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Campanha de vacinação no Paraguai
Enfermeira prepara dose em campanha de vacinação contra Covid-19 e contra gripe em Assunção, Paraguai, 4 de abril de 2022.| Foto: EFE / Nathalia Aguilar

A FDA — Administração de Alimentos e Drogas, órgão sanitário dos Estados Unidos — autorizou em caráter emergencial, no dia 31 de agosto, duas vacinas bivalentes de mRNA contra Covid-19. Elas são chamadas de bivalentes porque são uma mistura de material genético (mRNA) de duas linhagens do coronavírus: a linhagem mais antiga, surgida em Wuhan na China, e a linhagem da variante que é a mais comum em circulação hoje, a variante ômicron. As bivalentes são produzidas pelas empresas Pfizer e Moderna. A bivalente da Pfizer está autorizada nos EUA para crianças a partir de 12 anos, a da Moderna só para adultos. A vacina anterior da Pfizer, aplicada no Brasil, utiliza somente a linhagem de Wuhan.

A proposta da Pfizer para sua vacina bivalente tinha base em dados escassos: um estudo com apenas oito camundongos completado no dia da reunião junto à FDA. Não há dados de testes em humanos. Questões de segurança como a inflamação do coração em adolescentes do sexo masculino (que pode atingir 3% deles após duas doses da vacina de mRNA) não foram consideradas antes da aprovação. Os proponentes da dose de reforço bivalente, entre eles funcionários da Casa Branca, dizem que a intenção é acompanhar a Covid-19 como se faz com a gripe, que é controlada com uma vacina anual que é refeita com base em cepas emergentes do vírus. A Covid-19 está em transição de pandemia para endemia, tornando-se comparável à gripe. Mas, por haver uma analogia entre doenças, isso não significa que há uma analogia entre as duas vacinas.

Por que doses de reforço contra Covid não são como a vacina anual para gripe

A primeira distinção a ser feita é que as vacinas anuais contra gripe não são baseadas na nova tecnologia de mRNA, que é uma molécula que instrui o organismo humano a produzir uma proteína do vírus que é apresentada ao sistema imunológico, mas na tecnologia antiga: o vírus inativado inteiro da gripe é apresentado às defesas imunológicas. Ainda há aspectos desconhecidos do efeito da nova tecnologia de mRNA.

Enquanto a vacina anual da gripe raramente origina custos como um dia perdido de trabalho por eventos adversos pós-vacinação, isso não é tão raro para as vacinas de mRNA da Covid. Em artigo publicado em janeiro deste ano, Stephanie Cohen e colegas, do Departamento de Dermatologia do Centro Médico Tufts em Boston, EUA, compararam eventos adversos após a inoculação com as duas vacinas. Enquanto menos de 8% de pacientes vacinados com a vacina da gripe tiveram dor de cabeça, por exemplo, isso aconteceu em 20% dos inoculados com a vacina da Pfizer. Com fadiga, 4% vs. 15%; calafrios: 6,5% vs. 13,5%; náusea: 6% vs. 12%; respectivamente.

Outra diferença é que a vacina para gripe tenta prever quais cepas virais serão predominantes em uma estação, enquanto a vacina para Covid trata de variantes que já passaram pela população e deixaram uma importante contribuição da imunidade natural. Para as campanhas contra a gripe, os produtores de vacinas americanos coletam linhagens virais de outros países, tentando antecipar qual se espalhará em seu país.

No momento, a Covid-19 é menos letal que a gripe. Como mostrou o jornal Financial Times em março deste ano, na Inglaterra a ômicron mata 35 a cada 100 mil infectados, enquanto a gripe mata 40. Este é outro motivo para repensar se as políticas de vacinação contra as duas doenças devem ser as mesmas.

No aspecto político interno das decisões da FDA, as doses de reforço de mRNA contra Covid-19 são claramente mais controversas. Dois cientistas médicos deixaram a FDA em protesto no segundo semestre de 2021 pela pressa do governo Biden de aplicar a dose de reforço em toda a população: a dra. Marion Gruber, ex-chefe do gabinete de pesquisa e revisão de vacinas da agência, com 32 anos de casa; e seu subordinado, o dr. Phil Krause. Não há registro recente de protestos similares dos cientistas da agência contra a vacina anual da gripe.

Paul Offit, um dos especialistas mais respeitados em vacinas do mundo e diretor de vacinação no Hospital Pediátrico da Filadélfia, declarou ao site de notícias médicas MedPage Today que recebeu três doses da vacina e contraiu o coronavírus em maio deste ano. Para ele, isso significa que seu organismo está bem protegido para o inverno do hemisfério norte. “Não tenho planos de receber outra dose”, diz o dr. Offit, até que esteja claro que as pessoas que foram vacinadas e tiveram infecções naturais ainda assim tenham alto risco de uma doença séria ao entrarem mais uma vez em contato com o novo coronavírus — o que não é o caso agora. Ele faz parte do comitê de conselheiros da FDA, e votou contra a aprovação emergencial da dose de reforço da vacina bivalente.

A posição de Offit e outros especialistas quanto à inoculação anual contra gripe é bem diferente. Em um estudo recente envolvendo quase dois milhões de pessoas com 65 anos ou mais, a vacinação contra gripe mostrou um benefício inesperado: uma redução de 40% no risco da doença de Alzheimer, que é neurodegenerativa e afeta a memória.

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