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Você cumprimenta, mas eles não reagem. E não é um caso isolado: é o “olhar da Geração Z” (Gen Z stare), dos que nasceram entre 1997 e 2012. A percepção se refere a um olhar fixo, vago, sem reação, que muitos jovens exibem em interações sociais, quando se esperaria uma reação verbal ou, no mínimo, uma expressão facial.
Em vez de um sorriso, uma resposta rápida ou qualquer gesto de acolhimento, o interlocutor parece estar diante de uma tela, como se a comunicação fosse unilateral.
O fenômeno viralizou no TikTok neste ano. Desde então, passou a ser tema de reportagens em veículos americanos, que buscaram psicólogos, educadores e pesquisadores para entender se esse comportamento é apenas um estilo geracional ou um sintoma de transformações mais profundas na forma como os jovens interagem. O assunto ainda é pouco estudado no Brasil, mas já perceptível nesta geração que nasceu depois do advento da internet.
“Não é apenas falta de educação ou indiferença. Muitas vezes, esse olhar traduz sobrecarga emocional ou mesmo dificuldade em interpretar o momento social”, disse ao Business Insider a psicóloga clínica Lisa Damour, especialista em desenvolvimento adolescente. Para ela, fatores como o excesso de tempo em frente a telas, a socialização interrompida pela pandemia e a ansiedade social contribuem para esse padrão de reação.
Evidências científicas: quando as telas afetam a leitura emocional
A hipótese de que o uso excessivo de tecnologia prejudica a capacidade de ler sinais sociais não é nova. Em 2014, pesquisadores da Universidade da Califórnia (UCLA), liderados por Yalda Uhls, realizaram um experimento marcante: um grupo de crianças foi enviado a um acampamento de cinco dias sem qualquer dispositivo eletrônico.
Ao retornar, elas apresentaram melhora significativa na habilidade de reconhecer expressões faciais e emoções em comparação a colegas que continuaram usando smartphones e tablets. O afastamento das telas favoreceu tanto a interpretação de rostos quanto a compreensão de emoções em vídeos, indicando que interações presenciais intensas fortalecem habilidades sociais. O estudo foi publicado em Computers in Human Behavior e ganhou destaque na revista Time.
“O cérebro social precisa de prática constante. Quando substituímos interações face a face por interações mediadas por tela, essa prática se perde”, afirmou Uhls em entrevista à Time.
“Os resultados deste estudo devem introduzir uma conversa social muito necessária sobre os custos e benefícios da enorme quantidade de tempo que as crianças passam diante das telas, tanto dentro quanto fora da sala de aula”, concluiu o estudo.
O experimento é frequentemente citado como prova de que a tecnologia, quando usada de forma excessiva, pode reduzir a sensibilidade emocional dos jovens.
O impacto do celular na mesa: o fenômeno do phubbing
Outro campo de pesquisa relevante é o do chamado phubbing — quando alguém ignora o interlocutor para prestar atenção no celular. Experimentos conduzidos em universidades como Princeton e New York University (NYU) demonstraram que a simples presença de um smartphone sobre a mesa já é suficiente para reduzir a percepção de conexão durante uma conversa. Em estudos de laboratório, voluntários relataram sentir-se menos compreendidos e menos valorizados quando o parceiro de diálogo checava o celular.
Uma revisão da literatura científica, publicada em 2024, reuniu mais de 30 pesquisas e concluiu que o phubbing está associado a menor empatia percebida, pior qualidade nas relações interpessoais e maior sensação de isolamento.
“Embora o objetivo declarado de tecnologias como smartphones seja nos ajudar a conectar com os outros, neste caso específico isso não acontece. Ironicamente, a própria tecnologia que foi projetada para aproximar os seres humanos nos isolou dessas mesmas pessoas”, resumiu a pesquisadora Meredith David, da Baylor University, uma das especialistas no estudo do tema, no ExpertFile.
Mas nem tudo é negativo: os contrapontos acadêmicos
Apesar dos indícios de prejuízos sociais, nem todos os especialistas concordam que estamos diante de uma geração “emocionalmente atrofiada”.
Um estudo longitudinal publicado em 2024 pelo psicólogo norueguês Silje Steinsbekk mostrou que o uso de redes sociais, quando feito de forma ativa (para conversar, interagir e colaborar), não apenas não prejudica, como pode até favorecer o desenvolvimento de certas habilidades sociais.
