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Economista Maria da Conceição Tavares durante ato em apoio a Dilma Rousseff em 2016.
Economista Maria da Conceição Tavares durante ato em apoio a Dilma Rousseff em 2016.| Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

A economista e ex-deputada Maria da Conceição Tavares morreu em 8 de junho, aos 94 anos. A repercussão da notícia deixou evidente a importância dela para parte da elite política brasileira: o presidente Lula, a ex-presidente Dilma Rousseff e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, publicaram notas exaltando a biografia de Maria da Conceição, que também foi professora da Unicamp.

Excelente comunicadora e com doutorado pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a professora tinha uma capacidade acima da média de enfileirar frases bem talhadas e com clareza invejável — embora intercaladas por palavrões. Dizia tudo com um tom de convicção quase agressivo, moderado por um humor ácido. Talvez isso explique seu status elevado entre entusiastas das ideias econômicas de esquerda: a voz rouca de Maria da Conceição Tavares era uma espécie de símbolo da intelectualidade engajada, capaz de discutir os grandes problemas do Brasil.

Mas também é verdade que muitas das ideias de Maria da Conceição Tavares foram derrotadas pelo tempo.

A economista (que em 1994 trocou o PMDB pelo PT) defendia o Estado como indutor do desenvolvimento econômico. Ao mesmo tempo em que era capaz de criticar ideias socialistas e de analisar criticamente a experiência do socialismo real, ela nunca abriu mão das ideias de esquerda — e pregava o que, segundo ela própria, era combinação entre marxismo, keynesianismo e desenvolvimentismo. De forma distinta, as três correntes enxergam o Estado como o protagonista da economia.

A reportagem da Gazeta do Povo separou sete ocasiões em que Maria da Conceição Tavares acabou desmentida pelos fatos.

1) Contra o Plano Real

O mais bem-sucedido plano econômico do Brasil moderno não teve a aprovação de Maria da Conceição Tavares. À época do lançamento do Plano Real, como deputada federal pelo PT, ela afirmou que a ideia configurava um “estelionato eleitoral”, além de "muito recessivo"; em resumo, nas palavras dela, "um horror". As declarações estavam em linha com a de outros petistas como Aloizio Mercadante e Luiz Inácio Lula da Silva.

Na verdade, a iniciativa do governo Itamar Franco acabaria sendo o passo decisivo para a estabilização da economia depois de um longo período de inflação fora de controle. Sem o Plano Real, dificilmente o Brasil teria sido capaz de atrair novos investimentos e reduzir a miséria nos governos seguintes.

2) Programa social de "débeis mentais"

Em 2003, a economista deu uma entrevista à Folha de S. Paulo em que atacou a política social do recém-empossado governo Lula. A tese de Maria da Conceição Tavares era curiosa: ela discordava da ideia de que os programas sociais devem focar nos mais pobres (a chamada "focalização"). Na época, o alvo dela eram as recém-anunciadas polícias sociais do primeiro governo Lula.

"Discordava" é um eufemismo: Maria da Conceição Tavares atribuiu a proposta a "um grupo de débeis mentais do Rio de Janeiro". O alvo eram economistas como Marcos Lisboa, que ela também chamou de "um garoto semianalfabeto". Ironicamente, o maior sucesso da gestão petista (o Bolsa-Família) foi um programa "focalizado".

3) FHC pior que o regime militar

A “Crise de 95” não é estudada como um evento histórico significativo. Mas, para Maria da Conceição Tavares, aquele foi o momento mais dramático da história do Brasil até então. “Esta é provavelmente, dada a escala, a pior crise que esse país já teve”, afirmou a economista durante entrevista ao programa Roda Viva e sem se lembrar de eventos como a queda da monarquia, a Revolução de 30, a Era Vargas e o Regime Militar.

Instada a explicar melhor a que se referia, ela acrescentou que a crise era não apenas econômica, mas "da sociedade". "É parecida com o fim do Império, sim, ou com a Regência, sim. Só que a escala é muito maior", declarou. Embora o país tenha passado por uma turbulência econômica no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, o Brasil não se desfez e o presidente foi reeleito ainda no primeiro turno em 1998.

4) Democracia não explica progresso americano

Durante uma aula ministrada na Unicamp em 1992, Maria da Conceição Tavares foi enfática ao rejeitar qualquer associação entre a democracia e o progresso material dos Estados Unidos. "Em nenhum caso a democracia tem coisa que ver… porque a vitória democrática americana não é o que explica a acumulação americana. Não é o que explica o capital financeiro, a grande empresa multidivisional, o revólver, a máquina de costura, nem a p... do fordismo", esbravejou.

Mas o sucesso do capitalismo americano não é fruto do acaso. Embora haja exceções, países democráticos tendem a se desenvolver mais rapidamente por causa do respeito aos direitos de propriedade, da liberdade para empreender e do fluxo livre de informações. Isso ajuda a explicar por que o primeiro país a se tornar independente como uma república democrática se tornou a maior potência econômica do mundo.

5) Capitalismo e pobreza

Em uma entrevista a um projeto da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Maria da Conceição Tavares afirmou que políticas de livre mercado geram pobreza. "No caso dos desenvolvidos, o capitalismo recente produziu pobreza, concentração da renda brutal quando isso não era o modelo dos 30 anos gloriosos". Os “30 anos gloriosos” a que ela se refere foram os da expansão do estado de bem-estar social depois da crise de 1929. Segundo a economista, esse modelo se desfez nos anos 1970 e teve resultados desastrosos.

Na verdade, os dados do Banco Mundial mostram uma evolução contínua da renda média dos Estados Unidos, da Alemanha, da França, da Inglaterra e de praticamente todos os países desenvolvidos a partir da década 70 — até que algumas economias retrocederam durante a crise global de 2008.

6) Contra as privatizações

Por diversas vezes, Maria da Conceição Tavares expressou sua contrariedade com o processo de privatizações de estatais. No governo Fernando Henrique, em especial, ela denunciou o que acreditava ser uma política desastrada, que traria prejuízos ao Brasil.

Além disso, a economista acreditava que o Brasil já tinha dinheiro em caixa suficiente. "Privatizar para quê? Temos 40 bilhões de dólares de poupança de funcionários públicos, de estatais, de fundos de pensão", ela disse em uma entrevista concedida à revista Teoria e Debate, da Fundação Perseu Abramo, em 1995.

7) Defesa do Plano Cruzado

Em 1986, o governo Sarney lançou sua principal aposta para controlar a inflação: o Plano Cruzado, que se apoiava no congelamento de preços e no câmbio fixo. Maria da Conceição Tavares, que havia sido convidada a colaborar com a elaboração da iniciativa, celebrou. 

"Estou muito contente de ver uma equipe econômica que redime politicamente esse país". "Há muito tempo que eu não estava tão contente", ela disse, com lágrimas nos olhos. 

Não deu certo. O Plano Cruzado durou nove meses antes de sofrer eutanásia. A inflação sobreviveria mais oito anos até ser golpeada pelo Plano Real.

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