Sempre gostei muito de crianças. Quando tenho a oportunidade de pegar um bebê no colo, isso me faz muito bem. Sempre senti uma energia muito positiva, que me renovava a alma.
As crianças sempre me receberam muito bem. Brinco dizendo que devo me parecer com um anjo, porque dizem que crianças veem anjos e, quando elas me veem, abrem logo um sorrisão e facilmente pulam nos meus braços. Logicamente, isso é só brincadeira, mas talvez a minha vontade de ser pai me fizesse pensar que isso poderia até ser verdade.
Imaginava um dia poder pegar meu filho nos braços. Tanto que, quando o dr. Marcos, médico obstetra que fez o parto do Rafael, o puxou na cesariana e pude ver aquela cabecinha e aquele rostinho, parecia um encontro de velhos amigos. Era um rosto familiar, e senti uma vontade imensa de abraçar e beijar aquele pequeno ser, que hoje, com meu Deus, é a razão da minha vida.
Um amor de fazer chorar, que jamais me cansarei de declarar. Nunca vivi uma emoção como aquela. No momento do nascimento do Rafa, a imagem da minha mãe me veio à cabeça. Somente ali tive a noção da importância de conceber um filho e a certeza do amor que ele sente por mim.
Quantas vezes, quando saía de moto e chegava em casa tarde da noite, deixando‑a preocupada, não me dava conta do sofrimento que lhe causava. As frases sempre repetidas – “Marcelo, não consigo dormir enquanto você não chega” – me cansavam, mas hoje sei que um filho é uma bênção e, como pai que hoje sou, entendo a minha mãe.
No momento do nascimento do Rafael, me lembrei de Deus. Naquela hora vi o quanto meu Senhor me ama e o quanto sou querido por Ele. Hoje, com o Rafael no colo, sempre sussurro as mesmas palavras no seu ouvido: “Filho, Papai do Céu deve ter adoração pelo seu pai. Se Ele sente o que sinto por você, filho, é porque eu sou muito especial para Ele. Ainda mais por Ele ter confiado você a mim, um bebê especial!”.
Na verdade, naquele hospital, no dia 4 de outubro de 2006, descobri qual é a minha missão: ser pai. Eu nasci para ser pai, para cuidar dessa criança tão adorável que é o Rafael.
Hoje, faço questão de dar papinha, banho, trocar fraldas, e já tomei até um “pum” na cara; e o melhor é que acho a maior graça em tudo isso. Obviamente, não dou um banho igual ao da mãe. Procuro lavar pescoço sujo, orelha suja etc. E o Rafa adora. Acho que ele não puxou a mim, que quando criança corria de banho.
O Rafa se diverte muito na hora do banho. Agora está com a mania de terminá‑lo em pé. Eu peço para que fique sentado na banheira, mas como já abusa do poder que exerce sobre mim, nem me dá ouvidos. Insiste em ficar com aquela bundinha travada e com as coxinhas duras, querendo ir não sei aonde.
Muitas vezes, quando eu era pequeno, não sentia falta de banho. Ao relembrar desse tempo, recordo de minha avó Maria, que me falava assim: “Meu filho, põe uma cuequinha, que a vovó lhe dá banho”. Eu respondia: “Vó, a senhora está doida! Ficar na sua frente de cueca jamais! Vou morrer cascudo, mas não tomo banho”.
Quando meu pai chegava em casa, do trabalho, ela ia buscá‑lo, lá na porta, e contava minha decisão: “Alfredo, o menino não quer tomar banho. Faça alguma coisa, porque ele está com um cascão tão grosso no pescoço, que nem consegue mexer a cabeça”.
Certamente, minha avó era exagerada, mas não era necessário o meu pai falar alguma coisa. Bastava um olhar e eu já estava embaixo do chuveiro. Mas, às vezes, desafiava o perigo e, para contrariar, não me dava por vencido. Ligava o chuveiro, e, quando meu pai achava que eu estava tomando banho, eu me lavava na pia, achando que tinha sido o vencedor.
Realmente, eu era às vezes um garoto problemático. Certa vez, quando morávamos em um sobrado, havia somente um banheiro na parte de cima. Acordei bem cedinho com uma imensa vontade de fazer xixi. Só havia um banheiro e estava ocupado pelo meu pai.
Naquela época, meu irmão, que é apenas quatro anos mais velho do que eu, tinha o hábito involuntário de fazer xixi na cama. Tive medo de descer para usar o banheiro de baixo e, como estava muito apertado, sentei na cama e fiquei olhando para o Paulo dormindo. Nesse momento, me veio uma ideia fantástica: fazer xixi no Paulo, afinal, pela manhã todos iriam pensar que ele havia urinado novamente na cama.
Como meu irmão sempre teve o sono pesado, nem se deu conta do acontecido. Voltei para a cama sem o menor peso na consciência e dormi aliviado.
Quando, depois de algumas horas, o Paulo levantou sonolento, minha mãe foi arrumar a cama e pegou o pijama dele todo molhado. Ela não entendeu nada, porque a cama estava intacta e só suas costas estavam molhadas.
Conversando com meu pai, associaram o fato de eu ter ido ao banheiro de manhã e fizeram uma pequena investigação. Como já sabiam do meu histórico, me pressionaram e eu acabei me entregando. O Paulo queria me bater, mas meu pai não deixou.
Minha justificativa pode não ter sido convincente, mas sem dúvida, foi verdadeira. Eu disse que, como o banheiro estava ocupado e estava muito apertado, resolvi fazer xixi sobre o Paulo, afinal, como ele fazia xixi na cama quase todo dia mesmo, minha atitude não causaria problema algum. Realmente, minha infância foi bem divertida!
Mas voltando ao Rafa, o nosso banho é mais bagunça e farra. Por algumas vezes, ele até bebe água, porque não para um minuto. Um dia, ele ficou de bruços por cima da água com os braços e as pernas esticadas. Parecia uma ponte sobre a água; quis tirar uma foto, mas não deu tempo. Ele nunca havia feito isso antes. Foi uma atitude tão natural, a primeira de tantas que me encantam a cada dia.
Marcelo Nadur é personal trainer e professor de Educação Física. O texto acima reproduz, na íntegra, o primeiro capítulo de seu livro ‘Síndrome de Down: Relato de um Pai Apaixonado’, lançado no início deste mês pela editora Gaia. A obra transmite a experiência de Nadur na criação de uma criança especial, mostra ao leitor como deixar de lado os preconceitos e enfatiza a importância da família.
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