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No Dia Nacional do Livro, J.R. Guzzo, Guilherme Fiuza e Luís Ernesto Lacombe também comentam as melhores obras que leram neste ano.
No Dia Nacional do Livro, J.R. Guzzo, Guilherme Fiuza e Luís Ernesto Lacombe, entre outros colunistas da Gazeta, comentam as melhores obras que leram neste ano.| Foto: Montagem com imagens de divulgação

Para marcar o Dia Nacional do Livro, celebrado nesta terça-feira (29), convidamos um time de colunistas da Gazeta do Povo para comentar suas leituras preferidas em 2024. São títulos de diferentes gêneros, e não necessariamente publicados neste ano, reunidos aqui para compor um painel variado e inspirar próximas leituras. 

Instituído em 1966, o Dia Nacional do Livro é comemorado em 29 de outubro, data em que a Real Biblioteca Portuguesa, em 1810, foi oficialmente transferida para o Brasil e se tornou a Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro – seu acervo, no entanto, chegou dois anos antes, com a corte de Portugal. 

Veja a seguir o que alguns de nossos colunistas leram de melhor e mais instigante ao longo do ano. 

Guilherme Fiuza 

“O Sucesso Jamais Será Perdoado: A Autobiografia do Barão de Mauá” (Avis Rara, 2024). O que muitos chamam de liberalismo, talvez pudesse ser chamado de bom senso. Acompanhar o papel do Estado e das instâncias burocráticas através da trajetória empreendedora do Barão de Mauá no Brasil imperial deixa uma forte impressão: a de que o chamado “poder público” é frequentemente um ajuntamento de poderes privados, prontos para trair sua própria finalidade.

Daniel Lopez 

Um livro muito interessante que li recentemente se chama “A Tirania das Big Tech” (Vide, 2022), escrito pelo senador americano Josh Hawkey. Ele compara os atuais magnatas da tecnologia com os “barões ladrões” dos EUA do século XIX. Nos ajuda muito e entender o enorme poder dos graúdos do Vale do Silício. 

Sergio Moro 

Estou lendo “A Distant Mirror: The Calamitous 14th Century” (1987, sem edição brasileira), da ganhadora do prêmio Pulitzer Barbara W. Tuchman. Nele, a história e os costumes do século XIV, com a Peste negra, a Guerra dos Cem anos e outros eventos, é retratada em detalhes. Em tempos de turbulência política no Brasil, ler sobre um período tão distante e diferente acaba sendo relaxante.

Roberto Motta 

É impossível escolher um único livro. Neste ano, minhas melhores leituras foram “Censura por Toda Parte: Os Bastidores Jurídicos do Inquérito das Fake News e a Nova Onda Repressora que Assola o Brasil” (Avis Rara, 2024), de André Marsiglia, que trata da onda de neocensura que se instalou no país, “STF: Como Chegamos Até Aqui?” (Avis Rara, 2024), uma obra absolutamente essencial de Duda Teixeira, e o maravilhoso “A Causa”, de Joseph Ellis (LVM, 2024), que descreve o movimento de independência americana sob um olhar completamente novo. 

Luís Ernesto Lacombe 

Dos livros que li em 2024, meu preferido, aquele de que mais gostei, foi “Ideologias de Massa e suas Metamorfoses” (PHVox, 2023), do antropólogo Flávio Gordon, também colunista da Gazeta do Povo. Deveria ser leitura obrigatória para quem diz que o comunismo acabou e não há comunismo no Brasil, como alguns ministros do STF, por exemplo. Essa gente que se prende a verbetes ultrapassados de dicionários. Também deveriam ler o livro todos aqueles que vivem falando em fascismo, em nazismo, tentando esconder que esses regimes autoritários têm muito a ver com o comunismo.

Rodrigo Constantino

“The End and the Beginning: Pope John Paul II – The Victory of Freedom, the Last Years, the Legacy” (2011, sem edição no Brasil), de George Weigel, mostra como o Papa João Paulo II entendia com clareza que, acima da guerra cultural, temos ainda a guerra espiritual. No fundo é sempre uma batalha entre o Bem e o Mal. Quando constatamos a quantidade de gente no próprio Ocidente disposta a apoiar os malignos terroristas do Hamas, por pura ideologia ou interesses mesquinhos, também sabemos que estamos lidando com os bárbaros de dentro do portão. Essa é, acima de tudo, uma guerra espiritual.

