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Correntes radicais do judaísmo estão se preparando para realizar um ritual que não acontece há quase dois mil anos: o sacrifício da novilha vermelha no Templo do Monte, em Jerusalém. À primeira vista, parece um ato religioso sem grandes consequências. Mas o animal pode se tornar o estopim de uma crise de consequências imprevisíveis.
O animal é citado no Antigo Testamento (Números 19) e, segundo algumas interpretações, tem ligação direta com a vinda do Messias para judeus e com o fim dos tempos para cristãos.
De acordo com algumas interpretações do judaísmo, o sacrifício da novilha é necessário para purificar fiéis, instrumentos e locais, abrindo caminho para a reconstrução do Terceiro Templo. O problema é que esse templo só pode ser erguido em um local específico: o Monte do Templo, onde hoje estão a Mesquita de Al-Aqsa e o Domo da Rocha, dois dos locais mais sagrados do islã.
O apoio à reconstrução do templo (projeto do qual o sacrifício da novilha faz parte) é visto pelos muçulmanos como uma provocação intolerável, capaz de desencadear uma guerra generalizada.
Um pouco de história
O Primeiro Templo de Jerusalém foi construído em 957 a.C. e destruído pelos babilônios em 586 a.C. O Segundo Templo foi erguido no século VI a.C., reformado por Herodes e destruído pelos romanos em 70 d.C. Desde então, os judeus não têm templo em Jerusalém. Para muitos deles, o Terceiro Templo representará a redenção e a vinda do Messias.
Segundo algumas correntes judaicas, um elemento central nessa expectativa é a novilha vermelha, que deveria ser sacrificada para que suas cinzas, misturadas com água, fossem usadas no ritual de purificação. Somente os purificados poderiam reconstruir o templo. Nove novilhas já teriam sido sacrificadas na história; a décima, de acordo com a tradição judaica, seria preparada pelo Messias.

Organizações privadas querem reconstruir o templo
O desejo pela reconstrução do templo não é segredo. Na verdade, algumas organizações atuam abertamente para que isso aconteça.
O Instituto do Templo (Temple Institute) foi fundado por Yisrael Ariel em 1987 e é dirigido atualmente por Dovid Schwartz. A organização israelense foi criada para preparar a reconstrução do Terceiro Templo no Monte do Templo e vem produzindo, desde então, objetos ritualísticos, vestimentas sacerdotais e planos de construção.
Outra instituição do tipo é a de Yosef Elboim, o rabino que está à frente do Movimento para o Estabelecimento do Templo, também criando vestimentas e instrumentos. Este chegou até a procurar meninos para serem criados como futuros “sacerdotes” no Templo vindouro.
Um terceiro movimento, chamado Temple Mount Faithful (Fiéis do Monte do Templo) foi criado por Gershon Salomon em 1967 e chegou a desencadear confrontos violentos em 1990, quando buscou colocar uma pedra fundamental no local.
Guerra santa no Oriente Médio por uma vaca vermelha?
Alguns ramos do judaísmo tradicional também se opõem aos projetos de reconstrução do templo. Rabinos importantes sustentam que apenas o Messias poderia levar o projeto adiante. Eles defendem que cabe apenas aguardar o Messias e que, até lá, é proibido entrar no Monte do Templo devido à impureza humana.
O Instituto do Templo tem sido um dos motores dessa agenda. O grupo investiu milhões em projetos de manipulação genética para produzir a novilha vermelha perfeita e, em 2022, importou cinco delas do Texas, do empresário Byron Stinson. Com a aprovação de uma delas e o sacrifício realizado, potencialmente, tudo estará pronto para a construção do templo.
Já houve quem associasse ataques do Hamas e do Hezbollah à chegada dessas novilhas. Essa importação teria sido um dos fatores que motivaram o Hamas a lançar a “Operação Dilúvio de Al-Aqsa”, em outubro de 2023, em resposta ao que consideraram uma ameaça à mesquita sagrada. Um porta-voz militar do Hamas, Abu Obeida, afirmou que trazer novilhas vermelhas para Israel foi visto como “aplicação de um mito religioso detestável, projetado para agredir os sentimentos de toda uma nação”.
Não é difícil imaginar quais seriam as consequências de uma possível tentativa de destruição do Domo da Rocha, no Monte do Templo. Mesmo que a iniciativa parta de grupos radicais (e não do governo israelense), países muçulmanos reagiriam de forma agressiva e o conflito tenderia a se alastrar. O cenário “apocalíptico” na disputa pelo local sagrado poderia, portanto, extrapolar as fronteiras de Israel e Palestina, transformando-se em um conflito religioso de escala global.
O cenário é ainda mais complexo porque, ao lado dos extremistas judeus, há também alguns cristãos que cooperam com a proposta.
Nos Estados Unidos, Clyde Lott, um pastor pentecostal, colaborou com o Temple Institute para criar uma novilha vermelha por meio de cruzamentos sucessivos e entregá-la em Israel. Para ele e seus apoiadores, trata-se de um passo importante nos eventos que podem antecipar o fim dos tempos. Esta interpretação bíblica acredita que a volta de Jesus passa pela restauração do Templo de Jerusalém.
A novilha vermelha perfeita
O Instituto do Templo, entidade judaica responsável pela preparação do ritual da novilha vermelha, detalha que o animal deve ser completamente vermelho, sem pelos de outra cor e sem ter sido utilizado para trabalho algum. Montar, apoiar-se ou colocar um jugo sobre a novilha a invalida, assim como tentativas de acasalamento por um touro.
Exceções são feitas apenas para ações automáticas ou para cuidados essenciais do animal, como amarrar para protegê-lo ou apoiá-lo ao lavá-lo. Além disso, a novilha deve ser “sem defeito, na qual não haja mancha”, obedecendo às regras gerais que determinam a validade de qualquer oferta segundo a Torá.
Quanto à idade, eles determinam que a novilha só é válida a partir do início do terceiro ano de vida. O ideal é que o sacrifício ocorra antes de o animal completar quatro anos, para evitar que pelos de outras cores apareçam e a desqualifiquem.
As novilhas trazidas do Texas atualmente têm três anos, aumentando a expectativa entre aqueles que acreditam que elas possam ser aprovadas para o ritual.
O sacrifício foi feito em julho de 2025?
Embora não tenha sido um evento aberto ao público para fácil confirmação, Gabe Poirot, um influenciador evangélico, afirmou que o sacrifício com a novilha vermelha já ocorreu. Poirot afirmou em seu canal do YouTube que entrevistou Byron Stinson, o empresário responsável por levar as novilhas vermelhas para Israel. Stinson teria confirmado que o sacrifício realmente aconteceu, fora dos holofotes midiáticos.
O influenciador mostrou também um trecho do podcast de Tim Pool, do dia 13 de agosto, no qual um judeu ortodoxo chamado Adam King mostra em suas mãos as cinzas da novilha vermelha que teria sido sacrificada no ritual. Segundo Adam, eles teriam realizado o ritual com uma vaca chamada Tikva. O sacrifício teria ocorrido em 1º de julho, de acordo com as leis judaicas.
As lideranças judaicas, no entanto, não confirmaram o evento. O Instituto do Templo, por exemplo, declarou que a cerimônia realizada em julho de 2025 foi apenas um ensaio com uma novilha não qualificada e não o ritual oficial.






