Pense naquela criança pequena que brinca com um tablet enquanto os pais tentam comer em paz no restaurante. Esse é o estereótipo de um representante da Geração Alpha, o próximo grande grupo populacional mundial – e o primeiro a crescer totalmente no século XXI.
Nascidos entre 2010 e o final de 2024, os alphas são, em sua maioria, filhos da Geração Y (os millenials) e irmãos da Geração Z (zoomers).
“Nativos digitais”, estão sendo criados em frente a telas, preferem atividades interativas e recorrem com naturalidade aos assistentes virtuais e à inteligência artificial.
Foram profundamente marcados pelo isolamento social provocado pela epidemia da Covid-19, o que os deixou mais próximos da família e preocupados com a saúde. Há, inclusive, quem os chame de Geração C (de coronavírus).
Essa experiência pandêmica “formadora” em comum com contemporâneos de todos os lugares da Terra, somada à facilidade tecnológica de se comunicar em nível planetário, ainda estimula os especialistas a adotarem outra nomenclatura para defini-los: Geração Global.
Rótulos à parte, o fato é que mais de 2,8 milhões de alphas nascem todas as semanas mundo afora (principalmente na Índia, China e Nigéria). Até 2025, serão cerca de 2 bilhões – o maior contingente geracional da História.
Criador do termo Geração Alpha e autor de um livro com o mesmo nome, o pesquisador australiano Mark McCrindle é considerado um dos maiores entendidos do tema até o momento.
Em uma entrevista concedida em 2015 ao jornal The New York Times, ele explicou a origem da expressão.
“Em 2008, quando escrevia o livro The ABC of XYZ: Understanding the Global Generations [‘O ABC do XYZ: Entendendo as Gerações Globais’, lançado em 2009], ficou claro que uma nova geração estava para começar e ainda não havia um nome para ela. Fiz uma pesquisa com várias pessoas, para descobrir como ela deveria ser chamada, e ‘Geração A’ foi a resposta mais recorrente”, disse.
No entanto, segundo McCrindle, não fazia sentido retornar ao ‘A’. “Porque eles são o começo de algo novo, e não um retorno para o que havia antes. Então acabei usando ‘Geração Alpha’, mencionado algumas vezes pelos entrevistados, para dar o título do capítulo Beyond Z: Meet Generation Alpha [‘Além do Z: Conheça a Geração Alpha’].”
Ou seja: se o conceito se mantiver, os próximos serão os betas, que nascerão a partir de 2025. E depois os gammas, deltas, etc.
Nova geração vai movimentar uma economia gigantesca, e por isso já chama a atenção das corporações
Mark McCrindle também é fundador de uma empresa de consultoria centrada em “demografia e estudos sociais”.
A companhia costuma divulgar relatórios atualizados sobre os alphas, com informações que abrangem desde características psicológicas das crianças a tendências de consumo. E, graças a este último aspecto, as grandes corporações passaram a voltar sua atenção para essa fatia do público.
De acordo com a McCrindle Research, em 2029 – quando os primeiros indivíduos da geração serão adultos e os mais jovens terão atingido a idade de 5 anos – o grupo movimentará uma economia de US$ 5,46 trilhões (o equivalente a R$ 27,19 trilhões na cotação atual).
Não à toa, a maior parte dos artigos acadêmicos já publicados acerca do assunto foram produzidos por especialistas da área de marketing (seguidos por psicólogos e educadores). Os estudos trazem vários dados em comum, muitos deles meramente especulativos:
– Na rotina dos alpha, os celulares, tablets, videogames e TVs digitais exercem papéis de cuidado, entretenimento e educação.
– Eles têm uma capacidade de atenção mais curta, e aprendem melhor por meio de métodos educativos baseados na “gamificação” (a aplicação da dinâmica dos jogos eletrônicos nos processos do dia a dia, para motivar e ensinar de forma lúdica).
– Mesmo sendo mais dispersos, farão parte da geração mais instruída da humanidade, devido à enorme quantidade de informação recebida e o maior tempo gasto em cursos e treinamentos.
– Como desconhecem a realidade analógica e offline, não separam o mundo real do virtual.
– Preferem games customizáveis, em que possam construir realidades, como Roblox e Minecraft.
– Muitos têm pais do mesmo sexo ou de diferentes origens étnicas e religiosas, o que supostamente os tornará mais “inclusivos”.
– Possuem muita empatia (a capacidade de se colocar no lugar de outra pessoa), pois são criados em um ambiente diverso e globalizado, que fornece o acesso a um número maior de opiniões, perspectivas e influências.
– Os que vivenciaram o período de lockdown são bastante apegados aos pais e irmãos (porém, uma parcela significativa é de filhos únicos).
– O período pandêmico também os deixou mais cuidadosos com a saúde, tanto mental quanto física (o que pode acarretar em mudanças nos hábitos alimentares da população mundial).
– Costumam educar os pais e amigos com os conhecimentos que adquirem. De forma geral, são extremamente cooperativos.
– Têm um poder de decisão absurdo sobre o que é consumido dentro de casa (e viverão com os pais por mais tempo que as outras gerações).
– Questionam os atuais padrões de consumo, pois priorizam a experiência em detrimento da posse.