Thiago Braga 

Em uma época em que tem surgido estalinistas defensores da ditadura soviética, poucas obras são tão urgentes para nos lembrar do terror daquele regime como a biografia de Stálin, escrita pelo professor Oleg Khleviniuk, pesquisador sênior do arquivo estatal russo. Na obra “Stálin:  Nova Biografia de um Ditador” (Amarilys, 2017), o professor Oleg nos mostra novos documentos, liberados somente após a queda da União Soviética, mostrando toda a desumanidade do ditador com ainda mais detalhes mórbidos que surpreenderão mesmo aqueles já acostumados com o tema: o ataque brutal ao campesinato, os expurgos e campos de trabalho escravo como o Gulag, além do infame pacto de amizade com Hitler. É uma leitura indispensável em tempos em que o totalitarismo parece estar ganhando força no imaginário da internet. 

Paulo Polzonoff Jr. 

Estou tendo um 2024 de muitas leituras boas, mas se neste Dia Nacional do Livro é para recomendar apenas um, não mais do que um livro, fico com “Padre Elias: Um Apocalipse” (Sétimo Selo, 2024), de Michael D. O’Brien. Os críticos dirão que o romance é assim um suspense meio formulaico, com diálogos que não prezam exatamente pela naturalidade e algumas cenas que lembram os deliciosos clichês do gênero. Mas dane-se o que dizem os críticos! Leia “Padre Elias” simplesmente porque é impossível passar incólume pelas sucessivas reflexões espirituais propostas pelo romance. Mas atenção: cada uma das mais de 500 páginas é uma crise. Por isso, eu o aconselho a ler o livro apenas se você estiver aberto ao poder purificador das crises desencadeadas por um contínuo exame de consciência sobre nossa atuação neste mundo que glorifica o pecado.

Francisco Escorsim 

Dois mil e vinte e quatro foi o ano em que surgiu um novo livro póstumo de Gabriel García Márquez, “Em Agosto nos Vemos” (Record), obra que, embora seja compreensível ser publicada, por outro lado está claramente inacabada e, se vivo estivesse, dificilmente seria lançada por seu autor nas condições em que se encontra. Por isso, melhor continuar considerando como seu último livro o “Memória de Minhas Putas Tristes” (Record, 2025), que fez aniversário de 20 anos de publicação original, sendo uma suma dos pilares de sua literatura, que são “Cem Anos de Solidão” e “O Amor nos Tempos do Cólera”. Um livro breve, de leitura fácil, porém profundo e comovente, capaz de fazer o leitor, como seu protagonista, ter seu “coração a salvo, e condenado a morrer de bom amor na agonia feliz de qualquer dia depois dos meus cem anos”.  

Luciano Trigo 

Como era previsível, o melhor lançamento editorial do ano foi solenemente ignorado pela velha mídia: “Revolução Cultural Silenciosa: Como a Esquerda Radical Assumiu o Controle de Todas as Instituições”, de Christopher F. Rufo (Avis Rara, 2024). O autor faz uma investigação detalhada das estratégias de infiltração e ocupação gradual, por intelectuais e militantes de esquerda, do ambiente acadêmico e outras instituições sociais. Recapitulando as trajetórias de Herbert Marcuse, Angela Davis, Paulo Freire e Derrick Bell, Rufo demonstra como o marxismo se fundiu com ideologias identitárias, com o propósito de destruir a sociedade a partir de dentro, corroendo seus valores em nome de ideias abstratas, como justiça social. Mas Rufo também detecta e analisa os sinais de uma contrarrevolução que se anuncia. 

Paulo Cruz

A literatura é um universo cuja criatividade pode ser exercida de maneira absolutamente inusitada. Desde a narrativa mais linear do romantismo até as experimentações contemporâneas mais inusitadas, não há limites e fronteiras que um bom escritor não seja capaz transpor com maestria. E foi essa a sensação que tive ao ler “Jazz” (Companhia de Bolso, 2009), da escritora americana Toni Morrison. Publicado em 1992, a história parte de um curioso crime passional, no bairro negro do Harlem (NY), e vai se desenrolando à maneira de uma peça musical de jazz – de free jazz, para ser mais exato. Com uma narrativa pulsante, cheia de improvisos, a obra desafia o leitor a um mergulho nas sensações evocadas pelo ritmo sincopado, pelos fluxos de consciência, pela pontuação e narração propositalmente irregulares... enfim, pelo espírito livre e rebelde da música nascida na mítica Nova Orleans. É fácil se perder em “Jazz”, mas, se encontrando, o leitor estará diante de um tesouro literário.

Carlos Alberto Di Franco 

Recomendo a leitura de dois livros muito interessantes. “O Quinto Movimento: Propostas para uma Construção Inacabada” (Já Editores, 2021): Aldo Rebelo, armado de grande cultura histórica e visão de estadista, faz um mergulho retrospectivo no caminho percorrido. Identifica desvios e equívocos e projeta um facho de luz para retomar a caminhada. Analisa a complexa “Questão Nacional” e, no seu fascinante “Quinto Movimento”, com coragem e sinceridade, traça um roteiro para a reconstrução nacional. Um livro obrigatório para quem quer entender o Brasil. 

