Apesar das muitas evidências de que os professores das universidades públicas têm uma tendência à esquerda, nem sempre é fácil quantificar esse fenômeno. O voto é secreto, e as pesquisas de opinião podem ser enganosas. Mas existe uma forma certeira de medir a preferência política de um grupo de pessoas: o registro das doações eleitorais.
A reportagem da Gazeta do Povo cruzou a lista de doadores da campanha eleitoral de 2022 com a de professores de universidades federais. Ambas estão disponíveis publicamente.
A lista dos doadores, divulgada pelo Tribunal Superior Eleitoral, permite consultar o nome completo e o CPF do doador. Já a base de dados do Portal da Transparência do governo federal inclui, além do nome, seis dígitos do CPF (excluídos os três primeiros e dos últimos).
Com esses dados, é possível identificar quais professores fizeram doações em 2022.
A base de dados do Portal da Transparência do governo federal inclui o nome de 54.342 professores (incluindo substitutos, temporários e visitantes) lotados nas 68 universidades federais.
O levantamento feito pela Gazeta do Povo, combinando nome e CPF, identificou que 477 deles fizeram alguma doação em 2022. Isso equivale a aproximadamente 0,9% do total de professores. Desses 477, 19 eram candidatos que doaram à própria campanha.
A primeira conclusão: o Partido dos Trabalhadores (PT) foi o partido mais beneficiado.
Lista de partidos por valor recebido
Na lista geral das doações, nenhuma sigla chegou perto do Partido dos Trabalhadores, com R$ 467,3 mil. O Partido Socialista Brasileiro (PSB), com R$ 350 mil, e Rede Sustentabilidade, com R$ 209,1 mil completam o pódio. O Partido Liberal (PL), de Jair Bolsonaro, está em sexto lugar, com R$ 63,7 mil.
O valor considera as doações para campanhas de deputado estadual, deputado federal, senador, governador e presidente da República.
Volume de doações por ideologia
Outra forma de analisar os dados é consolidar as doações de acordo com a posição política de cada partido. Nesse critério, as siglas de esquerda arrecadaram mais de 70% dos valores doados por professores universitários. Os partidos de centro ficaram com 15,8%, e as de direita receberam R$ 14,2%.
Quando se retiram da lista os professores que eram candidatos e doaram à própria campanha, a divisão se altera: 59,6% dos recursos foram para partidos de esquerda, 30,7% para os de centro e 9,8% para partidos de direita.
Exatas e Humanas tiveram resultados distintos
Nas ciências Exatas, Biológicas e da Saúde, juntas, a divisão dos recursos doados por professores de universidades federais foi quase equânime: 36% das doações foram para partidos de direita, 33,7% foram para siglas de centro e 30,3% foram para partidos de esquerda. Entretanto, a presença de um candidato filiado ao União Brasil fez uma grande diferença nesse resultado. Sozinho, Aloísio Antonio Gomes de Matos Brasil, o Dr. Aloísio, doou R$ 91,5 mil à própria campanha de deputado estadual no Ceará. Ele é professor de Medicina na Universidade Federal do Cariri.
Excluídos os professores candidatos, a proporção ficou assim: 45,9% para o centro, 41,5% para a esquerda e 12,6% para a direita.
Já nas Ciências Humanas e Sociais, a divisão foi bem diferente: 73% das doações foram para partidos de esquerda, enquanto 21% favoreceram siglas de centro e 5,1% beneficiaram as de direita.
Excluídos os professores que doaram para a própria campanha eleitoral, a proporção nas Ciências Humanas e Sociais foi de 62,6% para a esquerda, 29,9% para o centro e 7,5% para a direita.
Bolsonaro em primeiro lugar?
Além do valor total doado por professores universitários, também é possível analisar quais partidos tiveram o maior número de doadores (independentemente do valor repassado).
Em uma primeira análise, um dado salta aos olhos: juntando as eleições a todos os cargos, o PL foi o partido que mais recebeu doações: 130 docentes das federais enviaram dinheiro à sigla. Acontece que 107 dessas foram de R$ 1 ou menos. Todas elas tiveram Jair Bolsonaro como beneficiário.
