Quantos e-mails o leitor já recebeu em língua do x? Daquelx povx que escrevx assim? Se tiver relações com universidade, com certeza terá recebido e-mails institucionais deste jeito. Já o dono da carrocinha de cachorro-quente dificilmente receberá um “prezadx” nos peitos pelo WhatsApp. De fato, só mesmo gente de universidade para inventar uma coisa impronunciável.
No começo da difusão da internet, tínhamos o prezad@, que poderia ser lido como “prezado” ou “prezada”. Era autoexplicativo, pois no @ é visível um O com um a dentro. Talvez tenha sido invenção espontânea, já que quando a internet começou as pessoas gostavam de brincar com o teclado e inventar coisas como :-) e :-P.
Mas um belo dia resolveram que prezad@ não é bom, porque contempla apenas os prezados e as prezadas, deixando de fora aqueles que não são homens nem mulheres. Cuma?
É que eles acreditam que as pessoas não nascem homens nem mulheres, e são socialmente construídas assim pelo capitalismo malvado, de maneira que há um espectro de gênero dos quais homem e mulher são os polos, com um monte de coisa no meio. Aí escolheram o x porque é uma variável matemática, e matemática é uma coisa meio chique pro pessoal de humanas, como bem mostraram Sokal e Bricmont em Imposturas Intelectuais.
Mas se você escrevx seus e-mails assxm e acha que está arrebentando, saiba que está out, é brega, cafona. Reportagem da BBC Brasil de março de 2019 informa que “num passado recente, a letra X chegou a ser utilizada para grafar o gênero neutro em alguns textos.” Nos primórdios de 2016, o G1 revelava que os leitores de cego não conseguem ler “todxs”, de modo que a linguagem de gênero neutro era um verdadeiro problema de inclusão para eles.
Assim, um belo dia, teve-se a audaciosa ideia de escrever coisas pronunciáveis. Quem poderia imaginar?! Inventou-se, portanto, que o -e viria no lugar do -x, exceto quando o -e já fosse masculino, como em “ele”, que viraria “elu”. Este jornal já ouviu linguistas a respeito, e nosse cuidadose Paule Polzonoff já traduziu para linguagem inclusiva, de modo que não-bináries podem ler sem passar por experiências traumáticas.
Ora bolas, pela minha memória, em 2008 já existiam uns gaiatos mandando e-mail em coisa de universidade na língua do x. Por que só por agora, de repente, resolveu-se que era uma boa ideia fazer algo pronunciável?
A minha hipótese é a seguinte: nenhuma linguagem neutra é feita com o fito de ser perfeita e tão longeva quanto possível. É feita com o fito de ser mudada por uma autoridade central, mesmo, e a partir daí diferenciar os que estão mais antenados dos que são mais periféricos.
O mesmo nicho ideológico que prega que meritocracia é ideologia, que não existe pior nem melhor, que língua é ferramenta de dominação, inventa a linguagem neutra. Se eles jogam o mérito e a objetividade fora, que critério resta para avaliar os profissionais? O alinhamento ideológico. Mas como sabemos o quão alinhado alguém está?
Com a linguagem neutra, isso fica fácil. Agora, podemos diferenciar não só a adesão de alguém, como o seu empenho em se manter atualizado e fiel à nova moda. Se antes era necessário ler com algum cuidado as ideias de alguém para saber quais são seus pensamentos, hoje basta ler um “todos” para ver que é um “reacionário”, um “todxs” para saber que é um esforçado, e um “todes” para saber que é ótimo, ops, ótime.
Em breve, não será nem preciso ler; bastará a pessoa abrir a boca. Na Argentina, o presidente Alberto Fernández já se dirige a les argentines (sic) oficialmente. Se isso não é imposição vertical, não sei o que é.
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