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Guilhotina
O jovem escriba escapou por pouco da temível guilhotina| Foto: BigStock

Era uma vez… Toda fábula começa com “Era uma vez”, mas o que vou contar a seguir pode ser verdade — ou não. Quem vai decidir a veracidade do meu relato é você, leitor, mas aviso de antemão que tempos ambíguos muitas vezes exigem textos igualmente ambíguos, nos quais as linhas que separam a realidade da mentira sejam confusas de propósito

Dito isto, era uma vez um reino chamado Zabril e um condado chamado Pão Saulo (sutileza não é o meu forte). Nesta cidade, corria o ano 1008 de Nosso Senhor e o alcaide era um senhor solteiro e sem filhos — não que isto fosse de alguma forma relevante, mas o assunto veio à tona durante a dura campanha eleitoral, levantado pela candidata opositora que se dizia progressista, Martina. Este alcaide, pensando no bem do condado, resolveu dar o controle do tráfego de carruagens para Alexandrinus, o Calvo.

No comando do órgão que controlava o tráfego das carruagens, Alexandrinus não fez um bom trabalho. Curiosamente, em vez de ser enviado para as galés ou jogado numa masmorra, Alexandrinus ganhou mais poderes. Passou a controlar também as caravanas que circulavam pelo condado, e ainda ganhou o título de Sir.

Um jovem escriba que na época trabalhava na prestigiosa publicação 'O Pergaminho de P. Saulo' resolveu descobrir se as decisões do todo-poderoso Alexandrinus, o Calvo, estavam melhorando o fluxo das carruagens no condado. O resultado de meses de investigação mostrou que cada vez mais camponeses, cavaleiros e condutores das carruagens estavam morrendo, e a culpa não era da peste negra.

O Pergaminho de P. Saulo publicou as agourentas novidades em sua primeira página, desenhada à mão com esmero pelos monges copistas. Furioso, Sir Alexandrinus perdeu os últimos fios que lhe restavam na cintilante careca. Ainda tomado pela cólera, enviou um pombo correio aos editores de 'O Pergaminho', acusando o jovem escriba de publicar FEIQUE NIUS, um termo que só ficaria plenamente conhecido mil anos depois. Alexandrinus queria mais: a cabeça do escriba em uma bandeja de prata para servir de exemplo perpétuo a qualquer outro que ousasse criticá-lo.

Os editores, chocados, se prontificaram a corrigir eventuais erros. Alexzinho (a essa altura já estamos íntimos) não conseguiu mostrar onde estavam as inverdades do texto, e a confusão foi debelada. Muitas ampulhetas depois o jovem escriba mudou de emprego, indo trabalhar para a revista Ptolomeu, e também acabou deixando as brumas do tempo apagarem o entrevero de sua memória.

As lembranças foram reavivadas quando Alexandrinus foi alçado ao cargo de Mago Supremo pelo Conde Drácula, que assumiu o poder no lugar da Rainha Tilma, a de Fala Enrolada. Uma vez confortavelmente instalado no Supremo Castelo Feudal, Alexandrinus não tolerou mais críticas, por insignificantes que fossem.

A primeira vítima foi Eustaquius. Acusado de promover atos antimonárquicos, foi trancafiado na torre e jogaram a chave fora. Os bobos da corte também ficaram sem ganha-pão quando os guardas enviados por Alexandrinus desmonetizaram suas piadas — o significado de “desmonetizar” também só ficou conhecido um milênio no futuro.

Toda fábula tem uma moral da história e esta não poderia ser diferente: manda quem pode e obedece quem tem juízo. (E, em tempos de censura, não arrisque jamais contar a verdade. A cadeia pode estar a um “inquérito das fake news” de distância).

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