A moda woke que inundou a indústria do entretenimento americano na última década passou pela Disney sem comprometer um dos produtos mais rentáveis, estratégicos e populares do grupo: os passeios nos parques temáticos em Orlando, tradicional destino turístico de famílias brasileiras, americanas e de praticamente todas as partes do mundo.
Pais e mães que levam as crianças para se divertir no Walt Disney World Resort, na Flórida, não se depararão com discursos progressistas ou simbologias ostensivamente identitárias nas atrações, inclusive em apresentações teatrais, musicais e espetáculos.
Visitantes e hóspedes são informados, educadamente, que os ambientes são “family friendly”, ou seja, amigáveis para as famílias. Nos parques temáticos, o visitante irá presenciar a todo momento pais, mães e filhos lotando as filas das atrações, hotéis, restaurantes e lojas espalhados pelos mais de 100 quilômetros quadrados do complexo.
Um ponto notável presente nos parques, que se afasta da cultura woke, é a preservação das “princesas” e de seus enredos românticos. Embora a leva mais recente das personagens – como Ana e Elsa, de “Frozen”, Moana e Mirabel, de “Encanto” – apresentem jovens mais independentes, Branca de Neve e Cinderela mantêm o encanto de meninas e mães – os vestidos, sapatinhos e adereços delas, mesmo caros, fazem sucesso nas lojas.
Os simpáticos personagens da Turma do Mickey estão em toda a parte para cumprimentar e tirar fotos com os visitantes. Permanecem um ícone nos parques temáticos, e estão presentes em atrações novas e emocionantes para os pequenos (no final dessa reportagem, há um breve guia para os passeios em família).
O ambiente amigável para as famílias se reflete também em algumas orientações. Exemplo: nos dois parques aquáticos e nas piscinas dos hotéis, recomenda-se o uso de “trajes de banho adequados”; ou seja, nada de extravagâncias. Bebidas alcóolicas e caixinhas de som não são bem-vindas.
Até a festa do dia das bruxas, o Mickey's Not-So-Scary Halloween, que ocorre entre agosto e outubro no Magic Kingdom Park, não tem, como o nome já adianta, nada que possa aterrorizar pais e crianças religiosos. O que muda é a decoração roxa e laranja, a distribuição de doces, desfiles com os personagens das animações em trajes típicos e o fechamento um pouco mais tarde, à meia-noite, em vez de 22h (nesses dias, o ingresso é mais caro, mas as filas são menores).
Fora isso, ainda permanecem ativas atrações que refletem o ideário do fundador Walt Disney, homenageado em vários locais. Dentro do Magic Kingdom Park, o maior e mais antigo parque temático de Orlando, o visitante pode conhecer o legado de cada um dos presidentes americanos. Walt nunca escondeu a admiração por alguns republicanos históricos, como Abraham Lincoln (1861-1865), e a proximidade com Richard Nixon (1969-1974), convidado para inaugurações na Disneyland, o primeiro parque temático que ele abriu, na Califórnia.
O discurso humanista se faz presente no espetáculo noturno de fogos Luminous The Symphony of Us, que ocorre diariamente no EPCOT, o parque preferido dos adultos. No lago central em volta do qual estão os pavilhões dos 11 países homenageados (Canadá, Reino Unido, França, Marrocos, Alemanha, Itália, Noruega, Japão, EUA, México e China, cada um suntuosamente decorado, com atrações culturais próprias, comidas e bebidas típicas), uma voz feminina celebra o convívio entre diferentes povos e etnias ao redor do mundo.
E no Disney’s Animal Kingdom, parque temático dedicado à natureza, algumas das atrações mais disputadas estão numa parte dedicada a Pandora, o mundo de “Avatar”. Enquanto aguarda na fila de Avatar Flight of Passage – atração na qual poderá “voar” num “Banshee”, o dragão selvagem do filme –, o visitante será ambientado na história com vídeos dos personagens cientistas, em que o discurso ambientalista, embora sutil, é perceptível para os ouvidos mais atentos, mas que não constitui nenhuma surpresa para quem assistiu ao filme dirigido por James Cameron.