“O Fio de Ariadne: A Literatura e o Labirinto da Vida” (Cultor de Livros, 2022): Rafael Ruiz, em seu livro, procura olhar para a literatura como um caminho que leva o ser humano à plena realização, ou seja, é um trajeto que humaniza o ser humano. Funciona como um mapa que nos leva em busca do humano. Esse mapa nos guia através de histórias já conhecidas, apontando-nos as armadilhas e os tesouros do coração do homem. Um livro original e instigante.

J.R. Guzzo

Pense por uns minutos na seguinte frase: “Marcela me amou durante quinze meses e onze contos de réis”. Sinceramente: dá para um escritor de verdade fazer melhor do que isso? Dá para chegar perto ou, se o escritor for realmente muito bom, ficar mais ou menos no mesmo nível em matéria de habilidade, capacidade de fotografar com palavras as emoções da vida e inteligência em estado puro. Mas não é possível ir além disso. “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (Nova Aguilar, 1994) foi o melhor livro que li em 2024, como poderia ter sido em 2023, ou poderá ser em 2025 – ou em qualquer outro ano. 

Definições arrasadoras como o amor de Brás Cubas por Marcela são o sal da terra na obra de Machado de Assis; vão dando prêmios ao leitor do começo ao fim de seus romances adultos. Não é preciso, lendo as “Memórias”, ficar na torcida para chegar aos melhores momentos – aquela hora de inspiração espetacular que distingue os grandes escritores dos escritores. Só há melhores momentos. 

Machado de Assis é um escritor imanente. Não foi o gênio de uma época, ou um estilo, ou uma escola literária. Basicamente, e como muito poucos artistas, ele estará entre nós para sempre – como Shakespeare, Dickens ou Balzac. “Memórias” foi escrito 144 anos atrás, quando o autor tinha que escrever à mão, no papel e à luz de vela. Poderia ter sido publicado ontem. Há alguma coisa mais atual, ou mais contemporânea, ou mais moderna, em circulação na literatura mundial de hoje? Numa época de livros pretensiosos, cegos na exposição dos sentimentos humanos e desprovidos de qualquer talento genuíno, “Memórias Póstumas de Brás Cubas” permanece como um farol para o espírito 

Francisco Razzo 

Estudei Filosofia na PUC-SP. Embora eu não tenha me interessado pela obra de Foucault, testemunhei o impacto de sua fama em nosso departamento. Para o bem ou para o mal, conferências sobre o filósofo tornavam-se grandes eventos. Lembro-me de uma ocasião em que o notório teatro Tucarena ficou tão lotado que foi necessário improvisar algum tipo de transmissão na parte externa. Geralmente, congressos de Filosofia atraem “meia dúzia de gatos pingados”. Sem ressentimento! Mas, devido a essa fama persistente, escolhi o livro de José Guilherme Merquior, “Foucault: Ou o Niilismo de Cátedra” (É Realizações, 2021), pois acredito que Merquior oferece uma das críticas mais rigorosas que já li sobre a obra de Foucault. 

Nada de ataques gratuitos, nem de ideologia. José Guilherme Merquior, um dos mais importantes intelectuais brasileiros do século XX, criticou a obra de Michel Foucault e desafiou a hegemonia do pensamento foucaultiano nas ciências humanas de maneira objetiva e bem fundamentada. O estilo de Merquior é cirúrgico e erudito; ele faz questão de apontar as falhas e contradições no próprio texto de Foucault e sabe se apoiar no que há de melhor na literatura crítica. Merquior expõe, com clareza, os limites do relativismo histórico, os equívocos metodológicos e o niilismo presentes nas teses de Foucault, apresentando assim um exemplo de erudição crítica dosada com certo humor e uma generosa caridade hermenêutica. 

Diogo Schelp 

Em “Censura por Toda Parte: Os Bastidores Jurídicos do Inquérito das Fake News e a Nova Onda Repressora que Assola o Brasil” (Avis Rara, 2024), um livro curto (128 páginas) e de leitura agradável, o advogado André Marsiglia alcança dois feitos: o de documentar os bastidores da origem do Inquérito das Fake News no STF e seus abusos e o de apresentar um panorama da censura no Brasil nos dias de hoje. A abordagem do autor é apartidária. Sua preocupação é com a defesa da liberdade de expressão e, mais especificamente, da liberdade de imprensa, independentemente de quem a exerce. 

