em relação ao racismo e à estrutura genocida das políticas de segurança pública. O que se conquista na luta coletiva contra esses horrores tão impregnados em nossa sociedade são, no máximo, fissuras. Isso fica evidente, por exemplo, nos mais de dois anos de tramitação, em passos lentíssimos, dos projetos de lei, criados pela deputada estadual Andréia de Jesus em parceria com as Mães de Luta, que propõem a instituição da Semana Estadual das Vítimas de Violência de Estado em MG, além de medidas de reparação quanto a essas violências.”
Link da tese de doutorado

8) Abaixo o eurocentrismo

As frases longas e a rejeição à objetividade dão o tom desta tese de doutorado, que elogia a "potência descolonizante" das religiões afro-brasileiras contra as "imposições ocidentais" e a visão "eurocêntrica".
Título: "Territorialidades do axé na região sudoeste do Paraná: as múltiplas encruzilhadas da cosmopolítica afro-brasileira"
Categoria: Planejamento Urbano e Regional / Demografia
Instituição: UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná)
Autor: Jean Filipe Favaro
Orientadores: Hieda Maria Pagliosa Corona e João Daniel Dornelles Ramos
Trecho: “Acionando o aporte teórico das ecologias políticas mencionadas, a dissertação de mestrado no curso supracitado foi desenvolvida, possibilitando romper com a forma eurocêntrica de produzir ciência que sustentava a minha formação de engenheiro florestal, na abordagem com os coletivos afro-religiosos, e adentrar com potência na realidade, sem estabelecer divisões precisas entre subjetividade e objetividade, que conforma a rede de actantes seguida empiricamente. A perspectiva decolonial permitiu elaborar críticas e problematizações ontológicas e epistêmicas das concepções étnico-raciais, de gênero, de classe, de cosmologia, de padrão de saber e poder colonial/moderno que atravessam a América Latina em relações de opressão e resistência. Nesse contexto, as religiões afro-brasileiras em suas ontologias, saberes e fazeres, se mostraram com uma potência descolonizante das diversas imposições ocidentais, que resistem às atribuições de atraso, selvageria, crime e barbárie na escala evolucionista do progresso.”
Link da tese de doutorado

9)Marx não morreu

Esta tese utiliza o "materialismo histórico-dialético", um conceito obsoleto criado por Karl Marx, para analisar o processo de avaliação das instituições de ensino superior no Distrito Federal.
Título:  "Avaliação institucional externa e diversidade institucional no campo da educação superior no Distrito Federal"
Categoria: Educação
Instituição: UnB (Universidade de Brasília)
Autora: Jane Cristina da Silva Pinto
Orientador: José Vieira de Sousa
Trecho: "Para compreender as relações que se estabelecem entre o Estado e a sociedade, por meio das políticas públicas da educação superior, foi adotada a noção de Estado a partir da perspectiva marxista. Esta opção se deu em virtude do seu potencial crítico-analítico na explicação das relações antagônicas que caracterizam a sociedade capitalista, marcada pela dominação de classe (MARX, 1985)."
Link da tese de doutorado

10) Matemática indígena

Nesta tese de doutorado em Matemática, o autor passa boa parte do tempo descrevendo suas interações com os povos Kaiowá e Guarani em busca de "outras lógicas" para o que ele chama de "matemática ocidental".
Título:  "E Teko e Arandu e produção de subjetividades e educação superior e educações outras...: modos de vida criados e afirmados por Kaiowás e Guaranis"
Categoria: Matemática
Instituição:
UNESP (Universidade Estadual Paulista) Rio Claro
Autor:
Jorge Isidro Orjuela Bernal
Orientador:
Roger Miarka
Trechos:
“Éramos conscientes de que teríamos que operar – esses – conceitos inerentes a uma matemática específica – a ocidental – a partir de outras lógicas, isto é, as lógicas perspectivas de pensamento dos Kaiowá e Guarani. A principal questão residia em como alcançar tal objetivo. Como poderíamos facilitar discussões em torno desses conceitos de cálculo matemático de se abriram a operar com os modos próprios da vida destes povos? Em outras palavras, como esses conceitos poderiam se entrelaçar ou articular – ou não – agenciamentos que são produzidos por Kaiowás e Guaranis, ao invés de fazer “traduções” ou adaptações entre esses conceitos e as práticas culturais destes povos.”

“O estar junto aos Kaiowá e Guarani em diferentes espaços, entre eles a própria disciplina de Cálculo, ajudou-me a entender que a esperança é infinita diz da singularidade de um modo de pensamento que estabelece outro tipo de relações com o mundo, do caminhar contínuo de dois povos na procura, a meu ver, já não mais de Yvy Marãe, a Terra sem mal, “da migração, como história e como projeto”, mas, como mencionado no capítulo anterior, com a contínua criação e manutenção de territórios existenciais nos quais possam ser-estar no mundo, em correspondência com seus valores culturais."
Link da tese de doutorado

O que diz a CAPES

Os vencedores de cada categoria do Prêmio CAPES recebem uma medalha, um certificado e uma bolsa de um ano para um estágio pós-doutoral. O orientador do trabalho embolsa R$ 3 mil.

Procurada pela reportagem, a CAPES afirmou que "as teses inscritas junto à CAPES são escolhidas pelos próprios programas de pós-graduação das instituições de ensino superior e pesquisa, que criam comissões de avaliação internas com pesquisadores de renome".

O órgão explicou que, em cada uma das 50 áreas de avaliação, um grupo de no mínimo três professores doutores avalia os concorrentes. Segundo a CAPES, a avaliação premia "a originalidade, relevância para o desenvolvimento científico, tecnológico, cultural e social, metodologia utilizada, qualidade da redação, organização do texto e qualidade e quantidade de publicações decorrentes da tese".

"A CAPES tem a confiança de que os critérios de premiação são adequados e de que os vencedores de fato representam uma parte do que há de melhor da produção acadêmica brasileira", disse o órgão, em nota.

Orientador defende tese

Gildo Girotto Junior, professor da Unicamp e orientador da tese citada no item 4 desta lista, procurou a Gazeta do Povo após a publicação da reportagem. Veja abaixo trechos do texto enviado por ele à redação.

"A tese desenvolvida descreve da página 16 a 76, a metodologia de acesso e análise de dados. Detalha todo o percurso da pesquisa e esmiúça a forma como os dados foram analisados de modo a garantir o rigor metodológico. O texto publicado no jornal não leva em consideração que existem diferentes metodologias no campo científico para além do positivismo restrito e de caráter puramente analítico. Uma leitura detalhada do trabalho pode esclarecer que, há sim rigor científico e metodológico. Portanto, o 'caráter incomum', em tom de crítica não se sustenta. É necessário conhecer os diferentes percursos e caminhos epistemológicos das diferentes áreas de conhecimento.

(...)

O trabalho destaca que uma das estratégias para propagação de desinformação é a hiperparticularização de conceitos, que consiste em utilizar conceitos fora de seu contexto original para criar argumentos que sustentem uma notícia falsa. O texto publicado faz exatamente isto. Mais do que isto, o trecho citado é uma assertiva interessante da tese e, nem mesmo fora de seu contexto, serve de argumento para justificar a ausência de rigor metodológico ou a ideologia em substituição a metodologia científica."

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]