Explica-se: quando o candidato do PL lançou sua vaquinha para arrecadar recursos de eleitores, parte da esquerda se mobilizou para fazer doações irrisórias ao candidato do PL com o objetivo de sobrecarregar a equipe de Bolsonaro. Pela lei, a campanha precisa prestar contas individualizadas de cada doador.
Ou seja: as doações de R$ 1 na verdade indicam uma rejeição a Bolsonaro, e não um apoio a ele.
No agregado, Bolsonaro arrecadou R$ 7.498, incluindo as doações irrisórias. Já Lula obteve o dobro: R$ 15 mil — vindos de apenas um doador, um professor de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
A diferença reflete as estratégias de arrecadação de cada campanha. Bolsonaro apostou na vaquinha virtual e mobilizou um grande número de eleitores a doarem pequenas quantias, enquanto Lula priorizou os grandes doadores.
Lista de doadores por ideologia
Tomando como critério apenas o número de doadores (e não o volume doado), os partidos de esquerda permanecem em ampla vantagem em relação aos de centro e de direita. Esse levantamento exclui as doações de menos de R$5, para evitar que as doações anti-Bolsonaro distorçam o resultado.
PT, PL, PSOL, PCdoB e MDB foram, nesta ordem, os partidos que mais receberam doações de R$5 ou mais.
Dados mostram domínio da esquerda, mas sugerem organização da direita
O professor Ney Rômulo de Oliveira Paula, da Universidade Federal do Piauí, é presidente de uma entidade que representa professores liberais e conservadores: o Docentes pela Liberdade. Ele diz que o predomínio numérico da esquerda é ainda maior do que sugerem os números das doações eleitorais. "Hoje, pelo que eu vejo no cenário nacional, os professores liberais ou conservadores nas instituições de ensino superior federais são cerca de 10%", estima.
Rômulo diz que, embora seja apartidária, a organização presidida por ele representa professores que se contrapõem à predominância da esquerda nas universidades. Ele afirma que a eleição de Bolsonaro ajudou a agrupar essa ala de professores. "Na era do ex-presidente Bolsonaro, a organização dos professores de direita ficou muito maior, e a nossa organização é uma amostra disso", explica.
Para Anamaria Camargo, diretora do Instituto Livres pra Escolher e estudiosa da educação brasileira, os números das doações sugerem um engajamento maior da direita acadêmica: "As doações da esquerda são cinco vezes maiores que as de direita. Mas quão mais numerosos são os professores de esquerda? Não sabemos. Eu chutaria mais de cinco de esquerda para um de direita. Se assim for, proporcionalmente, os de direita doam mais", analisa.
Parcela de doadores é pequena
Apesar das doações eleitorais serem um indicativo da ideologia dos professores universitários, é preciso fazer uma ressalva importante. O número de professores que realizaram contribuições financeiras a candidatos em 2022 é reduzido. Portanto, os dados apresentados nesta reportagem medem o viés político dos professores mais ativos politicamente, e não diz muito sobre os menos engajados.
Cesar Gordon, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, diz que a politização da universidade é um fenômeno relativamente recente. "A crença tradicional de busca de um conhecimento o mais objetivo possível, que mais se aproximasse da realidade das coisas, foi perdida ao longo do século 20 e substituída pela visão 'pós-moderna' que consiste na imposição política da linguagem — entendida não como algo que representa a realidade, mas como algo que deve alterar a realidade e até mesmo criar a própria realidade", ele afirma.
Gordon também lembra que existe um grupo numeroso, mas silencioso de professores: o dos que não são tão engajados publicamente e que acabam ofuscados por minorias estridentes.
"Existe muita gente que não concorda com essa politização geral, e que ainda acredita numa visão mais técnica ou ate mesmo positivista do conhecimento e pesquisa universitária. Mas essas pessoas ficam, de certa forma, espremidas. Acabam caindo no que se chama de 'espiral do silêncio', para poder seguir sua vida profissional sem perturbações", diz.
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