Onda woke atingiu Disney em meio a crise sucessória
A pressão para a Disney aderir à moda woke se intensificou no período mais recente, no qual o grupo se viu imerso numa crise de sucessão para o comando de seus múltiplos negócios. Progressista, o CEO Bob Iger conduz a gigante do entretenimento desde 2000. Em 2020, anunciou que passaria o bastão para Bob Chapek, um executivo que fez carreira na Buena Vista Home Entertainment, divisão que distribuía filmes em VHS, DVD, Blu-ray.
Iger acabou se arrependendo da escolha e convenceu o Conselho de Administração a retirar Chapek do comando em 2022. Reportagem recente do New York Times narrou como, nesses dois anos em que o grupo foi fortemente abalado pela pandemia, Chapek tentou atenuar a guinada progressista para a qual Iger havia direcionado filmes e séries.
“Durante a gestão do Sr. Iger, o estúdio havia aprovado uma série de projetos com temas sociais e políticos progressistas. Mas o Sr. Chapek se preocupou que a lista de desenvolvimento tivesse se desviado muito para a esquerda em questões sociais. A Disney estava sendo puxada para debates políticos partidários com mais frequência, uma situação preocupante para uma marca que deveria representar a todos”, relatam os jornalistas James B. Stewart e Brooks Barnes, em longa reportagem publicada no início de setembro no New York Times.
O episódio mais marcante dessa tensão ocorreu no início de 2022, quando Chapek resistiu a assinar uma carta da Human Rights Campaign, ONG de defesa do movimento LGBTQ, contra um projeto de lei do governador da Flórida, Ron DeSantis, que proibia que se discutisse nas escolas identidade de gênero e orientação sexual. Apesar de inicialmente apoiado pelo Conselho de Administração, ele acabou cedendo e assinando o documento depois de alertado que poderia perder ainda mais apoio da classe artística e criativa da Disney.
O jornal ainda conta como, na mesma época, Chapek titubeou entre lançar ou não o filme de animação “Mundo Estranho”, gestado sob Iger, com um adolescente assumidamente gay e com ênfase na diversidade dentro de sua família. Lançado no fim de 2022 sem grande divulgação, fracassou entre o público e na crítica. Nos parques temáticos, a obra é ignorada.
Disney aposta em parques para se recuperar de crise na pandemia
Os parques temáticos e as linhas de cruzeiro da Disney representam, atualmente e mais do que antes, a grande aposta do conglomerado para se recuperar da crise ocasionada pela pandemia.
Dados oficiais publicados no final de agosto pelo Wall Street Journal mostram que a Disney Experience, a divisão de turismo, respondia, em 2019, por 45,5% da receita do grupo (outras áreas são cinema e séries; os canais de TV ABC, ESPN, A+E; e o streaming Disney+). Na pandemia, a participação caiu (-1% em 2020, e -1,5% em 2021). A retomada veio em 2022, quando a participação na receita saltou para 60,1%; e em 2023, com 69,6%.
No período, a receita dos parques em todo o mundo (incluindo o complexo na Flórida, e as unidades na Califórnia, em Paris, Xangai e Hong Kong) acompanhou esse movimento em “V”: US$ 7,54 bilhões em 2019; US$ 4,04 bilhões em 2020; US$ 3,85 bilhões em 2021; US$ 8,60 bilhões em 2022; e US$ 10,42 bilhões no ano passado.
O público, no entanto, ainda não superou a marca de 2019, quando os parques temáticos da Disney receberam 155,9 mil visitantes. Em 2020, primeiro ano da pandemia, o número caiu ao patamar mais baixo: 41,5 mil; em 2021, com as portas ainda fechadas em vários locais e boa parte do tempo, 75,9 mil visitaram os parques. Em 2022, começou a recuperação, com 121 mil visitantes; no ano passado, o número subiu para 142,1 mil, mas ainda menor que em 2019.
Parte da recuperação, sobretudo financeira, é creditada no mercado à liderança de Josh D’Amaro, que assumiu a Disney Experience em 2022. Ele conseguiu convencer os fãs da Disney a pagar mais, comprando passes anuais ou adquirindo, mediante taxas extras, tickets especiais (Genie+ e a Lighting Lane) para pular filas ou entrar antes nas atrações mais concorridas.