“O efeito depende do tipo de uso. Redes sociais podem isolar quando o consumo é passivo, mas também podem servir como laboratório de socialização quando usadas para interações reais”, concluiu Steinsbekk.
Essa ambivalência é lembrada também por psicólogos que analisaram o Gen Z stare. Para a professora Emily Weinstein, da Harvard Graduate School of Education, o olhar vazio pode ter diferentes significados: “Às vezes, é apenas confusão ou uma forma de regular ansiedade em situações sociais. Reduzir o fenômeno a uma explicação única — como o uso de telas — é simplificar demais”, disse Weinstein em entrevista à Vox.
A pandemia como divisor de águas
Outro fator que aparece repetidamente nas análises é a pandemia de Covid-19. Entre 2020 e 2022, adolescentes passaram longos períodos socializando apenas por videoconferências ou mensagens instantâneas. Esse hiato coincidiu com fases cruciais do desenvolvimento emocional.
“Os anos de ensino médio e início da faculdade são momentos-chave para aprender a decifrar expressões faciais, a reagir a sinais sociais sutis. Uma geração inteira perdeu parte desse treino”, explicou à Axios o psicólogo clínico Mitch Prinstein, chefe de ciência da Associação Americana de Psicologia (APA).
A reportagem da Vox sobre o Gen Z stare trouxe uma interpretação provocadora: o olhar vazio pode ser também uma forma de resistência cultural, uma espécie de linguagem corporal que comunica ironia, cansaço ou distanciamento de normas sociais mais antigas. Em outras palavras, não seria apenas déficit social, mas também estilo.
Essa leitura cultural não deve ser ignorada. “Se para um adulto a falta de reação é ofensiva, para um jovem pode ser apenas um código de autenticidade ou de humor”, avalia o sociólogo Joshua Meyrowitz, especialista em mídia e comportamento social. O desafio, segundo ele, é que esses códigos geracionais se chocam com expectativas de outras faixas etárias, especialmente em contextos profissionais ou institucionais.
O impacto da Geração Z no mercado de trabalho
Segundo a Forbes, o chamado “Gen Z stare” tem sido frequentemente mal interpretado como desinteresse ou apatia no ambiente de trabalho. Joe Galvin, diretor de pesquisas da Vistage, citada na revista, explica que esse comportamento reflete uma desconexão geracional na comunicação e nas expectativas dos colaboradores. Para a Geração Z, criada em meio a telas, comunicação rápida e interações virtuais, manter contato visual constante nem sempre é sinal de atenção, mas sim uma forma própria de demonstrar foco.
A pandemia intensificou esse padrão, privando jovens de interações presenciais importantes para o desenvolvimento social. Consequentemente, muitos apresentam dificuldade em iniciar conversas informais ou interagir com desconhecidos, dentro e fora do trabalho, o que pode ser interpretado erroneamente por líderes das gerações mais velhas.
Sujay Saha, presidente da Cortico-X, consultoria de inovação estratégica, concorda. “A Geração Z entrou no mercado de trabalho em uma era marcada por telas, distanciamento social e comunicação remota, e as empresas agora precisam fechar essa lacuna de experiência com processos de integração focados em empatia e suporte, não com julgamentos.”
A Forbes destaca que líderes precisam abandonar julgamentos precipitados e investir em culturas organizacionais baseadas em transparência, propósito compartilhado e diálogo aberto. Ao compreender seu contexto único, as empresas podem transformar percepções equivocadas em oportunidades de inovação e engajamento genuíno.
Um futuro de interações híbridas
A discussão sobre o olhar blasé dos jovens não se resume a nostalgia ou críticas superficiais. Há evidências de que o tempo excessivo de tela afeta, sim, a empatia e a conexão interpessoal, especialmente quando substitui interações ricas em pistas não verbais. Ao mesmo tempo, há estudos mostrando que a tecnologia, se usada de modo ativo e intencional, pode ampliar habilidades sociais e democratizar o acesso a grupos de apoio.
O consenso entre especialistas é que a chave está no equilíbrio. Como sintetizou Yalda Uhls em entrevista à Time: “Não se trata de demonizar a tecnologia, mas de garantir oportunidades reais de prática social fora das telas. É no contato olho no olho que aprendemos a ser humanos”.
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