De título autoexplicativo, ‘20 Anos de Corrupção: Os Escândalos que marcaram Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro’ (Selo História Real) tem como trunfo o vasto material de pesquisa que serviu de base para o trabalho do jornalista Ivo Patarra, autor do livro.
São arquivos de jornais, investigações da Polícia Federal, inquéritos e denúncias dos Ministérios Públicos, sentenças judiciais, etc. E também delações premiadas, como a de Antonio Palocci à Lava Jato.
No trecho a seguir, Patarra conta como o ex-ministro das gestões Lula e Dilma revelou os meandros da relação entre os governos petistas e a empreiteira Odebrecht – com direito ao relato de uma reunião “chocante” na biblioteca do Palácio do Alvorada.
Ao depor à Lava Jato, Antonio Palocci (PT), um dos colaboradores mais próximos de Lula, afirmou que o ex-presidente da República fizera um “pacto de sangue” com Emílio Odebrecht, líder da maior construtora do país.
Ex-ministro tanto de Lula quanto de Dilma, Palocci declarou, em 6 de setembro de 2017, que a relação dos dois governos com a Odebrecht foi “movida a vantagens dirigidas à empresa, a propinas pagas pela Odebrecht a agentes públicos em forma de doação de campanha, benefícios pessoais, caixa um [doação eleitoral], caixa dois”.
Condenado a nove anos e dez dias de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro, o ex-ministro ficou preso por dois anos e três meses. Saiu da cadeia após acordo de delação firmado com a Polícia Federal. Seguiu para a prisão domiciliar usando tornozeleira eletrônica.
Ao confessar sua participação em atividades ilegais, Palocci explicou que Emílio Odebrecht tinha receio de que Dilma, ao suceder a Lula, não proporcionasse a mesma “convivência fluida” entre o governo federal e a Construtora Norberto Odebrecht “em todos os aspectos”.
E detalhou os “aspectos” a que se referia Emílio:
A Odebrecht, em particular, tinha uma relação fluida com o governo em todos os aspectos. Diria, partindo dos aspectos de realização de projetos, assim como participação em campanhas.
As participações em campanhas se davam de todas as maneiras. A maior parte com caixa um, mas que muitas vezes era originário de atitudes e de contratos ilícitos.
Palocci disse que foram inúmeros os contratos da Petrobras que “geraram créditos”, vale dizer, propinas.
E que, com o intuito de contornar eventuais resistências de Dilma à preservação da “convivência fluida” entre a empreiteira e o governo, Emílio reuniu-se com Lula antes mesmo do término de sua segunda gestão no Palácio do Planalto.
Do depoimento de Palocci:
O Emílio abordou [Lula] no final de 2010 não para fazer, para oferecer alguma coisa. Foi para fazer um pacto, que eu chamei de “pacto de sangue”, porque envolvia um presente pessoal, que era um sítio [em Atibaia].
Envolvia o prédio de um museu pago pela empresa [que abrigaria o novo Instituto Lula]. Envolvia palestras pagas a R$ 200 mil, fora imposto, combinadas com a Odebrecht para o próximo ano [2011]. Várias palestras. E envolvia uma reserva de R$ 300 milhões.
Ressalte-se: R$ 300 milhões para financiar atividades políticas.
O ex-ministro ainda deu detalhes de uma reunião ocorrida entre Lula, Dilma e Emílio em 30 de dezembro de 2010, na véspera do encerramento dos oito anos de governo Lula.
Na reunião, o presidente pediu a Dilma que garantisse todas as faces do relacionamento entre o governo federal e a Odebrecht – “lícitos e ilícitos”, sublinharia Palocci na confissão.
A preocupação de Lula com o financiamento das atividades do PT já ficara clara em meados daquele ano, durante um encontro na biblioteca do Palácio da Alvorada com Dilma, na época ministra da Casa Civil, José Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobras, e o próprio Palocci, então deputado federal.
Lula já se preparava para deixar o poder. O presidente discorreu sobre as reservas de petróleo do pré-sal e os contratos de fabricação e operação de navios-sonda que exploravam o fundo do mar.
Pela primeira vez, segundo Palocci, Lula foi direto:
Ele disse: “Eu chamei vocês aqui porque o pré-sal é o passaporte do Brasil para o futuro, ele vai dar combustível para um projeto político de longo prazo, vai pagar as contas nacionais, ser o grande financiador dos projetos do Brasil.