Hoje, D’Amaro é um dos favoritos para suceder Bob Iger no cargo de CEO em 2026. No ano passado, D’Amaro anunciou que investiria US$ 60 billhões, em dez anos, para alavancar ainda mais a Disney Experience. Em agosto, durante o D23, evento para mostrar as novidades aos fãs da marca, ele anunciou várias novidades nos parques (veja algumas previstas no guia abaixo).
Diretora de marketing e vendas da América Latina da Disney Destinations, a brasileira Cinthia Douglas diz que grande parte do investimento será nos parques temáticos de Orlando. E os brasileiros, diz ela, continuam no alvo da companhia. “O Brasil sempre foi e continua sendo um mercado muito importante para a Disney. Sempre foi uma uma experiência muito aspiracional”. Em todos os parques da Disney na cidade, há guias de mapas em português.
Ela diz que a família é o público “óbvio”. “Mas nós temos também um grande segmento de adultos, sem filhos, que são apaixonados e muitas pessoas fazem viagens com amigos também.” D’Amaro, diz Cinthia, “é um líder sensacional”. “Ele se esforça muito para estar presente junto com os membros da equipe. Quando ele dá qualquer palestra, fala do coração. Mas é muito difícil saber o que Bob Iger está planejando”, diz, sobre a sucessão.
Guia para iniciantes
Na última semana de agosto, a Gazeta do Povo visitou, a convite da Disney e da Azul Linhas Aéreas, os quatro parques temáticos da Disney em Orlando e um parque aquático.
Abaixo, especialmente para quem nunca esteve lá, está um breve guia de atrações em cada um deles, mais antigas ou novas, que tendem a agradar famílias que vão apenas para se divertir com as crianças, sem risco de chatear ou constranger adultos com conteúdo ou mensagens progressistas ou identitárias.
Magic Kingdom Park
Inaugurado em 1971, é o mais antigo parque temático em Orlando e tem mais de 60 atrações. O destaque é o castelo da Cinderela, onde um espetáculo de luzes e fogos celebra diariamente as mais clássicas histórias da Disney.
O parque é dividido em seis grandes áreas. Fantasyland é a terra das princesas e contos de fada, com atrações dedicadas a Bela, de “A Bela e a Fera”; Ariel, de “A Pequena Sereia”; Mirabel, de “Encanto”, e Peter Pan. Para bebês e crianças bem pequenas, um atração clássica é “it's a small world”, na qual os visitantes, num barquinho, passeiam por todos os continentes, e cada um com centenas de bonecos em trajes típicos cantando e dançando.
Na Tomorrowland, está uma das atrações mais recentes, a velocíssima montanha-russa inspirada no filme “Tron”. Em Frontierland, “Tiana’s Bayou Adventure” é a montanha-russa aquática tematizada com aventuras da princesa que beija o sapo. As homenagens de Walt Disney ao estilo de vida e à história americana estão presentes em Main Street, que reproduz a avenida pequena cidade onde passou a infância, no Missouri; e na Liberty Square, onde o visitante pode conhecer o perfil de todos os presidentes dos Estados Unidos.
Nos próximos anos, as novidades incluem uma área dedicada somente aos vilões, com duas atrações, restaurantes e lojinhas, e também outra com o tema da franquia “Carros”. A construção começa no ano que vem e não há data prevista de inauguração.
Disney’s Hollywood Studios
No parque temático mais cinematográfico está um dos pontos de visita mais procurados de Orlando, a Star Wars: Galaxy’s Edge. É onde os fãs da saga de “Guerra nas Estrelas” podem embarcar na nave Millennium Falcon ou serem capturados pela Primeira Ordem.
Para os pequenos, a atração “Mickey & Minnie's Runaway Railway” leva os visitantes a imersão nos desenhos animados do casal e sua turma. “Rock 'n' Roller Coaster Starring Aerosmith” é a montanha-russa movida a hits da banda.
À noite, no clássico espetáculo “Fantasmic!”, Mickey Mouse apresenta as histórias clássicas da Disney com fontes de água – destaca-se uma parte dedicada às vilãs das princesas.
A novidade do parque temático será uma área com a temática de “Monstros S.A.”, incluindo a primeira montanha-russa suspensa (em que os pés ficam soltos) da Disney.
