Em Olho d’Água Grande (AL), 3.819 pessoas (quase 90% da população) são beneficiadas pelo Bolsa Família. Nove têm um emprego formal no setor privado.
Sim, nove.
Na cidade alagoana, praticamente um terço da população não sabe ler (67,9% de alfabetização). Os que sabem ler não têm uma biblioteca aonde ir.
Não é surpresa que Olho d'Água Grande tenha ficado em último lugar no ranking das melhores cidades para morar no Brasil, elaborado pela Gazeta do Povo (dos 5.570 municípios, cinco não tiveram nota porque foram criados recentemente e nem todas as estatísticas estão disponíveis).
Olho d'Água Grande tem apenas 4,3 mil habitantes. Mas o pequeno tamanho não impediu um nível de violência assustador: em 2022, a taxa de homicídios da cidade foi de 138,5 mortes por 100 mil habitantes. O índice nacional é de 21,7; o da cidade do Rio de Janeiro, de 15,7; o de São Paulo; aproximadamente três.
Houve seis assassinatos na cidade alagoana em 2022 (o último com os dados consolidados). Em números absolutos, isso é o tripo do registrado em São Caetano do Sul (SP), que tem uma população de 165 mil habitantes e ocupa o primeiro lugar do ranking das cidades.
Em Olho d'Água Grande, apenas 0,2% das casas estão ligadas à rede de esgoto. Mais de 30% ainda não têm água encanada. Não há leitos hospitalares, o que talvez explique por que a expectativa de vida ao nascer é de 65,4 anos (ante 75,5 do índice nacional).
A combinação de estatísticas negativas é semelhante à de outras quatro ocupantes dos últimos cinco lugares da lista: Alcantil (PB), Pequizeiro (TO), Coxixola (PB), e Mataraca (PB).
Por exemplo: Em Alcantil, a coleta de lixo atinge apenas 65,8% dos domicílios. Com 4,9 mil habitantes, Pequizeiro teve 29 "mortes evitáveis" (indicativo de uma rede de saúde ineficiente) em 2022. Coxixola registrou uma taxa de homicídios de 164,5 por 100.000 habitantes em 2022. A expectativa de vida ao nascer em Mataraca é de 65,5 anos.
Veja a lista das dez cidades com a menor nota no índice.
Posição - Cidade - Nota
- 5.556 - Cruz do Espírito Santo (PB) - 3,69
- 5.557 - Senador Rui Palmeira (AL) - 3,67
- 5.558 - Nova Redenção (BA) - 3,63
- 5.559 - Major Sales (RN) - 3,63
- 5.560 - Inhapi (AL) - 3,59
- 5.561 - Mataraca (PB) - 3,51
- 5.562 - Coxixola (PB) - 3,51
- 5.563 - Pequizeiro (TO) - 3,48
- 5.564 - Alcantil (PB) - 3,23
- 5.565 - Olho d'Água Grande (AL) - 3,20
Dentre as 100 cidades com menor nota, estão 72 municípios do Nordeste, 22 do Norte, quatro do Sudeste e dois do Centro-Oeste.
Alagoas (21), Paraíba (16), Bahia (14), Piauí (8), Amazonas (6), Tocantins (6), Pará (6), Rio Grande do Norte (4), Maranhão (4), Minas Gerais (3), Roraima (3), Mato Grosso (2), Pernambuco (2), Sergipe (2), Amapá (1), Ceará (1) e São Paulo (1) também têm municípios entre os 100 com pior desempenho.
As cinco capitais com menor nota
Levando em conta Brasília e as 26 capitais estaduais, Boa Vista (RR) recebeu a pior nota na classificação feita pela Gazeta do Povo. A cidade obteve 5,46 pontos.
A capital de Roraima tem uma taxa de homicídios alta (36,2 assassinatos por 100 mil habitantes); quase 40% dos domicílios estão fora da rede de esgoto; além disso, o número de empregos formais em relação à população geral (16,9%) é inferior ao da maior parte das capitais. O de Belo Horizonte, por exemplo, está em 42,5%.
Das cinco capitais com menor nota, três têm algo em comum: Porto Velho, Macapá e Boa Vista ficam em estados pequenos na região Norte que nasceram mais por iniciativa política do que por uma necessidade real.
As outras duas estão no Nordeste: Salvador e Maceió. Na capital baiana, a taxa de homicídios da (60,1 assassinatos por 100 mil habitantes) e o número de residências em aglomerados subnormais (mais de 40% do total de domicílios) puxaram a nota para baixo.
Maceió também foi afetada pelos índices de violência, além da rede de esgoto reduzida (presente em menos da metade das residências) e da falta de ruas asfaltadas e com meio-fio (apenas 41,7% do total das ruas de Maceió possuem ambos).
Veja a lista das cinco capitais com o pior desempenho no ranking.
Posição - Cidade - Nota
- 23º - Porto Velho (RO) - 5,86
- 24º - Salvador (BA) - 5,76
- 25º - Maceió (AL) - 5,76
- 26º - Macapá (AP) - 5,58
- 27º - Boa Vista (RR) - 5,46
Norte e Nordeste têm maioria das piores cidades acima de 100 mil habitantes
As cidades pequenas podem sofrer com um problema estatístico: por exemplo, um ou dois homicídios a mais podem elevar muito a taxa de homicídios em um município com população reduzida.