E quero que o Gabrielli faça as sondas pensando nesse grande projeto para o Brasil. Mas o Palocci está aqui porque ele vai acompanhar esse projeto, porque ele vai ter total sucesso e para que ele garanta que uma parcela desses projetos financie a campanha desta companheira, a Dilma, que eu quero ver eleita presidente do Brasil”.
Palocci deixara o governo em 2006, quando exercia a função de ministro da Fazenda, em meio ao escândalo com o caseiro Francenildo dos Santos Costa e a “Casa dos Prazeres”. Elegeu-se deputado federal naquele mesmo ano.
Interlocutor entre o empresariado e o setor financeiro, coordenou a campanha vitoriosa de Dilma à Presidência em 2010 e foi nomeado ministro da Casa Civil. Ficaria pouco tempo no cargo.
Uma reportagem da Folha de S. Paulo revelou que seu patrimônio crescera 20 vezes entre 2006 e 2010. Suspeito de enriquecer ilicitamente por meio de contratos de consultoria, desligou-se do Planalto mais uma vez.
Com as investigações da Lava Jato, viria a público que Palocci era o Italiano das planilhas secretas da Odebrecht. Delatores da empresa o acusaram de ser operador de Lula.
Palocci foi preso em 26 de setembro de 2016 e teve R$ 30 milhões bloqueados. Para se livrar da cadeia, admitiu crimes de corrupção.
Palocci confessou que entregou dinheiro vivo diretamente a Lula ao menos em cinco ocasiões em 2010 – pacotes que continham de R$ 30 mil a R$ 50 mil. E apontou um assessor, Branislav Kontic, como “mula”.
Ao todo, Kontic teria transportado R$ 9 milhões em propina. Segundo Palocci, R$ 4 milhões foram entregues ao Instituto Lula. Dinheiro da Odebrecht.
O ex-ministro delatou que uma parte das doações em espécie encaminhadas para o instituto bancava despesas pessoais do ex-presidente.
E reconheceu a participação da Odebrecht na compra, com dinheiro de origem ilegal, de um terreno para a nova sede do Instituto Lula e de um apartamento de cobertura vizinho ao de Lula em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo.
Palocci contou que, certa vez, tentou dissuadir Marcelo Odebrecht da aquisição do terreno para o instituto. Mas o ex-presidente insistia em fazer a transação, conforme seria relatado aos investigadores:
Falei para ele [Lula]: “Olha, estou preocupado, eu não gostaria de fazer desse jeito. O senhor está fazendo um instituto para receber doações e fazer suas atividades, não sei por que procurar agora um terreno. Por que não esperar? Não tem problema nenhum receber uma doação da Odebrecht, mas que seja formal ou pelo menos revestida de formalidade”.
Lula hesitava. Durante um jantar no apartamento do ex-presidente em São Bernardo, sua mulher, Marisa Letícia, pressionou a favor da construção do novo instituto. No final, porém, Palocci acabou convencendo Lula do erro dizendo o seguinte, segundo suas próprias palavras:
Nosso ilícito com a Odebrecht já está monstruoso. Se fizermos esse tipo de operação, vamos criar uma fratura exposta desnecessária.
Após o depoimento-bomba diante das autoridades, que imediatamente vazou para a imprensa, o PT desligou o delator do quadro partidário. Palocci respondeu por meio de carta.
Para ele, Lula dissociara-se “definitivamente do menino retirante para navegar no terreno pantanoso do sucesso sem crítica, do ‘tudo pode’, do poder sem limites, onde a corrupção, os desvios, as disfunções que se acumulam são apenas detalhes, notas de rodapé no cenário entorpecido dos petrodólares”.
Em outro trecho da carta, Palocci afirmou que Lula sucumbira ao pior da política: “Um dia, Dilma e Gabrielli dirão a perplexidade que tomou conta de nós após a fatídica reunião na biblioteca do Alvorada, onde Lula encomendou as sondas e as propinas, no mesmo tom, sem cerimônias, na cena mais chocante que presenciei do desmonte moral da mais expressiva liderança política que o país construiu em toda a nossa história.”
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