“Eu o conheci em 1998, estava no último ano da faculdade de Direito, bastante frustrado com a universidade. Entrei numa livraria para ver se achava algum norte para minha vida e lá estava em exposição o Imbecil Coletivo. Achei o título engraçado e falei: vamos ver qual é. Li numa tarde inteira. A leitura foi muito simbólica para mim, pois ele fazia um diagnóstico absurdamente preciso da realidade universitária, que era a minha. Eu não tinha palavras para dizer aquilo que eu via na época, mas o Olavo dizia aquilo que eu via, sem que eu conseguisse dizer. Fiquei extremamente empolgado naquela hora, pois finalmente encontrei alguém que falava das coisas como elas são”.
Relatos como esse, do professor e escritor Francisco Escorsim, revelam-se surpreendentemente comuns entre os seguidores de Olavo de Carvalho, falecido na noite desta segunda-feira (24), quando contam como foi seu primeiro contato com o professor. Se a maior parte da grande mídia só passou a mencioná-lo quando já era impossível escondê-lo, quase sempre relacionando-o à ascensão política de Jair Bolsonaro, três décadas antes Olavo já trabalhava em seu objetivo maior: criar uma nova elite intelectual brasileira que libertasse o país da hegemonia cultural de esquerda.
Mesmo esnobando a universidade, Olavo deixa uma legião de alunos suficientemente incontável para gerar inveja em pós-doutores que colecionam diplomas, mas são incapaz de alcançar tamanha influência intelectual. Agora órfã, essa multidão mostrará se o incansável trabalho de seu mestre renderá os frutos que ele almejava.
Para Escorsim, embora seja óbvio que Olavo alcançou seu objetivo de destruir o silêncio imposto à direita no Brasil, ainda é preciso tempo para afirmar que seus alunos realmente formam uma elite intelectual relevante no país. “Há vários influencers, políticos, professores, cursos. Isso é inegável. Ele conquistou isso. No entanto, em geral, ainda são pessoas muito outsiders, seja na academia, no meio editorial, nas redações, que costumam ser os lugares nos quais uma elite intelectual aparece e atua. Então, é uma construção muito à margem desse sistema, por isso mesmo muito difícil de mapear. Ainda não há clareza para saber até onde estão conseguindo chegar”.
Questionado sobre divisões entre os seguidores, Escorsim pondera que as numerosas gerações de alunos são bastante fragmentadas, mas isso não consiste exatamente em dissidências, pois, segundo ele, só faria sentido falar em divisão se houvesse um propósito comum. “Ele nunca teve um projeto de conservadorismo, um projeto político. O projeto do Olavo sempre foi criar uma nova elite intelectual. Passava pelo combate cultural e político, mas o objetivo era formar uma elite intelectual. E isso não tem a ver com o conservadorismo em si”, afirma.
Flavio Morgenstern, escritor, analista político e um dos alunos de Olavo com maior prestígio junto ao público conservador, também diz não ver cisões entre aqueles que são, de fato, estudiosos da obra de Olavo. “Há desembargadores e críticos literários, como Rodrigo Gurgel. Há jornalistas como Bruna Torlay e Paulo Briguet. Cineastas como Josias Teófilo e Mauro Ventura. Temos historiadores, escritores e até cartunistas e marqueteiros. Então, é uma unidade de pensamento que vai se materializando de diversas formas”.
Ele diferencia, contudo, os que se aprofundam naquilo que o professor produziu, especialmente seus livros de filosofia, daqueles que leram apenas seus ensaios ou gostam de polêmica em redes sociais. “Esses não são alunos”, constata.
Análise semelhante é feita pelo deputado federal Filipe Barros (PSL-PR), um dos discípulos de Olavo que optou pelo caminho da política. Acostumado a lidar tanto com a militância digital, quanto com intelectuais de direita, ele afirma que está otimista quanto aos frutos que os seguidores do professor ainda darão e defende que é preciso diferenciar o próprio legado de Olavo entre sua produção mais densa e as ações para divulgar suas ideias. “Ele conseguiu popularizar sua obra graças à linguagem debochada, ao uso estratégico de palavrões, à sua autenticidade. Mas uma coisa é a política do dia a dia, e para falar dessa, o professor fazia uso das redes sociais ou de seu podcast, o True Outspeak. Outra coisa é sua obra filosófica propriamente dita. Quem entende bem essas duas realidades sabe que há unidade”.
Olavo, o transformador de vidas
A história de Barros com Olavo também se encaixa no padrão daqueles que apontam sua obra como um divisor de águas na própria vida. Em 2012, ele era presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE), na Universidade Estadual de Londrina (UEL). Ao final daquele ano, o então universitário de Direito teve contato com os escritos do filósofo e, instigado, no início de 2013 matriculou-se em seu curso online de filosofia, passando a assistir suas aulas semanalmente. No ano seguinte, já na condição de formando, Barros pede ao pai que o ajude a pagar uma viagem até a Virgínia, nos Estados Unidos, onde participa presencialmente de um curso dado por Olavo sobre a obra do filósofo britânico Roger Scruton, em sua própria residência. Lá, ele convive alguns dias com o professor e sua família, ocasião em que obtém uma das fotos mais comentadas de sua campanha para a Câmara dos Deputados, onde aparece praticando tiro ao alvo com uma espingarda, ao lado de Olavo.
Já Morgenstern admite já ter negado o vínculo com o professor em alto e bom tom. “Lembro de uma vez declarar que era de direita enquanto jantava no restaurante universitário da UFPR. Meu interlocutor disse: ‘Mais uma dessas e você vira discípulo do Olavo de Carvalho’. E eu, rapidamente: ‘Não, não, nesse nível também não, né?’. Meses depois ele leria O Imbecil Coletivo, na intenção de tirar sarro do autor por causa do nome engraçado, mas a leitura teve outras consequências. “A quantidade de autores com quem Olavo dialogava simplesmente me afogou. Passei meses fazendo anotações de leitura que só iriam se multiplicando. Percebia que era um homem que escrevia absurdamente bem, conseguia ser engraçado e explicar temas profundos com facilidade”. Apesar do deslumbramento inicial, Morgenstern afirma que sua aproximação efetiva com a filosofia de Olavo ainda levaria tempo, seria gradativa e lhe trouxe ainda mais satisfação nos últimos anos, quando pode contar com a amizade do professor após conhecê-lo pessoalmente.
Provavelmente, contudo, uma das histórias mais intensas de transformação de vida a partir dos escritos de Olavo de Carvalho é a relatada pelo jornalista e escritor Paulo Briguet que, ao falar de si mesmo nos anos 90, define-se como ateu, comunista, mulherengo e bêbado. Foi em meio a uma intensa crise existencial que ele afirma ter lido um artigo do professor numa revista. A curiosidade o levou a muitas outros textos de Olavo até que ele chegasse a uma dramática conclusão: “Aos 30 anos de idade, corroído pelo vício e devastado pelo ódio, eu descobri que toda a minha vida era uma grande farsa, uma negação peremptória da realidade”. Seu último livro de crônicas, "Nossa Senhora dos Ateus", é dedicado ao professor com a seguinte declaração: "A meu amigo e mestre Olavo de Carvalho, que me ajudou a sair da Noite Escura".
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