Por isso, também é importante analisar os municípios maiores em separado.
Entre as 316 cidades do Brasil com mais de 100 mil habitantes, os últimos cinco lugares ficaram (do menos ruim para o pior) com Santa Rita (PB), Lagarto (SE), Bragança (PA), Almirante Tamandaré (PR) e Cametá (PA).
Veja a lista das dez cidades acima de 100 mil habitantes com o pior desempenho no ranking.
Posição - Cidade - Nota
- 307 - Breves (PA) - 4,89
- 308 - Manacapuru (AM) - 4,87
- 309 - Santana (AP) - 4,85
- 310 - Itacoatiara (AM) - 4,85
- 311 - Abaetetuba (PA) 4,85
- 312 - Santa Rita (PB) 4,81
- 313 - Lagarto (SE) 4,68
- 314 - Bragança (PA) 4,62
- 315 - Almirante Tamandaré (PR) 4,60
- 316 - Cametá (PA) 4,59
Embora tenha bons índices de alfabetização, Almirante Tamandaré (PR) perdeu pontos pela taxa de homicídios elevada, de 37,7 assassinatos por 100 mil habitantes. Além disso, quase 25% dos domicílios da cidade foram classificados como "aglomerados subnormais" pelo IBGE. O termo se refere a residências irregulares, como favelas, ou em situação precária. Para piorar, a cidade de 120 mil habitantes não possui leitos hospitalares.
Em último lugar na lista das cidades com mais de 100 mil habitantes, Cametá (PA) tem uma situação ainda mais precária. Menos de 1% das casas estão ligadas à rede de esgoto. Menos da metade têm abastecimento de água no município, que tem 134 mil habitantes. Apenas 2,7% da população têm um emprego formal no setor privado.
Últimos lugares no ranking não conseguem pagar as próprias contas
Para o professor Vladimir Fernandes Maciel, do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica, as piores cidades na lista têm aspectos em comum: a falta de uma base para a atividade econômica, a produtividade reduzida, a escassez de capital físico e financeiro, e, por fim, a falta de capital humano. "Uma grande parcela disso se explica pela geografia e clima local – que podem ser desfavoráveis – e pelos processos históricos de ocupação que resultam na dificuldade de integrar a economia do município à economia do restante do país, de modo a viabilizar trocas e um processo de acumulação de capital. A má gestão é a cereja do bolo", ele resume.
Segundo Maciel, há duas correntes distintas sobre a melhor solução para o desequilíbrio regional no Brasil: a desenvolvimentista e a liberal.
"A visão desenvolvimentista professa que a redução da desigualdade regional exigiria investimentos públicos e benefícios fiscais que induzissem a instalação de empresas, especialmente de natureza industrial, nas regiões com baixo desenvolvimento econômico", ele explica.
Já a visão liberal, nas palavras de Vladimir, argumenta que o papel dos governos estaduais e federal "não é atrair nem viabilizar artificialmente a localização de indústrias nessas regiões, mas sim investir em capital humano, proporcionando acesso à educação, capacitação e condições de saúde". Além disso, os liberais defendem uma redução das barreiras ao empreendedorismo, o que facilitaria a geração de empregos pelo setor privado.
Professor defende fusão de municípios
O professor Vladimir Fernandes Macial acredita que a proposta liberal é mais adequada à realidade. Para ele, o país deveria até mesmo repensar a existência de municípios que não possuem capacidade de bancar a si mesmos sem os recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), distribuídos pelo governo federal. Ele é custeado por parte d o Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Em 2023, Olho D'Água Grande recebeu R$ 30,3 milhões do governo federal. Quase metade disso veio do FPM; o restante partiu sobretudo do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB).
A arrecadação dos impostos municipais cobre aproximadamente 5% do orçamento da cidade. O restante vem das transferências dos governo federal e estadual.
"Do ponto de vista econômico, não se justifica a existência desses municípios em que as transferências do FPM apenas servem para pagar o funcionamento da prefeitura, das secretarias, da câmara de vereadores e não resultam em melhor prestação de serviços para os cidadãos locais", diz Maciel.
Já o professor Ivan Beck Ckagnazaroff, da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), não está convencido de que esse é o caminho. Para ele, embora muitos municípios não sejam financeiramente independentes, a incorporação deles a outras cidades não necessariamente traria benefícios.
“Um distrito pode não ser bem atendido pelo governo municipal. Uma cidade dependente do fundo de participação municipal pode se esforçar para planejar e estabelecer prioridades e tentar sobreviver a partir das suas atividades econômicas básicas, com foco na educação, para garantir uma população minimamente educada; e na saúde, para garantir uma população minimamente saudável para poder estudar, trabalhar e realizar projetos de vida", diz Ckagnazaroff.
Para Ckagnazaroff, romper as desigualdades regionais, especialmente em regiões de potencial econômico limitado, também exige a participação de outras esferas do governo. “O papel do governo federal e dos governos estaduais é fundamental para auxiliar os municípios na melhoria na prestação de serviços e em processos que podem levar a melhorias por meio de políticas públicas que possam fortalecer o perfil econômico da cidade, caso ela tenha um, ou incentivar potencialidades existentes em áreas como turismo, serviços, meio ambiente, agricultura, pecuária e pesca”, diz ele.
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