Disney’s Animal Kingdom Theme Park
No parque temático dedicado ao mundo natural, impressiona a meticulosa e fiel reprodução das paisagens e do ambiente urbano da Ásia e da África, homenageadas em várias atrações. Na parte do continente asiático, o destaque fica para o passeio no bote por águas turbulentas na atração Kali River Rapids. Outra atração obrigatória é a “Expedition Everest – Legend of the Forbidden Mountain”, montanha-russa em o trem sobe por uma montanha que reproduz o Himalaia.
Dentre as atrações de Pandora, o destaque é mesmo para a simulação de um voo no dragão Banshee sobre as florestas, montanhas e mares do mundo de Avatar.
Uma parte do parque temático reproduz uma savana africana, e os visitantes podem avistar de um jipe de safari animais que circulam livremente, incluindo leões e guepardos.
Nos próximos anos, haverá uma nova área, chamada Tropical Americas, com três novas atrações: Pueblo Esperanza, um vilarejo no meio da floresta amazônica; uma aventura de Indiana Jones dentro de um templo Maia; e “Casita”, espaço inspirado no filme “Encanto”.
EPCOT
Para frequentadores assíduos, o melhor parque temático da Disney para jovens e adultos. Além dos pavilhões dedicados a 11 países, está a montanha-russa mais disputada de todo o complexo: a “Guardians of the Galaxy: Cosmic Rewind”, em que o visitante faz uma viagem espacial maluca a Xandar, planeta do filme da Marvel que mistura comédia e ficção científica.
Também imperdível é “Soarin' Around the World”, em que o visitante simula voos de asa-delta pelos lugares mais icônicos do mundo. Para as crianças, o destaque é “Journey of Water, Inspired by Moana”, em que os ciclos da água são apresentados de maneira interativa.
Disney’s Typhoon Lagoon Water Park
Um dos dois parques aquáticos do complexo Disney em Orlando, Typhoon Lagoon Water Park é propício para os dias acalorados entre abril e agosto. Além da praia artificial com uma onda gigante, há passeios de boia tranquilos e mais agitados. Em 2025, quem se hospedar em qualquer hotel da Disney ganhará um ingresso para o parque no dia do check-in.
Animou? Prepare o bolso
Para as famílias brasileiras, o dólar alto deixou a Disney mais cara. No início de janeiro, para visitar todos os quatro parques temáticos (um por dia), uma família de pai, mãe e duas crianças vai gastar R$ 13 mil (US$ 2.326,56) com os ingressos. Para visitar um parque aquático num outro dia, reserve mais R$ 1,7 mil (US$ 302,46).
Para se hospedar num dos mais de 30 hotéis da Disney, a despesa varia. Oito diárias para a família nos hotéis mais baratos (Disney's All-Star, Movies, Sports ou Music Resort, na região do Animal Kingdom) sairão por R$ 7,2 mil (US$ 1.285).
Num hotel intermediário (Disney's Caribbean Beach Resort, perto do EPCOT), as 8 diárias para toda a família custarão R$ 14,4 mil (US$ 2.588). No hotel mais caro (Disney's Grand Floridian Resort & Spa, perto do Magic Kingdom Park), a hospedagem chegará a R$ 39,4 mil (US$ 7.052). Em nenhum hotel haverá café da manhã incluso.
Para chegar lá, há voo direto de Campinas (SP) para Orlando. Pela Azul, as quatro passagens, ida e volta, no período indicado, saem por R$ 49,3 mil.
Total da viagem (sem refeições, compras, transporte local e despesas extras): R$ 70 mil, no mínimo (sem promoções; também é possível economizar com agências de turismo especializadas, voos com escala e hotéis diversos na Flórida).
As simulações foram feitas pela reportagem na última segunda-feira, 14 de outubro, nos sites oficiais da Disney e da Azul, para os dias 6 a 13 de janeiro, período com os preços mais baixos no mês, de férias escolares no Brasil, e cotadas com o câmbio a R$ 5,60.
* O jornalista Renan Ramalho viajou para Orlando e visitou o Walt Disney World Resort entre 25 e 31 de agosto a convite da Disney e da Azul Linhas Aéreas.
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