– Dominam a produção e edição de conteúdos audiovisuais, graças às ferramentas disponíveis nos aplicativos das redes sociais.
– Não se importam com a proteção de sua privacidade.
– Criarão profissões que ainda não existem.
Por que os alphas podem dar um fim à era da polarização política
“Sou muito esperançoso com relação ao futuro dessa geração”, diz o designer, empresário e professor Aguilar Selhrost.
Coordenador da Graduação 4D em Economia da Influência Digital da PUCPR (um novo modelo de curso que inclui mentorias, experiências no metaverso e oportunidades de networking), ele é um observador atento dos alphas.
Para Selhorst, o grupo que em breve será predominante no planeta vai encarar os problemas de nosso tempo de forma diferente dos millennials e zoomers – e isso pode até culminar no fim da polarização política atual.
“O sofrimento humano vai importar mais do que ser de direita ou esquerda. Eles vão pensar nas respostas para essas questões mais humanamente e menos politicamente”, afirma.
Essa previsão, segundo o professor, vem de duas características essenciais da Geração Alpha: empatia e senso de cooperação. “Eles são reflexivos e fáceis de se lidar. Têm uma necessidade coletiva de se compreender, até pelo fato de serem muito cosmopolitas.”
Sellhorst ainda afirma que os alphas serão responsáveis por grandes mudanças econômicas e nos hábitos de consumo. Primeiro, porque exigirão produtos e serviços o mais customizáveis possíveis. E pelo fato de desejarem, acima de tudo, experiências.
“A experiência, para eles, é mais importante do que a propriedade. Por exemplo: é uma geração que vai, cada vez menos, tirar carteira de motorista. Porque não é interessante ter um automóvel se existe o Uber. A consequência disso é que o mercado terá de buscar inovações no campo do transporte público para atendê-la.”
Eventos como a pandemia trouxeram consequências negativas incalculáveis
No entanto, nem tudo é otimismo com relação à Geração Alpha. Afinal, sempre há o temor de que o futuro seja ainda mais incerto e volátil – e pautado por epidemias, instabilidade política global, desemprego, consumismo desenfreado, desigualdades socioeconômicas, mudanças climáticas extremas e pessoas dependentes de um mundo digital superficial.
Professora de Psicologia da Inovação e Psicologia da Internet da Faculdade de Informática e Administração Paulista (Fiap), Fernanda Furia não chega a ter o medo “apocalíptico” descrito acima, porém expressa preocupações importantes com relação às crianças alpha, que acompanha e estuda.
“Enfrentar, ao mesmo tempo, um cenário de pandemia, isolamento social, guerras, acidentes climáticos e ataques a escolas é uma tragédia sem tamanho”, afirma a coordenadora da consultoria Playground da Inovação, voltada para temas como educação, inteligência emocional-digital e ciberpsicologia (o estudo do resultado das interações humanas com a tecnologia).
De acordo com Fernanda, o sofrimento e as consequências negativas decorrentes desses eventos são “imensuráveis”.
E, especialmente no que diz respeito ao período pandêmico, ela faz um alerta: em muitos casos, os cuidados oferecidos pelos pais durante o lockdown podem não ter sido adequados. Até porque os adultos também estavam fragilizados.
“Brigas entre os pais, agressões físicas, abuso sexual, desamparo, desaparecimento da rede de apoio e falta de dinheiro foram elementos constantes em muitos lares durante o isolamento”, diz.
Mas e a parcela pobre e vulnerável da Geração Alpha? Como vai desenvolver suas potencialidades sem as mesmas oportunidades de acesso à tecnologia e educação que as classes mais privilegiadas?
Para Fernanda, a sociedade ainda precisa entender, com mais profundidade, como ficaram os menos favorecidos após a pandemia – e o consequente aumento da desigualdade social e tecnológica.
Segundo ela, vivemos um paradoxo. Ao mesmo tempo em que a internet e a informação possibilitam mais oportunidades de trabalho, sua ausência pode alargar o abismo social já existente.
“Caso não consigamos oferecer condições básicas para o desenvolvimento das novas gerações, teremos um cenário muito difícil, com um número ainda maior de evasão escolar e de jovens que não trabalham e acabam indo para a criminalidade”, afirma.
Já o professor Aguilar Selhrost acredita que, graças à internet, a população mais pobre cada vez mais terá comportamentos parecidos com o da classe média.
“O que vai diferenciar as pessoas dessa geração não será a economia, que é o que define as classes. Será como elas vão usar a informação, a curadoria. Essa geração, inclusive, terá um poder de cobrança muito mais forte”, diz.
Questionada sobre o que os adultos podem fazer para ajudar a Geração Alpha em seu processo de desenvolvimento, Fernanda chama a atenção, principalmente, para a importância de se compreender a rápida evolução tecnológica em curso.
“Conhecer as oportunidades e os riscos envolvidos no uso da internet é fundamental para orientarmos as novas gerações”, afirma a psicóloga.
Selhorst, por sua vez, ressalta a importância da curadoria. “É a palavra do momento. Diante de tanta exposição à informação, é fundamental mostrar o que faz sentido estudar, as melhores leituras. Tanto ponto de vista da fidedignidade quanto da própria ética.”
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