Como alguém que foi o primeiro a advogar em um caso no âmbito do que também ficou conhecido como Inquérito do Fim do Mundo, mais especificamente defendendo a revista Crusoé, Marsiglia demonstra com exemplos práticos e de rigor teórico que é perfeitamente possível ter censura em uma democracia. “Políticos de direita afirmam que, no Brasil atual, estamos em uma ditadura, por aqui haver censura. Políticos de esquerda negam a existência da censura, para não reconhecerem a possibilidade de fracasso da democracia. Ambos estão errados”, escreve o autor. Seu livro é um verdadeiro documento histórico do momento que estamos vivendo. 

Franklin Ferreira 

Por causa do lançamento do filme “Napoleão” (2023), de Ridley Scott, li no começo deste ano “Napoleão: o Homem por Trás do Mito” (Crítica, 2020), de Adam Zamoyski. A obra fornece uma visão fascinante e humana da vida de Napoleão Bonaparte, afastando-se dos mitos e da idealização presentes em muitas biografias do Pequeno Corso. O autor explora não apenas as conquistas militares e a ascensão ao poder do general e imperador francês, mas também aborda seus dilemas pessoais e contradições, revelando um homem complexo, que lidou com ambições e fracassos em igual medida. Zamoyski possibilita que o leitor compreenda como a história e as decisões de Napoleão moldaram a Europa, tornando esse livro leitura essencial para aqueles que buscam uma visão equilibrada e acessível sobre uma das figuras mais influentes da história ocidental. 

Paulo Briguet 

Italo Calvino dizia que clássico é aquele livro do qual sempre se ouve falar: “Estou relendo...” e quase nunca: “Estou lendo...”. Pois a minha leitura inesquecível de 2024 foi uma releitura. Devorei “O Grande Gatsby” (Penguin-Companhia, 2011) pela primeira vez aos 25 anos e acabo de percorrê-lo mais uma vez agora, quase três décadas depois. Tanto em 1995 como hoje, a história do misterioso milionário Jay Gatsby e sua busca incansável por amor e status ressoou profundamente em mim; mas o que sempre, antes e agora, me atraiu mais no protagonista foi a sua particularíssima relação com a passagem do tempo.

Nas duas ocasiões, vi Gatsby como um símbolo do sonho americano — e da desilusão que acompanha esse sonho —, mas também como uma espécie de Jacó que não luta contra os anjos, e sim contra os relógios e os calendários. Nesta releitura, dirigi uma atenção maior para Nick Carraway, o narrador da história, que em muitos sentidos pode ser visto como um alter ego do autor, F. Scott Fitzgerald. Com isso, passei a admirar Fitzgerald não apenas pelo seu gênio criativo, como também pela sua maestria técnica. 

Em várias passagens do romance, parei para reler e admirar imagens e frases que guardam em si simbolismos profundos e verdadeiras irrupções da eternidade no tempo. Sob os olhos oniscientes do Dr. Eckleburg e sob a luz verde do farol em East Egg, eu reencontrei um clássico da literatura americano publicado há cem anos — e foi uma grande experiência para mim, como leitor e escritor. 

Leonardo Coutinho 

Quando iniciei meus estudos sobre terrorismo, fui apresentado ao “Terror em Nome de Deus” (Escrituras, 2004), de Jessica Stern. Neste ano, duas décadas depois de seu lançamento, o revisitei para refletir e buscar respostas para uma pergunta que me ocorreu depois dos atentados do Hamas contra Israel. Os efeitos imediatos todos nós conhecemos. Ao provocar uma guerra, o Hamas fez um cálculo mórbido. Quanto mais mortes, melhor para reativar a “causa palestina”, que andava meio decadente. Um subproduto da estratégia foi a total desenvoltura com que muitas pessoas passaram a expressar o seu antissemitismo, sob o pretexto de humanismo. 

Mas tudo isso é a superfície do problema. Logo depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, Stern entrevistou e penetrou nas características psicológicas de mais de uma centena de extremistas de diversas organizações e com diferentes motivações. Entre os traços comuns, ela encontrou o ressentimento e a busca de significação (reconhecimento social) entre a maioria deles. Saí da releitura de seu livro com a convicção de que o Hamas quis algo mais e conseguiu 

Ao provocar uma guerra, na qual transformou o povo palestino em escudo, e com isso inverteu para muitos o papel de Israel – de vítima a vilão –, a organização atingiu um objetivo de longo prazo. Conquistou mais duas gerações de novos terroristas. Gente disposta a matar e a morrer por vingança, doutrinação, ressentimento ou a busca de reconhecimento como mártir. Trata-se de uma leitura e tanto que nos ajuda a entender os processos de radicalização e que nos ensina que, ainda que o Hamas perca a guerra, ele já venceu em seu plano maligno de perpetuação do ódio e do terror.

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