Tudo começou em 1923, no campo especial das ilhas Solovestky, um arquipélago localizado no Mar Branco, a apenas 160 quilômetros do Círculo Ártico. A temperatura mais baixa registrada no local foi 36,5 graus Celsius negativos.
Conhecido por abrigar um complexo de mosteiros construído no século 15 pela igreja ortodoxa cristã, o local podia ser facilmente adaptado para se tornar um campo de prisioneiros que se opusessem ao regime bolchevique que havia tomado o poder na Rússia. Além de isolado, ele tinha estruturas prontas, num contexto no qual as propriedades da igreja não pertenciam mais às congregações.
O local entrou para a história como o primeiro gulag. A expressão ficou conhecida no ocidente a partir do momento em que a imprensa passou a se referir à sigla que, em russo, significa “Diretoria Central dos Campos”, ou Glavnoe Upravlenie Ispravitelno-trudovykh Lagerej. Entre os moradores da União Soviética, esses locais eram chamados apenas de “campos”.
Até que os últimos campos fossem fechados, em 1961, passaram pelos gulags 18 milhões de pessoas, com uma estimativa conservadora indicando que 1,7 milhão delas morreram. Os primeiros assassinatos aconteceram ainda no campo de Solovestky.
Fugas frequentes
Foram mandados ao local religiosos, comerciantes, fazendeiros, adversários derrotados na guerra civil que havia assolado o país, além de seguidores de linhas políticas agora proibidas, como o anarquismo. Entre os prisioneiros estavam também artistas, como o escritor Konstantine Gamsakhurdia, o pintor Osip Braz e o poeta A. K. Gorsky.
A criação do campo de trabalhos forçados provocou a reação negativa de outros países, à qual o regime respondeu enviando o escritor e ativista Máximo Gorky, que escreveu um ensaio alegando que as condições não eram ruins. Não era verdade.
O local começou abrigando 3 mil pessoas e, antes de ser desativado, em 1939, chegou a conter 50 mil detentos, que trabalhavam na construção de um canal na região. Dormiam no chão, ou em beliches sem colchões, e utilizavam banheiros externos, em latrinas cavadas na terra. A alimentação, insuficiente, era baseada em porções de pão, macarrão e batata. Os mais fortes e saudáveis recebiam mais comida, para continuar trabalhando mais.
Mas as fugas eram frequentes — muitos presos se arriscavam em embarcações improvisadas em busca de outras ilhas próximas, e dali para a Finlândia, um vizinho próximo. Ao decidir por fechar o local, o governo soviético determinou que 1.116 presos fossem executados a tiros — a maioria baleada na nuca, diante das próprias covas — e outras centenas de embarcações com presos fossem afundadas de propósito.
Uma detenta, a engenheira Yelizaveta Katz, estava grávida de oito meses quando o grupo de detentos do qual ela fazia parte foi escolhido para morrer, em fevereiro de 1938. Os guardas permitiram que ela tivesse o bebê. Três meses depois, a mataram. Ela tinha 28 anos. Em 1992, depois que a União Soviética se desfez, o Solovestky foi devolvido à igreja ortodoxa, que reativou o monastério.
Violência e abusos
A primeira experiência com um gulag ensinou o regime soviético a repensar a estratégia utilizada para escolher os locais. O governo passou a optar por áreas isoladas e inóspitas, distantes das fronteiras, de forma a desestimular as fugas — ao contrário, muitos presos idosos ou doentes foram expulsos e largados para morrer fora dos campos de prisioneiros.
Ainda assim, alguns detentos sobreviviam a décadas de regimes de trabalho de 16 horas e espancamentos frequentes. Leonid Petrovich Bolotov, por exemplo, resistiu por 20 anos. Preso com uma leva de 86 engenheiros detidos em Leningrado por se comportarem como “inimigos do povo”, ele foi levado a Kolimá, região do extremo leste, rica em ouro e onde ficavam alguns dos campos mais conhecidos e temidos. Acabou sendo libertado e contou sua história em um livro autobiográfico.
Por outro lado, muitas práticas surgidas em Solovestky foram aplicadas aos demais locais. Por exemplo: as pessoas detidas por pensar ou se comportar de forma diferente da preconizada pelo regime eram consideradas mais perigosas. “Paradoxalmente, os criminosos enviados para o campo eram considerados ‘socialmente amigáveis’, já que não questionavam o governo comunista”, escreve o historiador Martyn Whittock no livro "The Secret History of Soviet Russia's Police State".
“Por isso, os criminosos comuns passaram a ser utilizados pelos guardas para ajudar a manter os presos políticos na linha, uma prática que se espalhou pelos outros campos e acrescentou uma camada de brutalidade e horror para a experiência da maioria dos detentos”.
Trabalho forçado
Utilizar estruturas prontas, como mosteiros, também se tornou uma prática comum, já que economizava custos para construir os alojamentos. O principal objetivo também foi mantido: os presos eram obrigados a trabalhar, seja em fábricas construídas próximas aos gulags, seja na mineração.
Na década de 1940, o trabalho forçado respondia por 46,5% do total da extração de níquel, 76% do cobre e 60% do ouro do país, segundo uma pesquisa da historiadora Galina Mikhailovna Ivanova publicada no livro "Labor Camp Socialism: The Gulag in the Soviet Totalitarian System".
Grandes obras de infraestrutura também foram construídas com base nessa categoria de trabalho escravo — caso da ferrovia Baikal-Amur, que tem 4 mil quilômetros a liga a Sibéria até o extremo leste. Em 1933, uma dessas obras terminou em tragédia: 6.700 prisioneiros morreram durante as obras para construir um gulag na ilha Nazinsky, na Sibéria.
Sem materiais suficientes nem alimentação ou abrigo adequado, os detentos eram baleados pelos guardas diante de qualquer questionamento ou reação. Quem não morreu baleado foi vítima de doenças ou inanição — nas últimas semanas antes de a experiência ser abandonada, foram registrados casos de canibalismo. Apenas 2.200 sobreviveram.
20 milhões de presos
O critério para que uma pessoa fosse presa e encaminhada para um gulag foi bastante ampliado durante o regime de Josef Stalin, especialmente entre metade dos anos 30 e o período da Segunda Guerra — entre 1942 e 1943, a taxa de mortalidade nos campos de prisioneiros alcançou os 20%. Nessa época, contar uma piada sobre Stalin era o suficiente para mandar para a cadeia.
Estima-se que foram construídos ao todo 30 mil campos, sendo que a população de cada um variava muito — alguns tinham 5 mil presos, enquanto que o gulag Vorkuta chegou a manter 73 mil prisioneiros no auge de suas atividades, em 1961.
Cerca de 20 milhões de pessoas passaram por eles, até que os campos foram gradativamente desativados a partir da morte de Josef Stalin, em 1956. Mas pessoas continuaram a ser presas por motivações políticas até o fim da União Soviética, em 1991.
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